O clima está a mudar e é preciso intervir

0
596

As alterações climáticas são hoje uma realidade visível e, caso, não se tomem medidas a curto prazo, as consequências podem ser irreversíveis

Os especialistas alertam e as associações ambientais exigem ação. O clima está a mudar e mais rapidamente do que se temia. E mesmo sendo tomadas medidas, muitos dos efeitos do aquecimento global vão perdurar.
Os efeitos mais visíveis das alterações climáticas estão patentes nos chamados “eventos climáticos extremos”, onde se incluem as chuvas torrenciais (muitas vezes concentradas e fora de época) e as inundações que daí advêm, os tufões e fenómenos similares, a seca, os grandes incêndios, todos eles com elevado impacto económico e social, explica a bastonária da Ordem dos Biólogos. De acordo com Maria de Jesus Fernandes, Portugal ocupa um lugar cimeiro no ranking de países sujeitos a eventos extremos, com perda de biodiversidade e colapso dos ecossistemas, com consequências na agricultura e produção de alimentos, assim como nas reservas de água. “E , obviamente, na saúde e na qualidade de vida das populações”, remata à Gazeta das Caldas.
O Oeste, mercê da influência oceânica, tem conseguido manter-se “um pouco à margem desta situação”, no entanto têm-se verificado fenómenos episódicos de temperaturas “anormalmente elevadas e não poderemos esquecer os grandes incêndios de outubro de 2017, que fustigaram fortemente a região”, exemplifica. Tendo em conta todas estas situações, os principais desafios que se colocam para a próxima década prendem-se essencialmente com a agricultura e as reservas de água. “Temos um sistema de rios e ribeiras, na sua maioria, de regime temporário, de caudal intermitente de inverno, e torrenciais”, explica, realçando que o território não tem sido planeado tendo em conta situações extremas de falta de água ou de chuvas torrenciais extremas. “Muitos dos leitos de cheia destas ribeiras estão ocupados por edificações e estradas, e isso pode ser de facto um grande problema num futuro próximo”, alerta. Por outro lado, o uso racional da água terá de ser uma prioridade em toda a região, bem como sua reutilização, destaca Maria de Jesus Fernandes.
A especialista faz ainda notar que a fruticultura e os hortícolas podem não se conseguir adaptar às alterações de temperatura, do solo e das pragas (também elas em mutação devidas às alterações de temperatura), uma matéria que deverá merecer grande atenção dos investigadores e dos produtores locais.
Para a responsável, as mudanças climáticas mais significativas na região advêm da subida da temperatura e da escassez de água. No entanto, poderemos estar perante alterações mais significativas ao nível do clima, se existirem alterações maiores ao nível das correntes oceânicas. “Beneficiamos de um clima particularmente mais ameno devido ao efeito dessas massas de água oceânica, mas alterações por ação do degelo e da subida da temperatura da água do mar poderão alterar a circulação destas massas de água provocando grande desregulação no clima, em especial nas áreas costeiras, como é o caso do Oeste”, alerta. De acordo com Maria de Jesus Fernandes, a principal mensagem a reter é que as mudanças climáticas “estão já presentes no nosso dia-a-dia, são um problema da nossa geração e não apenas das gerações vindouras. E cada um de nós pode ajudar a retardar este processo”.

Aposta nas energias renováveis
Também a jovem ativista Andreia Galvão partilha das mesmas preocupações ao nível das alterações climáticas, que vão desde a poluição dos rios ao ênfase na monocultura, passando pelo efeito dos incêndios que, “cada vez mais, têm assolado o país e devastado as comunidades”. A caldense considera que os desafios que se colocam na próxima década são principalmente de disputa política e defende que é necessário uma mobilização de massas, sem precedentes, em relação à resolução da crise climática. “É preciso contestar a política do business as usual, do negacionismo e da contestação de quem diz que é necessário agir, neste momento”, disse à Gazeta das Caldas.
Caso estes problemas não sejam resolvidos será impossível reverter os impactos da crise climática, tal como o refere o sexto relatório da ONU, divulgado recentemente. “As catástrofes, os incêndios serão cada vez mais incidentes e os problemas sociais gerados dessa desigualdade cada vez mais acentuados”, adverte Andreia Galvão, realçando que as pessoas na linha da frente, nomeadamente de contextos sócio-económicos mais baixos, estarão mais expostas a problemas como a pobreza energética. “Podemos seguir este caminho ou mudar enquanto temos tempo, porque ainda temos tempo para mudar”, sustenta. Para que isso aconteça, é “preciso problematizar e visibilizar os problemas concretos relativamente à crise climática”, considera a ativista. Desde a Lagoa de Óbidos à ausência de transporte público, onde destaca a Linha do Oeste, às políticas populistas que funcionam em torno de carismas pessoais ao invés de soluções concretas para resolver o maior problema da Humanidade, são alguns dos exemplos que aponta.
Na sua opinião, este território pode ser um “grande gerador” no setor das energias renováveis e defende que esta seja uma decisão política. Para além disso, “é preciso combater o afastamento da política, porque só é possível criar contestação política quando as pessoas se apercebem, que esta é a causa das suas vidas”, conclui a jovem ativista.

- publicidade -

A ameaça de inundação
Um estudo da organização Climate Centre, publicado em finais de 2019 e denominado “Futuro inundado: Vulnerabilidade global ao nível do mar é maior do que se pensava anteriormente”, traça um quadro fortemente pessimista a meio século, e a região Oeste não é excepção. Há praias que desaparecem, a Lagoa de Óbidos vai galgar as suas margens, com especiais impactos na zona entre o Penedo Furado e o parque de autocaravanas, mas também na zona do Arelho, perto do antigo aeródromo. O documento, disponível online, revela que Peniche fica sem ligação a terra, tornando-se uma ilha, o Baleal desaparece e a Papôa também fica quase totalmente submersa. As margens do rio Alcoa sobem, na zona da Nazaré, e os campos da Cela ficam inundados.
A marginal de São Martinho ficaria em risco e a baía estender-se-ia quase até Alfeizerão, onde já chegou no passado, e o rio Tornada também transborda e chega ao Chão da Parada. Estes resultados têm em conta a subida média do nível do mar e a precipitação anual, assim como cortes moderados em termos de poluição. De acordo com os autores do estudo, o nível médio da água do mar subiu entre 11 e 16 centímetros no séc.XX e, “em cenários de emissões mais altas, o aumento do séc XXI pode-se aproximar dos dois metros”. Tendo em isso em conta, “traduzir as projecções do nível do mar na exposição potencial da população é fundamental para o planeamento costeiro e para avaliar os benefícios da mitigação climática, bem como os custos da falta de ação”, revelam.
No entanto, o estudo adverte que “os erros nos dados de elevação podem levar a que as áreas sejam classificadas incorretamente como seguras ou em risco” e que “os detalhes devem ser verificados com uma visita ao local e com medidas de elevação mais precisas”. ■

“As mudanças climáticas já estão presentes no nosso dia a dia e são um problema da nossa geração e não apenas das vindouras”
Maria Jesus Fernandes

“É preciso contestar a política do business as usual, do negacionismo”
Andreia Galvão

 

Paulo Lemos
ex-secretário de Estado do Ambiente

Clima e sustentabilidade na Região Oeste

 

Não há empresa, município ou governante que não inclua sustentabilidade na respetiva comunicação. Trabalhando eu há muitos anos nesta área reconheço que é um progresso. A questão é saber a fronteira entre o marketing e a verdadeira vontade de mudar. E precisamos de mudar. Todos os estudos recentes, em particular o do Painel Internacional sobre Alterações Climáticas, apontam para a necessidade de mudar os padrões insustentáveis de produção e consumo e alertam que a década em que vivemos será decisiva para evitar danos maiores. E o problema não é apenas as alterações climáticas é também o padrão de consumo de recursos dado que já consumimos 1,7 planetas por ano e, se nada for feito, em 2050, iremos consumir como se existissem 3 planetas. Isto é, estamos já a consumir recursos que pertencem ás próximas gerações.
Portugal, devido a sua localização geográfica, é extremamente vulnerável, aos previsíveis efeitos das alterações climáticas nomeadamente secas, ondas de calor, redução de humidade, fogos, cheias e eventos meteorológicos extremos. Acresce que Portugal, com quase 2000 kms de costa (contando com Açores e Madeira), é muito vulnerável à subida do nível do mar.
O clima ameno da região poderá evitar ou adiar alguns dos impactos mais negativos. No entanto, a costa do Oeste é muito vulnerável ao avanço do mar. As dragagens que recentemente se iniciaram na Lagoa de Óbidos fazem parte duma nova filosofia de adaptação as alterações climáticas. Em vez de dragar as areias para as margens e desta forma reduzir a área da Lagoa os dragados estão a ser enviadas diretamente para o mar de modo a reforçar a circulação das areias na nossa costa e combater o avanço do mar.
A dimensão do desafio pode levar muitos a pensar que não vale a pena fazer nada. Pelo contrário, todos temos que contribuir.
Os níveis local e regional podem ser decisivos neste combate dado que as cidades são responsáveis por 70% das emissões de gases com efeito de estufa no mundo, sendo os governos locais, por seu turno, responsáveis por mais de 70% das medidas de redução das alterações climáticas e até 90% das medidas de adaptação às mesmas.
O planeamento é fundamental e os instrumentos de ordenamento local e regional deveriam ter como objetivo a mitigação das emissões de gases poluentes e a adaptação aos previsíveis impactos das alterações climáticas.
A adapt.local – Rede de Municípios para a Adaptação Local às Alterações Climáticas foi criada para promover a elaboração de estratégias municipais de adaptação às alterações climáticas e respetiva integração nos instrumentos de planeamento municipal assim como promover a troca de conhecimento entre as autarquias e com a sociedade civil. De acordo com o respetivo site, da região Oeste só Torres Vedras faz parte desta rede.
A melhor forma da região Oeste ser mais sustentável e resiliente é promover um modelo de desenvolvimento circular que aposte numa crescente autossuficiência em termos de recursos reduzindo (ou pelo menos não aumentando) o consumo de matérias-primas, energia e a produção de resíduos para além da capacidade de regeneração da biosfera.
Na área da energia a Região deve aumentar a produção local de energias renováveis, incentivando o autoconsumo ou a criação de Comunidades de Energia Renovável.
Os edifícios públicos também devem dar o exemplo e serem eficientes do ponto de vista energético e hídrico. O poder local também deve incentivar os cidadãos a aproveitar os incentivos dos programas comunitários e nacionais para tornar as suas habitações mais eficientes. Deve também aumentar a exigência em termos de eficiência para novos projetos de habitação.
A escassez de água será uma realidade no futuro, pelo que será importante promover a eficiência hídrica por exemplo reutilizando as águas da chuva e as águas residuais.
Tendo em conta que o desperdício alimentar é um problema global e contribui para o aumento das emissões deve ser promovido o consumo de produtos locais, as quintas urbanas e o apoio a empresas e organizações que trabalham nesta área.
Finalmente em termos de recursos é importante a prevenção da produção de resíduos, a criação de centros de reuso de reparação e promover a reutilização e a reciclagem dos materiais.
Se a Região apostar numa política ativa de sustentabilidade poderá também melhorar a sua visibilidade, atratividade e competitividade para empresas que apostem nesta área, mas também para os novos “nómadas” digitais que poderão beneficiar da qualidade de vida da nossa região enquanto trabalham para empresas por todo o mundo. ■

O clima ameno da região poderá evitar ou adiar alguns dos impactos mais negativos

A escassez de água será uma realidade no futuro

- publicidade -