
O jornalista Ricardo Felner é também o Homem que Comia Tudo. Esse é o nome do seu blogue onde dá a conhecer os melhores restaurantes e pratos e onde escreve artigos como “Os seis mandamentos do bitoque”, “Bifes acém à hora” ou “Qual é a melhor coisa para comer quando é uma da tarde e parece de noite”.
O caldense, de 42 anos, trabalhou no Público, dirigiu a revista Time Out (a de Lisboa e a do Porto) e já tem alguns livros no seu curriculum.
À Gazeta das Caldas dá a conhecer a faceta de crítico gastronómico e quais os locais onde gosta de comer no Oeste. Os seus projectos: quer ir provar os pratos “extraordinários” do Sudeste Asiático, do Japão, da América do Sul e da Europa de Leste.
GAZETA DAS CALDAS: Qual foi a coisa mais estranha que o Homem que Comia Tudo já provou?
RICARDO FELNER: Foi um prato que ainda hoje se come na Ericeira, no Inverno. Chama-se caneja e é um peixe da família do tubarão. Eles armazenam-no debaixo de terra durante uns dias. Quando o peixe é retirado, vem com um cheiro forte a amoníaco. Depois é cozido com batatas, como se fosse bacalhau, mas o sabor é fortíssimo. Também já comi vários insectos, como tarântula, baratas, grilos, larvas. Gostei dos grilos e a tarântula, se lhe fizermos um bom polme, parece caranguejo de casca mole.
GC: Onde gosta de comer quando visita o Oeste?
RF: Os restaurantes de que mais gosto de ir no Oeste são os tradicionais. Gosto muito da Taberna do Manelvina. Parece tudo simples, mas há ali conhecimento e técnica, quer na grelha, quer na escolha do produto, da entremeada na brasa aos enchidos, passando pela salada de tomate.
A Adega do Albertino é um clássico seguro. É mais um restaurante recôndito, a caminho de coisa nenhuma. Gosto destes sítios fora de mão, onde vamos de propósito comer. O investimento não está na localização, na oportunidade turística do momento. Aquilo que lhes importa é a qualidade da cozinha e eles têm uma confiança absoluta nisso.
Num registo mais moderno, sugiro o Pacha, onde não vou há muito tempo mas que me dizem estar em forma. E o Maratona, onde passei muitas horas a jogar snooker e flippers, e que tem hoje uma cafetaria notável e um restaurante arrojado.
GC: O que é mais importante numa crítica gastronómica?
RF: Três coisas: justificar as opiniões, ser rigoroso na informação factual e técnica, divertir quem lê, ensinar alguma coisa ao leitor.
GC: O que é que falha na restauração portuguesa?
RF: Neste momento há uma crise grave no serviço de sala. Há uns anos, os restaurantes modernos acharam que não tinham de apostar no serviço. Bastava contratar uns miúdos com tatuagens e um sorriso, dar-lhes 600 euros, que a coisa fazia-se. Enganaram-se. Agora, com o crescimento do turismo, o problema é que não há mão-de-obra para servir à mesa, muito menos qualificada.
GC: Onde é que nunca partilharia uma refeição com José Sócrates?
RF: José Sócrates gosta de comer bem, em bons restaurantes. Hoje em dia, acho que ele prefere estar mais recatado. No passado, costumava convidar jornalistas para almoçar, não necessariamente para lhes dar a conhecer as suas iguarias preferidas, mas para propaganda e marketing.
GC: Que projectos tem em mãos?
RF: Estou a terminar um artigo de fundo sobre frango de churrasco, esse prato tão desvalorizado pelos gastrónomos portugueses, para o Expresso. Estou também a trabalhar num livro de cozinha e numa nova série de episódios d’O Homem que Comia Tudo.
GC: Gostaria de continuar a dar formação em crítica gastronómica? Há procura?
RF: A crítica gastronómica em Portugal é frequentemente amadora, aborrecida, leviana e promíscua. E há muita gente que tem noção disso e quer fazer melhor. O próximo curso de escrita gastronómica vai acontecer em Setembro.
GC: Há mercado em Portugal para criar uma revista dedicada em exclusivo à gastronomia?
RF: Essa é difícil. Aparentemente não, porque só persiste uma ou outra, sendo que não são projectos jornalísticos autónomos. Pelo menos que sejam viáveis financeiramente e independentes, duvido.
GC: Onde é que o Homem que Comia Tudo ainda quer ir e que pratos ainda quer provar?
RF: Tantos sítios. Conheço mal o Sudeste Asiático, o Japão, a América do Sul, a Europa de Leste, tudo sítios com cozinhas interessantes e muitos pratos extraordinários.
GC:. Qual é o livro que está a ler?
RF: Hoje Estarás Comigo no Paraíso, do Bruno Vieira Amaral. Altamente recomendável.
GC: Indique três livros sobre comida (não necessariamente de especialistas).
RF: A Cozinha Tradicional Portuguesa, da Maria de Lourdes Modesto, é uma bíblia do receituário. O Cozinha Confidencial, de Anthony Bourdain, sobre os bastidores de um restaurante. E o Diabo na Cozinha, de Marco Pierre White, sobre a vida do primeiro chef superstar.
GC: Já agora, indique também três filmes relacionados com comida.
RF: City of Gold, sobre a vida do crítico gastronómico Jonathan Gold. Jiro Dreams of Sushi, documentário que mostra como um restaurante e um sushiman, instalados numa estação de metro, conseguiu três estrelas Michelin. E Sideways, uma ficção de Hollywood que mostra como o vinho gera paixões fortes.






























