Nas Caldas há 20 anos que uma médica vai à prisão tratar doentes com Sida

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O Estado anunciou um protocolo que estabelece que os médicos passam a ir aos estabelecimentos prisionais para tratar os doentes com VIH e Hepatite B e C. O objectivo é conseguir uma gestão mais eficaz dos recursos, trazendo os médicos às cadeias em vez de os reclusos se deslocarem aos hospitais. Mas nas Caldas essa prática existe desde há 20 anos pois os reclusos com VIH são tratados na própria prisão e têm tido a visita regular de uma médica internista.
Em conversa com Gazeta das Caldas, Cristina Teotónio fez notar a evolução do combate à doença e a diminuição da percentagem de reclusos infectados.

Os ministérios da Saúde e da Justiça (com tutela sobre 28 hospitais ou centro hospitalares e de 45 estabelecimentos prisionais) assinaram um protocolo que estabelece a deslocação dos profissionais de saúde aos estabelecimentos prisionais para tratar reclusos com infecções pelos vírus VIH, Hepatite B e C.
O objectivo principal do protocolo é eliminar a Hepatite C nas cadeias portuguesas até 2020 com um tratamento que dura cerca de seis meses. No ano passado, no Estabelecimento Prisional do Porto foram tratados 70 reclusos com uma eficácia de 97%.
O Centro Hospitalar do Oeste e o Estabelecimento Prisional das Caldas fazem parte deste protocolo, o que significa que os reclusos da prisão das Caldas irão receber apoio médico para estas infecções na própria cadeia.
No entanto, isso é algo que não é uma novidade porque nas Caldas existe uma médica que desde há 20 anos vai ao EPCR tratar doentes com VIH.
Corria o ano de 1988 quando apareceu o primeiro caso da doença nas Caldas. A médica Cristina Teotónio era interna no Hospital das Caldas. Entrara para a especialidade de Medicina Interna e tinha feito um estágio no hospital Curry Cabral sobre doenças infecto-contagiosas.
Era uma época complicada, em que a doença tinha grande incidência nos meios urbanos. Em 1992 o director do serviço de Medicina, Henrique Pinto, propôs a criação de uma consulta dedicada a esta doença no Hospital das Caldas e Cristina Teotónio começou a fazê-lo.
“Tornei-me profissional com esta doença, investi muito numa área que na altura ninguém queria”, contou Cristina Teotónio à Gazeta das Caldas.
As deslocações ao estabelecimento prisional das Caldas começaram porque “às vezes o facto de as pessoas se conhecerem nestes meios pequenos facilita as coisas”. É que a bombarralense Cristina Teotónio é conterrânea da então directora da cadeia, Joana Patuleia, com tinha andado na escola. “Um dia, em conversa numa festa, ela disse que eu a podia ajudar ao fazer consultas de VIH no estabelecimento prisional que assim não tinha de deslocar os seus reclusos para Caxias”.
Falou-se com o então director do Hospital das Caldas, Mário Gonçalves e em 1998 estabeleceu-se o protocolo.

A partir daí, de 15 em 15 dias, a médica ia uma tarde à prisão ver os doentes com VIH, “que na altura eram muitos”. Em termos de números, “hoje há pouco mais de meia dúzia de doentes com VIH na cadeia das Caldas, mas na altura eram entre 20 a 30”.
Mas o combate ao VIH evoluiu muito, a tal ponto que hoje deixou de ser uma doença mortal para passar a ser quase crónica. O seu tratamento é cada vez mais ambulatório e muitas das vezes não implica internamento. Há até regimes de tratamento com um comprimido diário.
“Vi realmente as coisas melhorarem, vi os doentes a terem uma vida normal”, afirmou Cristina Teotónio, acrescentando que alimenta a esperança de, quando se reformar, a Sida ser uma doença com cura, tal como acontece com a hepatite.
A médica, que integra o Núcleo de Estudos da Doença VIH da Sociedade Portuguesa de Medicina, não tem dúvidas em afirmar que o método em que o médico vai à prisão é vantajoso. “É mais fácil deslocar um profissional do que 10 reclusos”, referiu Cristina Teotónio. Além disso, ir à cadeia “é mais fácil, mais rápido e mantém a privacidade, diminuindo o estigma”.
Outra vantagem são os ganhos em termos de gestão de recursos porque a ida de um recluso ao hospital obriga a deslocação de pelo menos dois guardas prisionais num carro celular.
A principal diferença que o protocolo traz para o que já se faz nas Caldas é que assim a médica pode ter acesso ao sistema do hospital através do computador da prisão.

Gazeta das Caldas
A cadeia e o hospital caldenses anteciparam em 20 anos uma iniciativa agora tomada ao mais alto nível
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