Ser mulher de um embarcadiço é uma vida complicada, mas hoje menos do que seria há 30, 40 ou 50 anos. Gazeta falou com várias destas mulheres e recorda esta realidade de sacrifício
Como tantas outras mulheres, Isabel Teodoro habituou-se a ver os homens da família partirem para o mar em busca de sustento. “Estamos sempre de coração nas mãos e de olhos postos no mar”, explica. Esta é a forma como resume a vida das mulheres dos chamados “embarcadiços”. O pai, o tio e os dois irmãos viviam do mar, assim como o marido e também o filho, ausentes, por vezes, em longas temporadas.
Fala do “medo de ficar sozinha”, sem explicar se o sentido é físico e referente às noites em que os homens estão embarcados, ou se se trata do sentido de perda, ou mesmo se de uma junção de ambos.
Na década de 1980, recorda, o barco onde o marido seguia enfrentou condições meteorológicas adversas e afundou. “Telefonaram-me da Polícia Marítima de Lisboa ou de Sagres, não me lembro ao certo, a dizer que eles tinham tido um acidente e o barco tinha ido ao fundo, mas que os tinham salvo a todos”, recorda.
É nos dias em que as condições meteorológicas estão menos favoráveis e em que o mar fica mais bravo que o coração aperta mais. Do mar, nunca se sabe o que se traz, mas também nunca se sabe o que lá irá ficar. Dependente do que se traz está bem o rendimento da família, ou seja, quando não se pesca, não entra dinheiro.
Eram as mulheres que ficavam em terra que tinham que criar os filhos
Em terra, esta “é uma vida muito ingrata”. “Porque temos que ser nós a educar. Os homens não podem tomar conta dos filhos porque não estão cá”, nota. Em muitos casos eram também as mulheres quem geria os rendimentos, tomando nas mãos os destinos da casa e da família.
Essa é uma ideia que a nazarena Lídia Constantino também partilha. “Temos de ser pai, ser mãe e ser amigo”, faz notar a neta, filha, irmã e mulher de embarcadiço, caraterizando esta vida como “uma vida muito sozinha e muito triste”.
Ainda assim, ressalva, “atualmente é muito melhor e sente-se uma grande evolução na mentalidade. Lembro-me de, antigamente, a minha mãe andar toda esfarrapada, porque este era um meio pequeno e as pessoas falavam, se ela andasse mais arranjada”. Havia uma “grande hipocrisia”, porque “os homens do mar não são homens de uma mulher só, não são santos, enquanto as mulheres não podiam fazer nada, nem passear ou beber café”, aponta.
Ao longo dos anos tem existido uma evolução na mentalidade que, neste caso, se faz sentir
Antigamente, a mulher do pescador, por norma, não trabalhava por conta de outrém. Ou vendia o peixe ou ficava em casa a tomar conta dos filhos. Hoje em dia, esse é um cenário diferente. Lídia Constantino sempre trabalhou e hoje é funcionária da Câmara da Nazaré.
Ficando em terra a ver o marido partir para o mar, tentou sempre explicar aos filhos que o pai estava fora para o bem deles. “Sou sempre eu a má da fita, porque sou eu que tenho que dizer que não”, faz notar. Por outro lado, quando alguma coisa corre menos bem, são muitas vezes as mulheres que são acusadas de não terem criado bem os filhos.
Nas mudanças positivas nota que atualmente as jornadas no mar são, por norma, mais curtas e há as tecnologias que permitem “diminuir” as distâncias. “O meu pai andou à pesca do bacalhau e só vinha depois de vários meses, viviam sem condições, lavavam-se no barco com água salgada”, compara, enquanto que, nos tempos mais recentes já falava com o marido através da internet.
Elisabete Santos tem 70 anos e ainda é do tempo em que se comunicava com os barcos por telegrama. Aliás, foi assim que pôde enviar a notícia do nascimento do filho mais velho ao marido, Armindo Enxuto, que estava no mar. “O João nasceu a um domingo e o padrinho foi às Caldas, no dia seguinte, enviar um telegrama”, recorda a mulher, que reside no Chão da Parada, e viu o marido partir há 15 anos.
“Depois de tanto tempo de ausência dele no mar, onde ganhava para termos uma vida um pouco mais desafogada em terra, ainda ficámos privados de o ter quando se aposentou”, lamenta a mãe de dois rapazes que não seguiram a tradição familiar. “O meu pai também foi marítimo, mas os meus filhos seguiram outro rumo”, explica o coração de mãe, que talvez fique mais sossegado com os filhos em terra firme. ■































