Com 90 anos, e depois de uma queda inesperada na sua residência, faleceu na madrugada da passada terça-feira, Maria de Jesus Barroso Soares, a ex-primeira dama, esposa do antigo primeiro ministro e Presidente da República, Mário Soares.
A sua ligação às Caldas, por intermédio da família Maldonado Freitas e da localização das instalações de férias de Verão do Colégio Moderno na Foz do Arelho, remonta aos anos 50 e 60, como comprova o testemunho de António Maldonado Freitas que inserimos nesta edição.
Mas depois do 25 de Abril, com a consolidação da democracia e paralelamente aos altos cargos desempenhados pelo seu marido, Maria Barroso viria por diversas vezes às Caldas da Rainha, quer por razões particulares, quer oficiais.
Recorde-se que em Janeiro de 1985, ou seja, há pouco mais de 30 anos, quando o seu marido desempenhava as funções de primeiro-ministro, esteve em sua representação nas Caldas, juntamente com o cardeal patriarca de Lisboa, para inaugurar as instalações de apoio à 1ª e 3ª Idade da Santa Casa da Misericórdia, tendo depois visitado o Hospital Termal e inaugurado o conjunto escultórico realizado pelo escultor José Aurélio comemorativos dos 500 anos das termas caldenses.
No mesmo dia, Maria Barroso inauguraria ainda o Atelier Museu António Duarte, na presença do escultor caldense, no mesmo dia em que seria descerrado o medalhão comemorativo do centenário do nascimento do escritor caldense Raul Proença, junto à casa onde nasceu no Largo João de Deus.
Viria a passar depois mais vezes pelas Caldas. Em Julho de 2008 esteve no Museu de Cerâmica em que declamou poemas de David Mourão-Ferreira, Sebastião da Gama, Manuel Alegre, entre muitos outros, numa selecção onde não faltaram os versos do próprio marido, Mário Soares, retirados de um pequeno livro – “Os poemas da minha vida, por Maria Barroso”, editado anos antes pelo jornal Público.
Nesse dia recordou algumas “memórias formidáveis” desta região. “Era aqui que nós passávamos as férias de Verão com os alunos internos do Colégio Moderno e foi aqui que o meu filho começou a dar os primeiros passos, já lá vão mais de 50 anos”, recordou.
Viria ainda a passar pelas Caldas como Presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, para além, como dissemos, das visitas privadas e semi-oficiais. JLAS

TESTEMUNHO
Mulher de corpo inteiro
O início da proximidade afectiva da minha família com a família Soares reporta-se aos primórdios do século passado, com as lutas pela instauração e defesa do regime republicano, aproximando o meu avô Custódio dessa incontornável figura de grande cidadão e pedagogo que foi o professor João Soares, e, contribuindo para o estabelecimento de uma forte e recíproca relação de amizade, ao longo de várias gerações.
Maria de Jesus Barroso e a minha mãe, Alice Carvalho, nasceram no ano de 1925 e foram colegas na faculdade de Letras de Lisboa no curso de Filologia Românica. Também o facto de ela e Mário Soares se terem casado exactamente no mesmo ano em que os meus pais o fizeram (1949) estreitou laços de convivência entre os casais, reforçados naturalmente pela sua persistente e comum actividade política de oposição ao regime instalado.
Ligam-me à Dra. Maria Barroso memórias de vivências circunstanciais, fruídas em fases distintas da vida, para não dizer ao longo de toda a vida.
Na minha infância: os tranquilos e divertidos dias de praia, na Foz do Arelho. Mais tarde, na adolescência e juventude: a consciencialização da necessidade de mudança de paradigma político-ideológico no nosso país e a partilha de momentos importantes na resistência ao Estado Novo, numa perspectiva de luta pela conquista da liberdade de expressão do pensamento e pela instauração da democracia, como contraponto à emigração massiva, à censura, à repressão, às prisões políticas do Aljube, de Caxias e de Peniche, aos assassinatos, pela Pide, do escultor José Dias Coelho e do general Humberto Delgado e à guerra colonial.
As regulares visitas à casa da família Soares, na rua de Malpique, os seus forçados exílios em São Tomé e Príncipe e em Paris, os congressos da oposição democrática em Aveiro, a morte de Salazar e a cinzenta “primavera marcelista”, com as célebres “conversas em família” e as farsas eleitorais de 1969 e 1973.
Depois… O 25 de Abril!
A emocionante libertação dos prisioneiros políticos, a inesquecível chegada de Soares a Santa Apolónia e todo um percurso marcado pela defesa e instauração de valores e convicções assentes no ideal democrático de construção de um novo país, libertado, encerrando, contudo, aspectos de marcante ambiguidade política, decorrentes do clima revolucionário instalado.
Mulher de corpo inteiro, Maria de Jesus Barroso Soares foi uma insigne cidadã, que fez da verticalidade cívica, da coerência intelectual, da coragem e perseverança na defesa de valores e causas de grande nobreza, como: a liberdade, a democracia, o humanismo e a solidariedade social, mas, também a arte dramática, a poesia, a pedagogia e a cultura, o seu desígnio existencial.
Guardarei como traços mais marcantes da sua marcante personalidade: a firme serenidade da sua presença, a sua fulgência intelectual e o elegante equilíbrio da sua eficaz e irrepreensível capacidade de expressão verbal.
Curvo-me ante a sua memória, expressando a toda a família o mais profundo pesar num abraço de sentidas condolências.
António Maldonado Freitas






























