“O que me atrai é encontrar soluções inovadoras para resolver problemas existentes no mercado, trazendo valor acrescentado”. É isto que faz correr Isabel Ferreira, 28 anos, caldense. Correr por gosto e sem se cansar, já que reparte a sua vida entre Lisboa e Bóston (USA), onde faz investigação no âmbito de um doutoramento em BioEngenharia.
A jovem está a trabalhar num método inovador de combate à poluição e explica em que consiste, falando também sobre como é fazer investigação num projecto internacional e das principais diferenças que encontra entre o modo de vida americano e o europeu.
“Acho que não é necessário ser investigadora na área da energia para se ser sensível ao meio ambiente”, diz nesta entrevista feita por e.mail. “Ser sensível ao meio ambiente é um acto de respeito para com os outros e para connosco”.
GAZETA DAS CALDAS – Quais os efeitos práticos de retirar o enxofre do crude por via biológica. Combate à poluição?
FILIPA FERREIRA – Sim, o combate à poluição é sem dúvida o motor desta investigação. Hoje em dia existem regulamentos importantes no sentido de reduzir o conteúdo de enxofre no crude para níveis próximos de zero, de modo a diminuir a libertação de gases tóxicos para a atmosfera, e as empresas têm o desafio de o fazer de forma sustentável. Actualmente o enxofre é retirado do crude por via química. A limitação deste método reside no facto de ser extremamente dispendioso, já que obriga a condições de elevadas pressões e temperatura. O meu projecto de doutoramento visa a biodessulfurização, ou seja a dessulfurização via biológica, um processo que usa microrganismos que metabolizam o enxofre do crude, estando enquadrado num projecto que tem como objectivo o design de um reactor técnica e economicamente viável para o fazer a uma escala industrial.
GC – O seu contributo para que esse reactor um dia venha a ser uma realidade é decisivo? Ou terminará o doutoramento com a sensação de que apenas deu uma ajuda e que a materialização da sua investigação ainda tardará muito a ver a luz do dia?
FF – Todos sabemos que a ciência é uma actividade de risco. Risco esse que pode e deve ser calculado em função do retorno do produto final. Como cientistas, inventamos processos, testamos teorias, experimentamos coisas novas e, portanto, obviamente que o factor risco está sempre presente. Umas coisas dão certo, outras não. Mas se os projectos forem bem preparados antes de se começar a experimentar coisas, se forem bem projectados, bem definidos, se tiverem um capital humano associado de valor, o grau de risco é diminuído largamente. É por isso que sei que este projecto vai ter sucesso. Quer seja porque as muitas pessoas envolvidas têm muita qualidade, quer porque os resultados já obtidos são bastante bons. Portanto, neste momento não consigo equacionar a hipótese de não ir ver a luz do dia.
GC – Como surgiu a investigação nessa área? Com quem está a trabalhar?
FF – Eu estou a fazer o meu doutoramento na área da BioEngenharia do programa MIT|Portugal. O meu projecto de investigação (doutoramento) surgiu a convite do professor Daniel Wang que é professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT), e um dos professores mais prestigiados e respeitados do mundo na área da BioEngenharia. O professor na altura falou-me do projecto e da sua equipa e eu fiquei muito interessada porque esta investigação conjuga a área da engenharia com a área da biotecnologia, tendo no final do projecto uma aplicação real. Sendo o meu doutoramento misto, eu tenho a oportunidade de passar metade do tempo no MIT e metade do tempo em Lisboa, no Instituto Superior Técnico onde sou orientada pela professora Raquel Aires-Barros e pela doutora Carla Carvalho.
“No estrangeiro as empresas recorrem mais a parcerias com as faculdades aproveitam o capital humano existente no país”
GC – Quais as principais diferenças que nota entre o trabalho de investigação em Portugal e no estrangeiro?
FF – Eu tenho tido a sorte de fazer investigação em sítios de excelência, tanto no estrangeiro (onde já estive em Inglaterra e nos EUA) como em Portugal. Portanto as diferenças esbatem-se. No entanto, posso afirmar que no estrangeiro as empresas recorrem mais a parcerias com as faculdades, aproveitam da melhor forma o capital humano existente no país. Em Portugal parece haver menos interesse nessa parceria, mas estou optimista que programas como o MIT|Portugal possam ajudar a fazer a ponte entre as empresas e as universidades. Outras diferenças prendem-se com a burocracia que tantas vezes dificulta este entendimento. Mas mais uma vez friso que, na minha opinião, Portugal tem o capital humano muito comparável aos melhores institutos do mundo e que cada vez mais deverá optimizar essa mão-de-obra altamente especializada para atrair investimento estrangeiro para Portugal.
GC – O que pensa fazer após o doutoramento. Gostaria de leccionar?
FF – Leccionar é uma actividade que eu gostaria de fazer já a curto prazo, primeiro porque gosto muito de comunicar e depois porque considero fazer parte da formação de um estudante de doutoramento adquirir conhecimento mas também transmitir conhecimento. Quanto ao futuro, depois de terminar o doutoramento tenho alguns projectos pensados, mas ainda é cedo para falar nisso.
GC – Como é o seu quotidiano na cidade onde vive?
FF – Eu tento repetir o quotidiano tanto lá fora quanto cá dentro. Durante a semana levanto-me bem cedo para ir para o laboratório. No MIT aproveito também para assistir a muitos seminários, ora dados por professores, ora dados por gente da indústria, que são gratuitos, extremamente interessantes e são muito frequentes. É um instituto onde está sempre a acontecer qualquer coisa a toda a hora, é fantástico. Ao fim de semana aproveito para descansar e passear. Como trabalho com células, o que acontece muitas vezes é que também tenho de ir trabalhar ao fim de semana, mas quando se faz o que se gosta também não custa assim tanto.
“Os americanos têm uma capacidade extraordinária de trabalho.”
GC – São os americanos assim tão diferentes dos portugueses e dos europeus?
FF – Essa é uma pergunta interessante e sobretudo difícil. Eu não sou adepta das generalizações. No entanto, na minha opinião, os americanos são uma mistura muito “heterogénea” enquanto os europeus são mais “homogéneos”. Aquilo que noto de diferença é na capacidade de lutar por objectivos, que nos EUA é maior. As pessoas têm mais garra, e trabalham muito. Conheci muita gente com dois, três empregos. Têm uma vontade muito grande em melhorar de vida, e uma capacidade extraordinária de trabalho. Também encaram o Estado de forma diferente, pelo menos daquela que eu acho que os portugueses têm. Em Portugal fala-se muito em Estado como uma entidade independente que nada tem a ver connosco. Na América quando se fala em Estado fala-se nos americanos. Há uma maior identificação do cidadão com quem o governa, isso nota-se muito na gestão de dinheiros públicos. Mas nem tudo é bom pois os europeus têm uma muito melhor protecção social.
GC – Trabalha com pessoas de diversas nacionalidades? Isso é enriquecedor para o seu trabalho?
FF – Sim trabalho. Gosto muito dessa multiculturalidade que a ciência promove e incentiva. É de facto muito enriquecedor, tanto do ponto de vista do trabalho, que é enriquecido pelas diferentes abordagens ao mesmo problema, como e talvez sobretudo do ponto de vista humano. Estar em contacto com diferentes culturas, modos de estar e de ser diferentes, é uma experiência muito gratificante e importante no desenvolvimento de uma pessoa.
GC Voltando ao início da entrevista e ao combate à poluição. Uma investigadora nesta área é, naturalmente, sensível ao meio ambiente. A Filipa é uma ecologista?
FF – Acho que não é necessário ser investigadora na área da energia para se ser sensível ao meio ambiente. Ser sensível ao meio ambiente é um acto de respeito para com os outros e para connosco. Agora eu estou bem longe dos extremos: acredito e defendo um crescimento sustentável sem pôr em risco o tão necessário desenvolvimento económico.
Como investigadora, o que me atrai é encontrar soluções inovadoras para resolver problemas existentes no mercado, trazendo valor acrescentado, e portanto gerando riqueza. Se agora no meu doutoramento estou ligada às energias, no meu mestrado desenvolvi métodos de purificação de anticorpos e portanto estava mais ligado à área farmacêutica. E na ciência, tal como em tantas outras áreas, acho que o importante é isso mesmo, trazer algo de novo e de valor no final do trabalho.
“Do ponto de vista do desenvolvimento local, os cidadãos têm um papel fulcral na qualidade de vida das cidades.”
GC Qual a sua visão sobre as Caldas da Rainha e a região no que diz respeito ao ambiente?
FF- As Caldas é uma cidade de pequena dimensão no nosso país e por isso não está sujeita a tanta poluição como o Porto ou Lisboa. Temos ainda a sorte de ter um bom pulmão que é a mata das Caldas ou mesmo o Parque, e dentro da nossa região sítios com bastante diversidade biológica como o Paul de Tornada, entre muitos outros. Dito isto, claro que há ainda muito a melhorar e infra-estruturas que seria importante criar. Mas também são importantes as atitudes dos cidadãos comuns. Se queremos ajudar o ambiente (e promover a qualidade de vida de todos) podemos começar por coisas muito simples, como por exemplo, desligar as luzes de uma divisão da casa quando já não lá estamos ou não deixar equipamentos em standby desnecessariamente.
Do ponto de vista do desenvolvimento local, os cidadãos têm um papel fulcral na qualidade de vida das cidades. Gestos rotineiros como não deitar beatas e lixo para a rua é uma coisa aparentemente simples, que aprendemos quando somos pequenos e que por qualquer motivo parecemos esquecer quando chegamos a uma idade mais adulta. Ter um papel mais activo dentro da comunidade, alertando a Câmara Municipal do que está bem e do que está mal é outra maneira de viver a nossa cidadania.






























