Armindo Reis (1926-2012) dedicou sete décadas da sua vida à cerâmica e à olaria tradicional
Faleceu na passada quarta-feira 11 de Janeiro, Armindo Reis, vítima de ataque cardíaco. Este ceramista, oleiro e rodista, participou numa das edições do Céu de Vidro que se realizou no dia da Cidade, 15 de Maio de 2011. Foi a última vez que Gazeta das Caldas conversou com este autor, considerado por muitos como o último oleiro da vertente da louça tradicional das Caldas.
Questionado se já tinha vendido muitas peças, Armindo Reis não soube responder. “Não sei…é o meu sobrinho Mário que agora é o tesoureiro”, dizia divertido à Gazeta das Caldas, naquela que seria a sua última entrevista a este semanário.
Completaria 86 anos no mês de Julho, mas já não se sentia bem para trabalhar depois de quase sete décadas de dedicação à cerâmica. “Já não tenho saúde. Já me falha o equilíbrio e é com dificuldade que desabotoou um botão…”, contava. E por isso passou a pasta ao sobrinho, o também ceramista Mário Reis, que é quem lhe organizava tudo e que contava à Gazeta que o tio era o autor que mais tinha vendido naquela iniciativa.
Já em conversa, Armindo Reis revia um pouco do seu percurso para se recordar que o seu mestre tinha sido o seu pai João dos Reis e o primeiro patrão, Germano Luís da Silva, que era também o dono do Hotel da Copa. “Foi na sua oficina que completei 10 anos”, contou. Lembra-se que nestas pequenas oficinas os fornos eram a lenha e que havia uma enorme fumaceira e “nós, para evitar reclamações, cozíamos de noite e desse modo não incomodávamos tanto”.
O Oleiro no Céu de Vidro no 15 de Maio do ano passado
Ainda era funcionário de Germano quando foi “emprestado” à Secla por causa de uma grande encomenda de louça das Caldas em miniatura, arte em que Armindo Reis era exímio. Mas o ambiente fabril não lhe agradou muito. Depois ainda trabalhou para o “Estragado”, tendo em simultâneo começado a trabalhar numa oficina próxima da sua casa, no Nadadouro.
Mais tarde, tal como o seu irmão João Reis, Armindo também deu formação no Cencal. Ao longo da sua vida teve sempre uma banca na Praça da Fruta, hábito que manteve praticamente até ao fim. “Hoje fui lá vender de manhã”, contava. “Só que agora se fizer 40 ou 50 euros já é muito bom” pois na maioria das vezes “já não chega para as despesas”. E o que se vende mais? “As peças mais pequenas e as que são da malandrice”, revelou.
E as que mais gosta da fazer? “As mais difíceis”, disse como os moringues ou as bilhas do segredo.
Armindo Reis atingiu grande perfeccionismo na execução das peças de olaria e lembra que “numa hora chegava a fazer 100 tigelas”. Também chegou a dar conta de encomendas de milhares de peças que lhe pediam, por exemplo, do Algarve.
Ultimamente o oleiro já não tinha vontade de ensinar, de passar o seu conhecimento e disse que já não tinha forças nem para organizar uma exposição com a sua produção. TESTEMUNHOS “Fecha-se um ciclo na história da cerâmica das Caldas”
Com o falecimento do meu tio fecha-se um ciclo na história da cerâmica da nossa cidade que ficará irremediavelmente mais pobre. Para a família e para quem teve o privilégio de o conhecer e de lidar com ele ficará a saudade de uma pessoa encantadora. Alguém de uma enorme simplicidade sem qualquer tipo de vaidade, que nunca se preocupou em se promover. Isso via-se até nos preços que colocava nas suas peças ou no facto de não se preocupar em que o seu espaço de trabalho tivesse qualquer tipo de placa de indicação. Foi no entanto um oleiro ímpar. A característica que melhor definia o seu trabalho era a perfeição com que realizava as peças de olaria. Foi um oleiro exímio. Juntamente com o seu irmão João ensinaram dezenas de alunos de todo o país, alguns são hoje ceramistas de renome.
Tenho pena que ele não tivesse sido mais valorizado, uma vez que era um património vivo da nossa cidade, por quem tem responsabilidades em promover esta localidade. Ele foi sem dúvida um dos que muito contribuiu para a historia da nossa cerâmica. Tem havido grande inabilidade em promover para fora das fronteiras da nossa cidade o que ela tem de bom, algo cada vez mais imprescindível nos dias que correm. Caldas da Rainha é hoje uma cidade fechada em si mesma.
Meu tio Armindo foi convidado especial juntamente com Herculano Elias e Fernando Miguel a participar no evento “ Cerâmica no Céu de Vidro” em Maio do ano passado. Seria o último evento de Cerâmica em que participaria.
Aprendi muito com ele. Estará sempre no meu pensamento e de certa forma também no meu trabalho.
Mário Reis
Ceramista e sobrinho de Armindo Reis
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“Um mestre da olaria”
“Armindo Reis nasceu nas Caldas da Rainha em 1926 e era filho de João Reis (Sono). Aos 10 anos iniciou a sua actividade de oleiro, primeiro com o pai e como cerâmico de faiança artística na Fábrica do Germano Luís da Silva, onde permaneceu cerca de 20 anos.
Teve como mestre de miniaturas das formas da olaria caldense, Francisco Leopoldino Matias (O Estragado) e estabeleceu-se por conta própria em 1953 nesta olaria. Teve depois de se mudar para um espaço em frente onde permaneceu algum tempo em 1992 instalou-se definitivamente na sua oficina no cruzamento para o Nadadouro onde produziu olaria e faiança artística.
Foi exímio nas miniaturas das formas tradicionais da olaria caldense.
Formador no Cencal (1986-1994) onde transmitiu a muitos formandos que teve enquanto mestre de olaria, os seus conhecimentos.
Trata-se da última figura da dinastia dos oleiros caldenses, com grande expressão na maneira de trabalhar o barro, cujo saber deveria ter sido aproveitado, de forma a poder passar a outras gerações o seu extraordinário conhecimento de olaria.
Armindo Reis é o último oleiro da família Reis que deram vida a esta arte com cinco gerações.
Foi em vida um homem simples sem apelar a honrarias, todavia a Câmara Municipal ainda o distinguiu com uma medalha de bronze mas ele merecia muito mais. Deviam-lhe ter criado um espaço de formação da olaria . Caldas da Rainha ficou mais pobre com a perda deste património vivo.
Herculano Elias
Ceramista e miniaturista
“Um homem que dedicou toda a sua vida à cerâmica”
“Armindo Reis foi um dos últimos grandes oleiros das Caldas da Rainha, descendente de uma família que sempre se dedicou a esta área e que foi inovador quer nas formas quer nos vidrados que utilizava.
Destacava-se igualmente pela forma simples com que sempre esteve quer na produção quer na comercialização das suas peças, autênticas maravilhas que lhe saiam das suas mãos.
A forma como trabalhava parecia quase que lhe era natural, quando na verdade se tratava de um produto de grande qualidade e de muito difícil execução.
A sua disponibilidade e afabilidade no trato com todos era uma das suas características humanas e, além do ceramista, Armindo Reis era um homem que deixa muita saudade pois era um homem bom que vivia para a cerâmica e para a família.
Par Armindo Reis os valores materiais não eram importantes, pois era um homem que punha em primeiro lugar a cerâmica e as peças que produzia, oficio que aprendeu com o seu pai.
Caldas da Rainha perde muito com a morte de Armindo Reis que dedicou toda a sua vida à cerâmica.
A cidade considera-o como um dos grandes nomes da olaria tradicional caldense”.
Maria da Conceição Pereira
Vereadora da Cultura da Câmara das Caldas
“Como ele, já não há mais nenhum”
“O Armindo Reis, assim como o seu irmão João Reis, eram amigos do meu avô, Pedro Artur Caldeira, que também tinha banca de venda de louça na praça. Lembro-me bem daquela azáfama das bancas quando era miúdo e os acompanhava.
Já enquanto ceramista adquiri-lhe muitas peças de formas tradicionais que depois adornava ao nosso estilo aqui no Atelier S. Miguel.
Armindo Reis é o último dessa geração, isto é, que trabalhava de forma tradicional, à roda. Costumava ir algumas vezes à sua oficina de trabalho no Nadadouro e trocávamos saberes em tertúlias, com ele a executar peças em barro num convívio amigo e de partilha.
Era exímio nas peças à roda e creio que com ele terminará a linha exclusivamente utilitárias, com os vidrados das Caldas. Como ele já não há mais nenhum”.
Fernando Miguel
Atelier S. Miguel – Formigal
“Aprendi com ele olaria de roda no Cencal”
O Sr. Armindo transmitia sabiamente os seus conhecimentos e era uma presença indispensável para os alunos que por ele tinham um grande carinho. Era conciliador e tinha um sentido de humor muito inteligente.
Lembro-me como salvava rapidamente as peças dos formandos que começavam a descentrar na cabeça da roda e ameaçavam cair depois de muito trabalho a amassar o barro e a fazê-las subir. Bastava as mãos do Sr. Armindo tocarem no barro.
Era um fascínio vê-lo trabalhar, um dia contou-me que tinha feito na roda um serviço de café em miniatura e o tinha oferecido dentro de uma caixa de fósforos.
Por achar o Sr. Armindo uma pessoa incontornável da história da cerâmica caldense e por saber do grande prazer que tinha em ensinar, inseri-o por dois momentos em eventos que organizei no âmbito do meu curso em Animação Cultural na ESAD o “Onde está a Olaria?” que decorreu no GAT em 2004 com exposição, demonstrações de olaria, diálogos com os oleiros das Caldas e ciclo de conferências, e no “Superfícies” em 2006.
Sinto-me uma privilegiada por ter aprendido olaria com o Sr. Armindo e de ter ficado sua amiga até ao fim dos seus dias. Tínhamos tido uma conversa fazia pouco tempo, uma conversa onde trocamos um abraço e palavras de grande admiração e amizade mas, não sabia que seria também de despedida…
Elsa Rebelo
Directora artística da Bordallo Pinheiro