Na passada semana o arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, foi distinguido com o Prémio Sir Geoffrey Jellicoe, o mais importante prémio mundial da disciplina da Arquitectura Paisagística. A distinção foi-lhe atribuída em Auckland, na Nova Zelândia pelo “impacto incomparável” que teve na sua vida profissional.
Ribeiro Telles foi assistente e discípulo de Francisco Caldeira Cabral, pioneiro da disciplina de Arquitectura em Portugal no século XX e também o principal responsável pela Mata Rainha D. Leonor das Caldas da Rainha.
O homenageado é o autor do projecto dos jardins da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, bem como de muitas outras obras relevantes, como a sua intervenção na capela de São Jerónimo, os projectos do Vale de Alcântara e da Radial de Benfica, do Vale de Chelas e do Parque Periférico. Nos últimos anos Ribeiro Telles concebeu o Corredor Verde de Monsanto e a integração da zona ribeirinha oriental e ocidental, na Estrutura Verde Principal de Lisboa, cuja conclusão foi anunciada para este ano.
Para a Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagistas (APAP), este prémio “representa a maior honra que a Federação Internacional dos Arquitectos Paisagistas (IFLA) pode conceder e reconhece um arquitecto paisagista, cuja obra e contribuições ao longo da vida tenham tido um impacto incomparável e duradoiro no bem-estar da sociedade e do ambiente e na promoção da profissão de Arquitectura Paisagista”.
Na semana da atribuição do prémio foram inúmeras as personalidades do meio cultural português que felicitaram “o jardineiro de Deus”, como muitos o tratam, pela escolha da Associação internacional daquela especialidade.
Este prémio, criado em 2004, galardoou em 2005 o arquitecto Peter Walker, dos Estados Unidos, em 2009, Bernard Lassus, de França, em 2011 Cornelia Hahn Oberlander, do Canadá, e, no ano passado Mihaly Mocsenyi, da Hungria.
Em 1989, a convite da Gazeta das Caldas, o arquitecto e professor Ribeiro Telles, visitou demoradamente as Caldas da Rainha, na altura acompanhado por uma equipa deste jornal e por João Bonifácio Serra, ainda antes de este ter sido assessor do Presidente da República Jorge Sampaio e Presidente da Guimarães Capital Europeia da Cultura.
UMA LIÇÃO DE URBANISMO E PAISAGISMO
Nessa visita, o professor deu uma autêntica lição de urbanismo e paisagismo, com o exemplo concreto das Caldas da Rainha, que nessa altura ainda não tinha sido totalmente desfigurada.
Esta vinda à cidade ocorreu já depois de Ribeiro Telles ter sido subsecretário de Estado do Ambiente, nos governos provisórios depois do 25 de Abril e ministro da Qualidade de Vida nos governos constitucionais chefiados por Sá Carneiro, no âmbito da Aliança Democrática, em representação do PPM. Mais tarde viria a abandonar este partido para se juntar aos Alfacinhas, movimento de cidadãos que concorreu à Câmara de Lisboa e em que foi eleito para vereador.
Mas mais importante do que repetir os elogios e obra que fez em Lisboa e no resto do país, será relembrar os seus comentários e críticas que fez à politica urbanística caldense até essa altura e dos avisos que deixou, muitos dos quais se vieram a confirmar como se pode ver hoje.
Caldas da Rainha não ouviu o parecer ajuizado e muito sabedor daquele a quem mais tarde seria atribuído o Nobel da Arquitectura Paisagística.
Transcrevemos aqui algumas passagens mais evidentes da reportagem que publicámos na nossa edição de 17 de Março de 1989, há pouco mais de 24 anos.
Como se lê nessa edição, a proposta da Gazeta foi fazer “uma visita a pé a vários pontos sensíveis da nossa cidade, bem como às zonas históricas, uma volta pelo concelho, com passagem obrigatória na Lagoa de Óbidos, Foz do Arelho, Salir do Porto e Paul de Tornada”.
“Incrível”, “impossível”, “inacreditável”, foram as palavras que pronunciou por várias vezes perante alguns casos quentes que a cidade e a região têm vivido. Mas, Ribeiro Teles, como se lê naquela edição, atento ao que se passa em todo o país, “referiu-nos que, infelizmente, as Caldas da Rainha não é diferente das outras cidades e vilas de Portugal”.
“O Dr. João Serra referiu-lhe a história do Lisbonense e a posição defendida pelo Escultor João Fragoso de que o Hotel faz parte integrante do Parque”. Por isso e pela própria traça, Ribeiro Telles afirmou que “isso já de si já é uma boa razão para não ir abaixo”. Subindo na direcção das escolas primárias e olhando em direcção ao Hotel referiu que o que havia de fazer era “abrir aquela fachada do hotel. Haverá sim que tirar a casa do Benfica para se deixar ver o hotel”. Esta foi uma das ideias que não terá sido contrariada nos tempos recentes, apesar da ligação com o Parque não ter sido privilegiada.
“Depois de ter apreciado o diálogo em termos urbanísticos entre Hotel, Parque, Hospital Termal, Mata e cidade, defendeu a proposta do Escultor João Fragoso de que deveria ser transferida a rua fronteira ao Hotel para as suas traseiras”.
A VINDA DOS PATOS BRAVOS
E continuou com a análise do situação do Rio do Avenal, que passa junto ao antigo Hospital de Santo Isidoro, tendo-se “mostrado desagradado com a sua degradação” e adivinhado o que se iria passar anos depois:
“Bastava pôr árvores de um lado e de outro para ensombrar e evitar os despejos. Assim o que se prepara é a vinda aí de uns patos bravos a dizer que é preciso encaná-lo e perde-se uma via fundamental. A culpa é da Junta dos Recursos Hídricos que não liga nada a estas coisas”
“Isto é lindo, isto é muito bonito, é pena ser destruído” afirmou em relação às ruínas do Hospital Santo Isidoro. “Vocês devem imediatamente lançar um processo de classificação se eles quiserem deitar isso abaixo”. Seria João Serra depois, na Comissão Instalador ada actual ESAD, que conseguiria esse propósito, estando hoje recuperado e funcionando aí a Biblioteca da ESAD.
Caminhando depois em direcção ao Atelier António Duarte mostrou-se desagradado com o mamarracho que se perspectiva para ali e que irá cortar toda a visão do vale.
“Não faz mal que construam aqui por detrás, o que é preciso é deixar o vale livre e permitir uma leitura da paisagem e é indispensável que fique a mata porque isso está tudo integrado.”
“É uma pena se isto [Ateliers António Duarte e João Fragoso] não ligar ao outro lado, visualmente”. Na opinião de Ribeiro Teles devia ser defendido com toda a força um corredor cultural que iria desde o Cencal, passando pelo Hospital Santo Isidoro (apoiando a ideia da sua recuperação para ateliers da ESAD), ateliers António Duarte e João Fragoso, Museu de Cerâmica, Museu da Fábrica Bordalo Pinheiro, Parque e Museu de José Malhoa, Bairro João de Deus, Hospital Termal, Mata, Praça da República e as ruas até à estação da CP.
O pavilhão de caça do Visconde de Sacavém, ou seja a conhecida Casa da Cortiça (entretanto de desaparecida, pois estava ao abandono e foi consumida pró um incêndio), mereceu-lhe o seguinte comentário: “olha, que engraçado” e a ideia de que “deve ser preservada a todo o custo”.
Quanto às urbanizações das avenidas que desembocam na estação dos comboios, bem como junto ao edifício Europa, manifestou o seu mais vivo desagrado. Interrogou-se como as pessoas conseguem viver em tão más condições.
“Isto é tão mau como no Algarve”
Na Foz do Arelho, para onde seguiu, perante as então recentes construções, comentou: “Isto é tão mau como no Algarve. Tudo isto contraria a legislação vigente. Qualquer dia destruímos todo este património”.
Antes da entrevista e durante a visita teve uma frase premonitória para o que se passa hoje em várias partes da(s) cidade(s): “Para mim o problema grave é que isso é igual ao que se passa noutras cidades do país. Quer dizer, não há a menor diferença. Há uma actividade que domina completamente o processo de desenvolvimento, que é a actividade imobiliária, ou seja, é a transformação do terreno, a valorização do terreno, a construção sem qualquer objectivo. Para já o objectivo é as três, quatro, cinco assoalhadas para venda.
O negócio é fundamentalmente a transformação imobiliária. Quando as cidades deixarem de ser um estaleiro de obras, todo o processo morre e então vamos ver como é que funcionam.
Eu estou convencido – não sei aqui nas Caldas, não tenho números – que mesmo quando já não forem necessárias mais casas para habitação, de um determinado preço, eles continuarão a construir-se, durante um determinado intervalo de tempo. Até que, evidentemente, paralisem porque já não há a mesma possibilidade de se fazerem. É o que se está a passar na região de Lisboa, por cálculos assim por alto já há uns milhares de casas a mais, muitas das quais vazias. é já um problema que se vai alargar por todo o pais.
Quero dizer, para manter o estaleiro de obras não há a partir de certa altura a procura suficiente, nem as posses suficientes para adquirirem ao preço que elas foram construídas. Portanto nós vamos sofrer aqui um embate com umas monstruosidades que a partir de certa altura não terão qualquer sentido, nem social, nem cultural, nem de serviço.”
Outra afirmação de Ribeiro Teles que vamos reter quase um quarto século depois e que também julgamos significativa:
“Outro problema grave – mas esse tem fácil recuperação – é o que se passa ao nível do uso da rua. Eu sou defensor acérrimo de uma coisa que não existe nas novas urbanizações, dada a especulação que as enforma, que é a rua e a praça. A rua só funciona quando de facto tem relação com os laterais da rua. E tem de funcionar de diferentes maneiras. Têm de ser não só agradáveis, mas também têm que dar resposta a todo o processo arquitectónico e histórico da própria rua. Portanto nós aqui temos (em Portugal, especialmente) dado pouca importância aos declives, que para nós às vezes não são muitos acentuados, mas quando vêm os estrangeiros da Europa do Norte ficam espantados como a gente consegue fazer cidades em zonas tão declivosas. As construções são muito comandadas pelas linhas verticais, que nós estamos a destruir – cada vez que fazemos uma montra, uma loja nova – por uma linha horizontal. O que é uma briga com tudo o resto. Não é que se utilizem aqueles espaços para lojas, mas podem-se valorizar melhor mantendo a estrutura própria do local.
Portanto, eu sou contra, no arranjo dos rés-do-chão das zonas históricas, a transformação de linhas verticais que vêm do 1º e do 2º andar para linhas horizontais ao nível da rua. É um problema que destrói muito a leitura da rua, o interesse da própria rua.”
Não admira que tenha ganho o Nobel da Arquitectura Paisagística. Só é pena que não lhe tenham dado ouvidos mais vezes.
JLAS






























