Para a maioria dos caldenses o Fernando Rocha ficou conhecido na última década quando regressou à sua cidade, depois de reformado como ex-inspector das finanças, para gozar os últimos anos de vida. Desde esse regresso que não pararam as suas posições sobre a política local e nacional e foram conhecidas as suas intervenções na Assembleia Municipal para que foi eleito nos dois últimos mandatos.
Foi com o 25 de Abril e no regresso das ex-colónias que passou a assumir sempre uma postura militante e radical, tendo frequentado algumas forças que se posicionavam na extrema esquerda. Manteve igualmente uma prática sindical constante, onde assumiu várias cargos e protagonizou também diversos diferendos, especialmente em relação ao Cofre da Previdência dos Funcionários das Finanças, de que também foi dirigente.
Fernando Rocha era também um dos mais activos participantes nas manhãs da rádio, nas tribunas dedicadas ao debate das questões do dia. O Rocha tinha sempre uma opinião acutilante e polémica.
Conheci o Fernando Rocha na escola Industrial e Comercial nos anos 60 como colega, sendo uma figura marcante daqueles tempos, já pela sua popularidade entre os colegas e espírito solidário. Quando o reencontrei nas Caldas, no seu regresso, achei que mantinha toda a sua genuinidade e pensei que iria pôr a sua criatividade e combatividade ao serviço dos ideais que ele achava mais justos.
Pecava, mesma para os amigos, pela sua exuberância e pela sua impulsividade, mas tinha sempre um fundo bom e de cidadão interessado, mesmo demasiado interessado, pelo que achava bom para a sociedade. Neste sentido criou um espaço de intervenção cultural na Rua de Camões onde viria a sucumbir e que dedicou a Abril.
Na noite em que morreu, vítima de doença súbita, apesar de se queixar das maleitas que o minavam, esteve até tarde a escrever na internet. No seu blog – Mistura Grossa – encontram-se textos sobre o país e a política que o atormentavam.
Um deles, colocado poucas horas ou minutos antes de morrer, era dedicado a um símbolo da luta contra o nazismo. Intitulava-se: “História ficcionada de uma crónica, em Cabanas de Viriato, de José Hermano Saraiva, sobre Aristides de Sousa Mendes”. Noutro colocado na mesma, de domingo para segunda, historiava um pouco da sua vida num conto imaginário (que publicamos nesta página).
Num email enviado para uma amiga às 2 horas e 5 minutos dessa madrugada fatal, perorava sobre a situação do país e acusava a actual maioria de várias males que lhe roíam as entranhas. Esse texto, que ele assinava “cansado e com sono, pelo adiantado da hora” e desejava “boa noite… bons sonhos e sem pesadelos”, terminava enigmaticamente com a palavra “morreu”.
Que coincidencia macabra. Afinal foi o Fernando Rocha que morreu, tal como o cavalo do espanhol que ele glosava na história que quando “estava já acostumado ao jejum de palha, aveia e cevada, infelizmente morreu”.
Nunca mais teremos os textos das reflexões enigmáticas e insondáveis do Fernando, nem as suas observações e mesmo as críticas veladas. Viveu intensamente até ao fim e acabou só e entregue às suas infinitas certezas.
Pêsames à sua família.
JLAS
Executivo camarário manifesta voto de pesar
O executivo camarário deliberou por unanimidade, na reunião de Câmara da passada segunda-feira, 23 de Fevereiro, um voto de pesar pelo falecimento de Fernando Rocha.
Tinta Ferreira falou à Gazeta das Caldas da “relação construtiva” que este dirigente bloquista sempre teve com o presidente da Câmara no sentido de “alertar para questões que achava que deviam ser resolvidas e colaborar na sua resolução”.
Ainda que de ideologias bastante diferentes, “não vou negar que tínhamos um entendimento pessoal positivo, que se estreitou desde que sou presidente de Câmara”, acrescentou.
Coragem e dedicação
Também o BE expressa, em comunicado, o seu pesar pela morte de Fernando Rocha e endereça os pêsames aos seus familiares e amigos.
“No momento em que perdemos um Camarada, agradecemos publicamente todo o empenho e trabalho realizado pelo Fernando Rocha. Sindicalista dos trabalhadores dos impostos, membro da Comissão Coordenadora Distrital de Leiria do BE, ex-deputado municipal, escritor e activista associativo e cultural incansável, Fernando Rocha deixa-nos um legado de iniciativa cidadã para melhorar a cidade que amava e de compromisso em prol da justiça social”, diz o comunicado.
O BE refere ainda a “maneira eloquente como se expressava, a sua coragem e desassombro, a sua dedicação”.
Luto por um lutador
Os vereadores do Partido Socialista também tornaram público “a sua profunda consternação pelas notícias do falecimento do nosso amigo Fernando Rocha, cidadão devotado às Caldas da Rainha, activista estrénuo, enérgico, original e prolífico da liberdade e dos direitos de todos quantos mais precisam e por isso mesmo digno do nosso mais sincero pesar”
F.F. / C.C.
Escrita para um conto
Contar um conto é um desafio. Várias vezes o fiz, contando, geralmente, histórias de memórias. Todavia, passo tempos que o não faço; mas vários amigos me recomendam fazê-lo; por isso, experimentando a sorte e treinando esta habilidade vou tentar passar a ser mais regular nesta prática.
Serões de família
Cedo aprendi a gostar da noite e do serão lá em casa de meus pais ou de minha avó. Hoje vou contar o fascínio que eu tinha, nos serões, em casa de minha avó paterna, que vivia, também nas Caldas da Rainha, onde também residiam meus pais, na infância, princípios da juventude.
Minha avó era professora primária, aposentada, quando a conheci, em menino.
Nos tempos em que não havia televisão e a rádio era ainda um encanto e uma misteriosa maravilha, eu era menino e teria paraa aí uns quatro anos, quando ocorreu um notável acontecimento. Minha avó, como disse professora primária aposentada e que tinha ficado bastante inválida com uma trombose, arrastando-se, sempre, com a ajuda de uma bengala, comprara, primeiro que meus pais, uma telefonia e que constituiu um grande acontecimento familiar, por volta de 1950, presumo (mas não falhando muito). Eu era na altura um petiz de três ou quatro anos. Mais ou menos todas as noites ou muitas delas, meu pai e minha mãe, que viviam, comigo, na Rua António Lopes Júnior, numa casa de varanda, solarenga, muito ao agrado de meu pai, o Sargento Hermano, de onde se via o chamado Burlão, ou seja um Largo naquele tempo de terra, onde a pouco e pouco, se instalaram todos os Poderes deste mundo. O primeiro foi o Divino, com uma Igreja nova, que substituiu a velha Igreja do Pópulo, uma pérola manuelina caldense, dos tempos da rainha fundadora, presumo. O dinamismo do Padre Teodoro fez o “milagre” de dotar a cidade com uma Igreja nova e desafogada. Depois veio o Tribunal e por fim os Paços do Concelho, deixando o histórico edifício da Praça da República (ou da fruta, como popularmente era e ainda é conhecida). Portanto durante o dia eu estava lá por casa fazendo traquinices e brincando na rua, com a outra petizada; mas à noite, durante umas duas horas ia para a rua do Cais, que agora já se não chama assim, mas que deve esse seu antigo nome a ser paralela ao cais da velha estação da CP, onde minha avó tinha a casa, num primeiro andar.
Com os ouvidos, bem atentos, ouviam-se as músicas das meninas, vozes da rádio, daquele tempo, os cantores, mais em voga e, encanto de todos, de vez em quando, os relatos do hokey em patins, onde as hostes Lusas, venciam mais do que perdiam, com os grandes jogadores da época, onde pontificava o Adrião, goleador. Ent5ão quando o jogo era contra a Espanha, a equipa que rivalizava com a selecção nacional, a emoção apossava-se de todos, porque, geralmente, a conquista do campeonato do mundo resolvia-se nessa partida. Portugal ganhava muitas vezes. Lembro-me, particularmente, dos campeonatos, na Suíça, na cidade de Montreux.
Quando havia jogos de hokey, por vezes aparecia, por lá, para ouvir as partidas, o sr Adrião, que era carteiro dos CTT, que tinha um rapaz da minha idade, se bem me lembro e que era um homem brincalhão. Enquanto o jogo não começava e as vozes dos locutores ou dos cantores semeavam harmonias, pela sala de jantar de minha avó, com o gato, por perto dela, de que de vez em quando, eu, levava uma arranhadela, por maus tratos, infligidos ao bichano, como por exemplo, puxar-lhe pelo rabo, o sr Adrião metia-se comigo e com o filho.
Lembro-me particularmente, logo no início daqueles serões, radiofónicos, de o carteiro me tentar convencer de que as vozes eram pessoas, pequeninas, que se alojavam dentro da caixa do aparelho de rádio, no que de princípio acreditei, mais ou menos, porque, de facto, era para mim um mistério, aquelas vozes iguais às nossas, cujo som vinha da telefonia. Imaginava, então, no meu cérebro de petiz, umas figurinhas, que nos interpelavam, de dentro para fora do rádio.
Só depois, observando, dias seguintes, a mesma história, debitada pelo carteiro, de profissão, mas um maroto e os risinhos dele e de meus pais e avó, comecei a desconfiar, de que a história era uma peta. Mas o mistério de como tudo aquilo ocorria, de pessoas a falar por dentro da telefonia, para os radiouvintes persistia.
Por vezes havia o teatro radiofónico ou os folhetins, mais próprios, para uso nas ondas artesianas e fazia-se, por ordem de minha avó, um silêncio absoluto, que meu pai rompia, acendendo um cigarro Paris, ainda sem filtro. A minha avó irrita-se muito com os cigarros de meu pai, que sorria e ia para junto da janela expelir baforadas. Eu aproveitava para fazer festas ao gato. Era um gato maltez, que depois foi para uma casa com um grande quintal, a Quinta do Padre, de primeiro andar, morando eu e meus pais no rés do chão e minha avó por cima, comunicando as casas por uma escada interior, mas que dava para a rua. Por essa altura já meu pai e minha mãe, haviam comprado, na loja de meu Tio e Padrinho Ernesto, na Calçada da Ajuda, lisboeta, um rádio, ainda maior do que o de minha avó e a coisa, a novidade da telefonia foi-se perdendo e vulgarizando o seu uso e abuso.
Fernando Rocha






























