O 11º Convívio de Pasteleiras do Campo e o Projecto Retrato (Tradições da Vila) foram duas iniciativas que animaram as ruas das Caldas em dia de feriado, 5 de Outubro. O objectivo comum de trazer à cidade as tradições antigas das aldeias não foi suficiente para que as duas organizações juntassem as diferentes actividades num só evento. O resultado foi uma manhã repleta de iniciativas interessantes – como o desfile das pasteleiras, o piquenique na Rua Dr. Miguel Bombarda, a malhada do milho no largo do Hospital Termal, ou o fandango no topo da Praça de Fruta – que acabaram por ser concorrentes entre si.
A simultaneidade dos dois eventos levou a que o público caldense se dividisse, já que era impossível estar presente em todos os momentos ao mesmo tempo.
São sete os ranchos folclóricos do concelho que participaram na segunda edição do evento “Tradições da Vila” – Projecto Retrato. Vários elementos dos grupos “As Ceifeiras da Fanadia”, “Os Oleiros”, “Os Azeitoneiros” de Alvorninha, “Os Amigos da Associação de Barrantes”, “Flores da Primavera” do Guisado e “Danças do Arnóia” juntam-se nesta iniciativa, cujo objectivo não é agrupar os participantes consoante o rancho a que pertencem, mas sim conforme a tradição que representam. Isto é, as lavadeiras circulam todas juntas, o mesmo acontece com os domingueiros e com os noivos, independentemente do rancho que integram.
O evento tem início às 9h30, no Largo dos Pimpões, local onde há a primeira actuação colectiva e que é ponto de partida para um desfile etnográfico até à Praça 5 de Outubro. As pessoas que nesta manhã passeiam pelas Caldas notam que a cidade está diferente: as ruas foram “invadidas” pelas tradições das aldeias, pela forma como se vestia o povo no início do século passado, pela forma como este falava e como se relacionava.
Já no Chafariz das Cinco Bicas realiza-se um desfile de bilhas e canecos e as lavadeiras retiram da cabeça os alguidares para lavarem a roupa na água da fonte (uma recriação que voltaria a ser repetida no lago do Parque). Era assim antigamente, quando não existiam eletrodomésticos e a única alternativa que as mulheres tinham para lavar os lençóis, as toalhas, os vestidos, as saias e as camisas era dirigirem-se aos chafarizes e aos ribeiros para enxaguarem as peças com água e sabão. À medida que as lavadeiras fazem o seu trabalho e o público assiste curioso, a captar cada momento com câmaras fotográficas, os acordeonistas vão animando o evento com música. Também estes tocam em diferentes grupos de folclore, mas hoje é impossível diferenciá-los, até porque a única bandeira da iniciativa identifica o evento como “Tradições da Vila” e não com o nome de cada um dos ranchos.
O roteiro prossegue: no topo da Praça da Fruta vários pares dançam o fandango, enquanto no largo do Hospital Termal um grupo de ceifeiros recria a desfolhada e a malhada do milho numa eira improvisada. Vai a manhã a meio e a Rua das Montras (Rua Almirante Cândido dos Reis) transforma-se no palco para duas pequenas performances teatrais em que os intérpretes representam à janela. Pretende-se aqui recriar as “cusquices” de antigamente, numa época em que toda a gente se conhecia nas aldeias e metia o nariz onde não era chamada. “Eu cá não tenho por hábito falar mal de ninguém, mas já viste quem é que está prenha?”, comentam as personagens.
Só que ao mesmo tempo que os vendilhões desfilam apregoando as suas mercadorias – vendem-se cavacas e beijinhos, sementes, água, figos, azeitonas, pão, jornais, ouro e prata – há outro grupo ali ao lado, na Rua Dr. Miguel Bombarda, que também não quer deixar morrer as antigas tradições. São os Amigos da Natureza, da secção de ciclo-turismo da Associação Cultural e Recreativa do Campo, que há onze anos escolhe o feriado da implantação da República para organizar um passeio de pasteleiras.
DUAS INICIATIVAS CONCORRENTES
São mais de 100 pessoas que se reúnem, à semelhança do que acontece no evento “Tradições da Vila”. Partem do Campo de bicicleta, passam pelo túnel dos caminhos de ferro (junto ao Lidl), pela rotunda da Fonte Luminosa, Bairro da Ponte, Bairro Azul, estação dos comboios, rotunda da Rainha, Praça da Fruta, Chafariz das Cinco Bicas, Escola Bordalo Pinheiro, Praça de Touros e terminam na Rua Miguel Bombarda, onde fazem um piquenique. Encostam as bicicletas a um canto (quando estas não servem de apoio para assar o chouriço ou para pousar os copos de barro), estendem as toalhas no chão e ali convivem, entre muitos petiscos e boa pinga. Participam várias gerações, pessoas dos quatro aos 80 anos, algumas vindas de longe: Salvaterra de Magos, Coimbra, Santarém, Alenquer, Alcobaça, Cadaval e São Mamede.
Há delas que vêm vestidas à moda antiga, com aventais e lenços que se vê que não são dos tempos de agora. “Pertenciam à minha avó”, conta Ana Duarte, 45 anos, que desde 2007 participa neste evento com a mãe Emília, de 68 anos. Na pasteleira trazem um galo de verdade e um cesto onde guardam as iguarias para o piquenique. Há doces de vários sabores (melancia, figo e tomate), uvada, pão de milho e de trigo, jaquinzinhos fritos, cavalas em escabeche e sardinhas escorchadas.
“Vimos pela paródia e pelo convívio, mas também porque gostamos de recriar este ambiente antigo”, dizem as participantes, acrescentando que já houve anos em que também recriaram actividades como a malhada do milho ou a vindima. “Como agora há outro grupo a fazê-lo, nós focamo-nos no passeio”, referem.
José Lopes, um dos organizadores do 11º Convívio de Pasteleiras, diz que é complicado juntar os dois eventos numa só iniciativa. Desde logo porque há um grupo que se desloca a pé e outro de bicicleta. Sem esquecer o facto de estarem envolvidas muitas pessoas.
“Há onze anos que fazemos a nossa iniciativa no 5 de Outubro, por isso acho que a cidade ganhava mais se os dois eventos não ocorressem no mesmo dia. Até eu ia assistir às ‘Tradições da Vila’ porque é uma actividade muito gira, mas assim sou obrigado a escolher”, acrescenta o responsável.
Já Sérgio Pereira, principal dinamizador do projecto que une os ranchos, explica que se chegou a equacionar uma parceria com os Amigos da Natureza do Campo, mas que não é possível juntar os dois eventos quando “o rigor que pretendemos colocar na nossa iniciativa não se harmoniza com o passeio das bicicletas, onde há participantes que não vão vestidos com trajes etnográficos”. Na sua opinião, “não há inconveniente em existirem duas iniciativas separadas, até porque os seus percursos não são exactamente iguais”.
O evento “Tradições da Vila” surgiu o ano passado, no seguimento de um convite feito pela União de Freguesias Nª Sra. do Pópulo, Coto e S. Gregório e pela União de Freguesias de Santo Onofre e Serra do Bouro, que propuseram a organização de um festival de folclore que juntasse todos os ranchos do concelho. “Achei que seria mais interessante criar um conjunto de recriações etnográficas na cidade, onde entrasse não só a dança como outras tradições que caracterizavam as aldeias no passado”, explica Sérgio Pereira, acrescentando que o principal objectivo deste evento é dignificar o termo “folclore”. É que “às vezes as pessoas confundem-no com ‘superficialidade’, quando o folclore representa a vivência de uma determinada época que também tem a ver com o trabalho, crenças e religiosidade”, sublinha.
Da Rua das Montras, os sete ranchos seguiram para o Parque D. Carlos I, onde se juntaram para um piquenique. Durante a tarde, apresentaram outras recriações, como a apanha da azeitona e alguns jogos tradicionais (saltar à corda ou lançar o peão).
Fotos: Maria Beatriz Raposo











































