Em entrevista à Gazeta das Caldas, o antigo ministro da Educação e ex-presidente do Centro Nacional de Cultura destaca que o desenvolvimento faz-se pela aprendizagem e
que a educação é feita ao longo da vida. A avaliação das instituições de ensino, professores e alunos deve ser uma prioridade do país.
Gazeta das Caldas (G.C.): Nunca falha um convite que lhe façam para ir a uma escola. Porquê?
Guilherme d’Oliveira Martins (G.O.M.): A escola é, indiscutivelmente, um factor de multiplicação do conhecimento, mas, mais do que do conhecimento, da compreensão mútua relativamente à ideia de cidadania. É por isso que é fundamental conhecermos esse papel da escola como realidade aberta.
G.C.: Coordenou o perfil do aluno. Como deve ser o aluno do futuro?
G.O.M.: O aluno do futuro deve ser livre e responsável, antes de mais. Daí a valorização dos vários elementos, designadamente, a autonomia, entreajuda, respeito mútuo, curiosidade e capacidade de conhecer novas coisas. E entender que o factor fundamental de desenvolvimento chama-se aprendizagem.
G.C.: É, no fundo, uma resposta aos inquéritos que foram feitos e que dão conta de que mais de 50% dos alunos considera a escola maçadora?
G.O.M.: Claro. É indispensável que consideremos que a escola tem que corresponder à necessidade de motivar as pessoas e de ir ao encontro daquilo que é a sua própria vocação. Hoje a Educação não é apenas uma educação formal, tem que ser ao longo da vida. Aprender até morrer. O saber não ocupa lugar. Quando se termina a educação formal, em qualquer nível de ensino, apenas temos licença para aprender.
G.C.: O ritmo dos alunos é diferente do dos professores. Definiu-se o modelo para os alunos, e os professores, como conseguirão dar resposta a estes desafios?
G.O.M: Hoje há uma exigência muito grande de formação adequada à realidade que temos, que é complexa, difícil, imprevisível. Portanto, os professores têm que estar preparados para dar resposta a essas novas situações.
G.C.: Há uma proposta para não haver avaliação até ao 9º ano. Qual a sua opinião?
G.O.M.: Tenho um grande cuidado relativamente a essa matéria porque muitas vezes fala-se de avaliação só dos alunos. A avaliação é necessária sempre e em todos os níveis de ensino, mas tem três preocupações: a avaliação das instituições, avaliação dos professores e avaliação dos alunos. Temos que saber que escola temos e como é que a escola corresponde aos desafios que tem. Não concordo com soluções simplistas nesta matéria.
G.C.: O actual modelo permite a diferenciação do aluno?
G.O.M.: Permite e tem que permitir cada vez mais essa diferenciação.
G.C.: E há receitas para a excelência?
G.O.M.: A Educação não tem receitas, mas, como diz o estudo do perfil, o rigor e a exigência são essenciais. Temos que perceber que o aluno, o professor, o membro da comunidade educativa, todos têm um horizonte de exigência a que não podem deixar de responder, o de ser cada vez melhor.
G.C.: Mas há alunos que partem de um base desigual.
G.O.M.: Sim, é um problema que muito nos preocupa, para que a escola não seja um reprodutor de desigualdades. Quando estive no governo, o programa da educação pré-escolar e a sua concretização correspondeu a um modo de contrariar as desigualdades. E é indispensável encontrarmos novas formas de contrariar as desigualdades.
G.C.: Estamos na escola cujo patrono é Raul Proença, uma personalidade que lhe é querida e a qual conhece bastante. O que destaca deste intelectual?
G.O.M.: Raul Proença é uma referência fundamental da cultura portuguesa. Tive oportunidade de salientar a sua ideia de uma democracia centrada nos cidadãos e baseada num patriotismo prospectivo. A mobilização das pessoas, o sentido crítico. Raul Proença com Jaime Cortesão e António Sérgio, mas também com Teixeira de Pascoaes, é uma referência que não pode deixar de ser melhor conhecida.
G.C.: Conhece bem o património cultural da região Oeste?
G.O.M.: Conheço razoavelmente. É uma zona riquíssima e a preocupação fundamental quando realizámos o Ano Europeu do Património e deixámos dito que é indispensável que a sociedade toda se empenhe na defesa e salvaguarda do património material e imaterial, natural, paisagístico, digital, e ligar isso à criação contemporânea.
G.C.: Os Pavilhões do Parque, edifícios do século XIX, estão a ser reabilitados para um hotel de cinco estrelas. É uma forma de reabilitar o património?
G.O.M.: O turismo cultural vai ter cada vez mais importância, mas vai ter que ser sempre ligado à própria valorização histórica do património, como é o caso das termas. Todos nos lembramos de como a Rainha D. Leonor ao passar pela zona e ver um conjunto de pessoas a banhar-se nas lamas, considerou a necessidade de criar condições para um aproveitamento digno das águas terapêuticas. Não podemos esquecer a sua memória e exemplo.
G.C.: No Hospital Termal está prevista uma área expositiva. Considera que é uma forma de atracção cultural para a área do termalismo e valorização do património?
G.O.M.: Com certeza que sim.
G.C.: Caldas da Rainha foi recentemente distinguida pela Unesco como Cidade Criativa do Artesanato e das Artes Populares. Qual o desafio para a cidade?
G.O.M.: É uma responsabilidade muito grande, uma responsabilidade relativamente aos grandes artistas que por aqui passaram e recordo, entre outros, Rafael Bordalo Pinheiro e José Malhoa. No caso de Rafael Bordalo Pinheiro a importância da loiça e a sua valorização, pois tem características absolutamente únicas e irrepetíveis.
G.C.: Óbidos já é distinguida ao nível da literatura, Leiria foi-o recentemente, ao nível da música. Toda esta região fica valorizada com esta chancela da Unesco?
G.O.M.: Certamente que sim. Tive oportunidade de, durante quase 10 anos, estar na Comissão Nacional da Unesco, à qual estou ligado ainda hoje em matéria dos direitos Humanos, e isso é extraordinariamente importante, a valorização da ciência, cultura, ciência e educação, como factores essenciais para garantir que a tal aprendizagem, que é o elemento efectivo de incentivo ao desenvolvimento humano. Também passará muito pelas escolas. O sucesso em Portugal do Ano Europeu do Património Cultural deveu-se, designadamente nesta região, ao envolvimento das escolas. O envolvimento das escolas fez a diferença, em termos europeus, porque Portugal ter um dos países com maior número de actividades, a seguir à Alemanha ou França, significa que houve um esforço grande que tem que ser continuado.
G.C.: Na Escola Raul Proença falou sobretudo de Educação, mas no seu vasto currículo estão também as funções de ministro das Finanças. Há alguma preferência?
G.O.M.: Tudo é necessário numa sociedade. Precisamos, para valorizar a educação e a formação, de utilizar melhor os nossos meios e impostos, que devem ser factor de combate à desigualdade e à injustiça.






























