José Fernando teve um papel fundamental no combate à tubercolose

Dedicado e sempre disponível, José Fernando Pereira é um conhecido médico no Oeste e uma referência no que diz respeito à tuberculose.
Ligado às Caldas desde os anos 80, o Dr. Zé Fernando, como é mais conhecido entre pares e pacientes, teve um papel pioneiro não só em relação à tuberculose como à cessação tabágica. O profissional de saúde, de 68 anos, que dirigiu o Centro de Saúde nos anos 90 foi recentemente homenageado pela Ordem dos Médicos, numa cerimónia que teve lugar no Porto.
À Gazeta das Caldas, este profissional de saúde afirmou que “não sou dono de nada, sou guardião de algumas coisas durante algum tempo”.

José Fernando teve um papel fundamental no combate à tubercolose

José Fernando conta que na verdade em jovem gostaria de ter seguido Belas Artes. Mas por imposição paterna seguiu Medicina. O curso foi terminado em 1978 em Lisboa e quando acabou “percebi que tinha dado resposta ao meu pai mas na verdade o futuro era meu”, disse o médico, agora reformado, à Gazeta das Caldas. Primeiro foi para Otorrinolaringologia pois procurava algo que de alguma forma se relaciona-se com as Belas Artes e a cirurgia ao ouvido “era algo de espectacular e similar ao que é necessário para se realizar escultura”, acrescentou.
Só que um acidente – causado por uma queda grave – fez com que José Fernando desistisse da área cirúrgica, tendo seguido a especialidade de médico de família. E decidiu ir trabalhar para uma terra onde não conhecia ninguém, tendo escolhido em 1985 as Caldas da Rainha. Começou pelo Centro de Saúde nas antigas instalações situadas na Rua Diário de Notícias, que então ficavam em frente à GNR. O profissional de saúde, casado com a também médica, a anestesista Dália Saramago, veio viver para a aldeia de Vila Verde de Matos (A-dos-Francos).
Um ano depois de ter começado a dar consultas de clínica geral, foi convidado pela então directora do Centro de Saúde, a médica Ilda Lourenço para se dedicar à coordenação da tuberculose no concelho das Caldas.
José Fernando aceitou o desafio, tendo passado a dar consulta nas instalações onde hoje funciona a Saúde Pública. “Nessa altura, 1985-86 apercebi-me que havia pouco ou nenhum planeamento em relação à doença”, disse o médico, acrescentando que era necessário pensar de forma integrada e começar a registar os pacientes. Era preciso também saber qual a melhor medicação, o controlo da cura e a melhor forma de fazer a prevenção. Um ano depois e através da Sociedade Portuguesa de Pneumologia – criou-se uma Comissão da Tuberculose – para estabelecer protocolo de diagnóstico terapêutico em relação à doença. O médico foi pois em 1989 membro fundador da Associação Nacional de Tuberculose e Doenças Respiratórias e ainda hoje se mantém ligado à direcção.
Em relação à doença, o mais importante é o diagnóstico precoce, o início do tratamento e o controlo da toma da medicação. A incubação da tuberculose, até dar sintomas, é de 59 dias. Normalmente faz-se o rastreio de imediato ao doente, à família, amigos e no trabalho pois é preciso evitar, sempre que possível, que a pessoa passe à fase de contágio. Sobre a toma da medicação, há que ser rigoroso pois segundo o médico “basta 15 dias em dose sub-terapêutica para começar a ter multirresistência e a taxa de cura de 90% passa a ter uma taxa de morte de 50%”, referiu José Fernando que se socorria até dos padres das aldeias para garantir que os pacientes tomavam a medicação nas doses e horas certas.
Desde sempre mostrou-se disponível para atender pacientes ou colegas e dá o seu número de telemóvel a todos, mantendo-o ligado 24 horas por dia. E não foram raras as vezes que levou os doentes consigo para Lisboa e Porto e partilhava com colegas questões relacionadas com os casos mais complicados. José Fernando, com as suas equipas, passou revista a escolas, empresas e lares, rastreando as populações sempre que havia alguém doente. “Houve casos em escolas e em fábricas em que estivemos desde as oito da manhã até ser noite e vimos toda a gente”, recordou.
O médico disse ainda que actualmente a incidência da doença em Portugal se situa entre os 15 a 16% por cada 100 mil habitantes. Os grupos de risco são sobretudo os profissionais de saúde, os militares, os presos e os utentes de lares.
É preciso também estar atento a grupos ligados à prostituição e à toxicodependência e como tal “é fundamental que haja ligação com as ONGs que acompanham estes grupos”, disse o profissional de saúde que em 1995 foi também o responsável pela implementação do rastreio da tuberculose no Estabelecimento Prisional das Caldas. Manteve aquele trabalho durante 35 anos e, mais uma vez, por carolice. Primeiro, durante três meses rastreou presos, guardas e elementos da direcção, que era então liderada por Joana Patuleia. Depois rastreava semanalmente os novos presos que então chegavam à cadeia caldense.
Além das Caldas, José Fernando fazia consultas em Peniche, Alcobaça e também em Lisboa. Uma agenda muito preenchida que começava muito cedo e terminava sempre tarde. “Quando terminei tinha 46 mil pessoas no meu ficheiro”, disse o médico que ajudava doentes com mais dificuldades, tendo auxiliado na alimentação de vários, sobretudo os que se deslocavam a pé, de longas distâncias do concelho – como, por exemplo, do Nadadouro – até às instalações do Centro de Diagnóstico Pneumológico, que passaou a funcionar no Coto, desde 2009.

Ajudar pacientes a deixar de fumar

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“Comecei a fumar aos nove anos e foi por causa do grupo”, recordou o médico que foi convidado por uma colega para dar consultas de cessação tabágica no IPO. “Fi-lo por carolice durante três anos”, contou José Fernando, que também deixou de fumar em 1984. O médico aceitou este desafio sobretudo porque as mortes do pai e da sua irmã se deveram a doença oncológica relacionada com o tabaco.
No início das consultas, José Fernando reparou que não estava a ter muito sucesso. “Dava aos fumadores a medicação habitual para a substituição da nicotina e a taxa de sucesso era tão fraca”, afirmou o médico, que passou a ter em conta o facto de ter deixado de fumar devido à sua força interior. E assim mudou toda a consulta, investindo na capacidade do próprio doente. “Nós temos tudo cá dentro, as nossas competências internas que são capazes de nos fazer mudar”, contou José Fernando. Mais tarde foi convidado por Vasco Trancoso para fazer a consulta no hospital das Caldas e depois integrou-a também no Centro de Saúde. O tabagismo continua a ser um grave problemas de saúde pública, dado que contribui para a morte de cerca de cinco milhões de pessoas por ano em todo o mundo, 12 mil dos quais em Portugal.

“Ser médico não é trabalhar”

“Nunca achei que ser médico era trabalho”, disse José Fernando que encarou toda a sua actividade profissional com grande seriedade e alegria. Acrescenta que pelos vários cargos directivos “sempre tentei que um funcionário tentasse ter gozo nas suas funções profissionais”. Até porque para o profissional de saúde são “os funcionários que nos dão as soluções para os problemas…É preciso estar atento e saber ouvir”, disse.
José Fernando ainda acrescentou que nunca gostou de “trabalhar para o monte”. Em tudo o que faz, coloca empenho, trabalho e vai medindo, fazendo avaliações parcelares. “Não esqueço também o que é mais importante, o que vale a pena: a família, a esposa, os filhos, os amigos e o trabalho”, referiu.
Quando lhe telefonaram da Ordem dos Médicos, primeiro “não quis acreditar que ia ser homenageado!”. Mas, por proposta do conselho sub-regional do Oeste, foi-lhe atribuída a 27 de Setembro, a Medalha de Mérito, em reconhecimento das suas qualidades de dedicação, disponibilidade e competência, demonstradas ao longo de toda a sua carreira profissional.
José Fernando sente-se grato pelo reconhecimento mas acha “que é apenas o guardião desse prémio”. E acrescentou que não se sente dono de nada, tal como no caso desta distinção diz que é apenas “guardião de algumas coisas, durante algum tempo”. Na sua opinião, a medalha de mérito da Ordem pertence também “à minha família, amigos, colegas e aos doentes que tive a sorte de os encontrar no meu caminho”.

 

Lutar contra a doença

O profissional de saúde em Peniche, uma das localidades onde também deu consultas

José Fernando já lutou (e venceu) duas vezes contra o cancro – rim e próstata – sofreu uma septicemia e um enfarte do miocárdio, para além da queda grave nos anos 80 que o impediu de seguir cirurgia. Agora sofre de nova maleita: uma distrofia da mácula da idade (DMI) que lhe afecta a visão e lhe prejudica a leitura, a escrita e o impede, por exemplo, de definir um rosto.
O médico toma injecções intraoculares e conta com a ajuda de alguns aparelhos que o auxiliam a melhorar o seu quotidiano, aumentando letras, números e símbolos de modo a visualizar, por exemplo, os preços do que pretende adquirir.
Fora da sua profissão, José Fernando sempre gostou de carros, canetas, relógios e de fotografia. “Agora já não posso conduzir…”, disse o médico que mantém o prazer de coleccionar relógios antigos, sobretudo de bolso que adquire nas Feiras de Velharias e que depois os manda arranjar.

O médico gestor e político

Ainda em 1990 José Fernando foi convidado para ser vereador pelo PSD na Câmara das Caldas, cargo que exerceu durante três anos. É também no início da década de 90 foi também convidado a dirigir o Centro de Saúde das Caldas.
Aceitou o cargo e revela que teve um papel importante na abertura de polos pois percebeu que era necessário chegar mais perto dos doentes e de abrir polos nas localidades como, por exemplo, nos Carreiros. Notava que havia habitantes que se deslocavam a pé ao Centro de Saúde em A-dos-Francos e em casos de úlceras, ao chegar àquelas instalações “tinham os seus problemas de saúde agravados”.
O profissional de saúde voltou aos bancos da universidade para se formar em Administração e Gestão já no decorrer da década de 90.
Era director do Centro de Saúde quando conta que fez um protocolo com a Misericórdia com o objectivo de dar apoio domiciliário que era preciso para fazer chegar os cuidados de saúde às casas de quem já não podia deslocar-se.
Mais tarde, em 1995, foi presidente coordenador da sub-região de Saúde para os hospitais e centros de saúde. “Tratou-se de um cargo político e exerci-o até o partido que me convidou estar no poder. Quando o PS ganhou, eu saí”, disse o médico.
Nas Caldas, o social-democrata teve cargos como secretário na Assembleia Municipal e chegou a presidir a assembleia de freguesia da União de freguesias de N. Sra do Pópulo, Coto e S. Gregório, durante dois mandatos. Das tarefas que mais recorda foi a de ter pedido para se constituir um fundo para pequenos arranjos em casas de famílias carenciadas.
O médico foi também presidente e vice-presidente da assembleia Geral da Caixa de Crédito Agrícola das Caldas, Óbidos e Peniche.

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