Nas Caldas há tags nas paredes, portas e janelas, nos sinais, montras e muros

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Graffiti nas Caldas
Ao contrário dos grafitis, que nalguns casos podem ser considerados arte urbana e valorizar a cidade, os tags são simples “assinaturas” de jovens malcriados que conspurcam a cidade - Isaque Vicente

Os tags não são exclusivos das Caldas, mas nesta cidade – como noutras – encontraram espaço para proliferar. Em paredes, portas e janelas, em sinais, montras, caixas de electricidade e grades das lojas, um pouco por toda a parte há letras rabiscadas a spray. Mas o que leva alguém a deixar a sua assinatura em qualquer canto?

Numa terra onde até existem bons exemplos de arte urbana, proliferam pelas ruas os famosos tags. Aquelas letras iguais repetidas infinitamente em prédios novos ou recentemente pintados, em sinais, em caixas de electricidade ou correio, em portas e janelas, em montras e grades, enfim, onde der.
Não passam, na óptica da maioria, de vandalismo. São feios e sem significado, não trazem uma mensagem e tornam a cidade visualmente suja.
Nas Caldas são tão habituais que, à visão de muitos, já passam praticamente despercebidos até olharem bem à sua volta. Em todos os cantos, lá estão as paredes dos edifícios, públicos ou privados, rabiscadas a spray.

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DIFERENTES MOTIVAÇÕES

Gazeta das Caldas tentou perceber o que leva alguém a fazer um “trabalho” destes. Do que foi possível perceber, há motivos vários e consciências distintas.
Um dos motivos é a crítica à sociedade capitalista. Apesar de não haver uma mensagem escrita, o acto de fazer um tag fala por si. Trata-se de expressar um sinal de revolta contra a sociedade. Ainda assim, não serão estes a maioria.
Para muitos trata-se “apenas” de uma espécie de jogo, onde ganha quem conseguir colocar o seu nome (representado pelo tag) no ponto mais difícil da cidade, seja pela altura ou pelo desafio que representa. A disseminação também parece ser um factor importante. Neste caso importa o número de vezes que se repete aquela assinatura em locais diferentes.
Para outros, é apenas o início do gosto pelo graffiti, as primeiras vezes que levam as mãos à lata de spray. Usam o tag para aprender a desenhar.
Há também quem apenas os faça porque os amigos fazem e acham “fixe”, enfim, um pouco como em tudo, as motivações são de cada um.
Já relativamente à consciência, essa também depende de cada indivíduo. Há aqueles que apenas deixam a sua marca em prédios degradados e os que olham para uma parede de uma casa acabada de pintar como o fruto mais apetecido.
Em todos os casos, os tags demonstram um desrespeito pela sociedade, pela autoridade e pelas leis. É um manifesto. Resta saber se na maioria dos casos tem ou não esse fundamento.

AS CALDAS E A ARTE URBANA

A verdade é que, embora possa haver uma certa tolerância para o graffiti (sobretudo se for bem feito), não o há para estas assinaturas, que nada acrescentam aos locais onde são pintadas.
Um graffiti, se bem feito, torna cada parede uma obra de arte, e existem na cidade exemplos disso, sendo “Lost Queen” – a velha pintada pelo caldense Daniel Eime nos Silos – um dos maiores (até pela dimensão: 12 metros de altura por sete de largura).
O contentor criativo que está instalado na antiga moagem de cereais é um dos locais onde é possível observar bons exemplos desta arte.
Em 2016 aquele autor disse à Gazeta das Caldas que a cidade tem “um fortíssimo potencial para acolher arte urbana”, sugerindo a criação de um festival.
Nessa mesma entrevista, deixou uma afirmação curiosa sobre a arte urbana, que é constantemente ligada ao vandalismo. Daniel Eime considera que vandalismo são os actos “que têm intuito de destruição”.
Pela Europa não faltam exemplos de fachadas de prédios que foram grafitadas e os portugueses espantam o mundo com as suas criações.
Em Berlim foi inaugurado o primeiro museu dedicado à arte urbana e em Cascais há um projecto semelhante que terá um orçamento anual de 200 mil euros e que deverá abrir portas na Primavera deste ano. Chama-se Museu de Arte Urbana e Contemporânea de Cascais (MARCC) e vai expor, por exemplo, a colecção do artista Vhils, com várias obras do próprio e também de outros artistas conhecidos, como Banksy.
Pelo país há já rotas turísticas, grandes eventos que levam artistas a evocar os valores de cada sítio e até projectos que levam os idosos a pintar paredes.
Nas Caldas a ACCCRO já organizou uma limpeza de paredes e fizeram-se projectos com ourivesarias que decoraram as grades com graffitis para evitar o vandalismo. No mesmo sentido, na Rua da Ilha, os moradores convidaram artistas para cobrirem as paredes de um edifício com graffitis. Agora, que quer ser uma cidade criativa, como vai as Caldas lidar com a arte urbana?

UMA CIDADE TOLERANTE AO GRAFFITI?

Nas Caldas, a Câmara criou em 2013 uma brigada de limpeza e pintura das paredes da cidade. A brigada era chefiada por um funcionário da autarquia e contava com reclusos da prisão das Caldas para a limpeza e com elementos abrangidos por contratos de emprego-inserção, num total de sete pessoas.
No primeiro ano a Câmara orçamentou 30 mil euros para as despesas em equipamento, fardamento e tintas.
À Gazeta das Caldas, Hugo Oliveira disse que “a estratégia é mesma: continuamos a ter a brigada e quando identificamos grafitis, vamos e apagamos”.
O autarca admite que esta é uma realidade preocupante. “Semanalmente eu próprio detecto muitos, como os funcionários da Câmara, e comunico”, disse.
O objectivo é tentar apagar o que foi escrito no mínimo tempo possível, reduzindo a visibilidade. “Obriga a um esforço grande da nossa parte, mas acredito que é a melhor estratégia”, afirmou.
A brigada limpa e pinta propriedades públicas e privadas (desde que tenha autorização dos proprietários). O problema é que nem sempre tem a tinta da cor necessária.
À escala, esta é uma ideia semelhante à que foi adoptada pela Câmara de Lisboa e pela CP e Infraestruturas de Portugal (antiga Refer), seguindo o lema: “graffiti feito, graffiti apagado”.
Em 2016 o Diário de Notícias noticiava que a edilidade lisboeta gastava um milhão de euros por ano para limpeza de graffitis. A Infraestruturas de Portugal cabimentava em 2017, segundo o Público, 150 mil euros para manter as estações limpas e a CP investe cerca de 300 mil euros todos os anos para “desgrafitar” os seus comboios.
Hugo Oliveira salienta a abertura da autarquia à arte urbana: “a legislação permite que se alguém quiser fazer um graffiti numa parede possa pedir uma licença à Câmara e pode ser uma valorização, porque a arte urbana deve ser interpretada como uma mais-valia”.

 

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