Morreram Casanova Ferreira e Rocha Neves, dois militares ligados ao 16 de Março

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Gazeta das Caldas

1Por uma coincidência do destino, morreram com um intervalo de três dias, dois militares que participaram no 16 de Março de 1974, o golpe falhado das Caldas da Rainha que seria precursor do 25 de Abril. Tratam-se dos coronéis Rocha Neves e Casanova Ferreira.

O coronel Rocha Neves faleceu a 22 de Agosto, no Hospital das Caldas da Rainha, na sequência de um AVC fulminante. Este oficial com origem nos Açores, residia nas Caldas da Rainha desde os anos 70, onde constituíra família. Em 1974 integrava o grupo dos oficiais subalternos (tenentes e capitães) do RI5 que estiveram no golpe das Caldas. O seu corpo foi sepultado no cemitério de Óbidos no domingo.
No ano passado, num colóquio organizado pelo PS local para o qual foi convidado a dar o seu testemunho, lembrava que foram razões de natureza política, relacionadas com o cansaço de 13 anos de guerra colonial e a inexistência de uma solução para ela, que levaram os militares a revoltar-se.
Descontentes com a situação, os militares começaram a reunir clandestinamente. A 9 de Setembro de 1973 juntaram-se em Alcáçovas 136 capitães e oficiais subalternos numa primeira grande reunião a nível nacional, seguindo-se uma segunda em S. Pedro do Estoril, a 24 de Novembro de 1973, com a presença de cerca de 45 oficiais. De destacar que neste segundo encontro estiveram já oficiais superiores, entre eles o tenente-coronel Luís Banazol que a dada altura terá dito: “isto não vai lá com papéis, o que é preciso é uma revolução e tem que se fazer imediatamente”.
Em Óbidos decorreu a terceira reunião em Dezembro e uma das principais na preparação do golpe militar do 25 de Abril, organizada por oficiais do RI5 das Caldas da Rainha. Numa altura em que o “Movimento de Capitães vivia o problema da sua afirmação”, com este encontro onde estiveram presentes 180 oficiais, o movimento “consolidou-se e evoluiu de forma acentuada”, explicou Rocha Neves.
Na reunião de 5 de Março de 1974, em Cascais, foi aprovado o pré-programa do movimento das Forças Armadas e é decidido fazer o golpe militar. Este encontro contou com a presença de cerca de 180 oficiais, representando mais de 400, dos dois grupos – oficiais oriundos de milicianos e de cadetes.
De forma efusiva, Rocha Neves partilhou com a assistência como se desenvolveram os acontecimentos no quartel das Caldas em 16 de Março, altura em que partiram rumo a Lisboa para ocupar o aeroporto. Orgulhoso de ter participado no golpe das Caldas, o militar, contou ainda alguns episódios mais caricatos que se passaram naquele dia, como o caso do taxista que queria furar a coluna para chegar a horas ao aeroporto, ou do funcionário da Câmara que foi, de bicicleta, ao quartel fechar a água e não se apercebeu que a unidade estava sublevada.
Presença assídua nos eventos sobre o 16 de Março, Rocha Neves disse na altura estar “preocupado” com o estado a que o país chegou, mas continuava a acreditar que é possível melhorar. “O maior recurso que um país pode ter são as pessoas”, disse, incentivando os jovens a continuar a lutar pela democracia.

Casanova Ferreira morreu, aos 84 anos, no dia 20 de Agosto no Hospital Militar do Lumiar depois de 15 dias de internamento. O militar era major em 1974 e foi ele que, com o então major Monge, foi ao encontro da coluna das Caldas da Rainha, às portas de Lisboa, convencendo-a a voltar para trás porque o regime estava de sobreaviso e tinha posto tropas fiéis à sua espera.
Apesar de não pertencer ao RI5 (a unidade militar caldense), Casanova Ferreira e Manuel Monge acompanharam a coluna de volta às Caldas e permaneceram no quartel durante o cerco. Os seus camaradas ainda os tentaram convencer a não ficar, uma vez que ninguém desconfiaria deles por estarem à civil e não pertencerem ao RI5, mas ambos quiseram ficar até à rendição, tendo sido presos na Trafaria juntamente com outros destacados oficiais envolvidos no golpe.
Na noite de 15 para 16 de Março, Casanova Ferreira estivera reunido com Otelo Saraiva de Carvalho, Manuel Monge e Armando Ramos, tendo-se decidido desencadear aí a revolta. Cada um foi para quartéis diferentes tentar sublevar as tropas, mas só Caldas da Rainha, contactada por Armando Ramos, saiu.
Casanova Ferreira e Manuel Monge foram então parar a coluna do RI5.
Em declarações à Gazeta das Caldas, em 19/03/1993, Casanova Ferreira considerava que nesse dia não valia a penar ter resistido. “Eu tinha a certeza que estava arrumado. Não me interessava granel. Quem é que eu punha no governo? Não tínhamos generais, não tinha ministros, quem é que eu ía lá pôr? Não é fácil derrubar um governo, quanto mais não seja porque é preciso pôr lá outro…”.
O militar dizia então que lhe bastavam duas unidades para desencadear a revolução, “mas nem Lamego, nem Mafra, nem Santarém… O que é que um gajo fazia só com as Caldas? Aquilo ainda acabava mal. Eu não ia estragar a Nação”.
De direita e profundamente anti-comunista, Casanova Ferreira era, no entanto, um dos elementos mais radicais do MFA. Otelo conta no seu livro Alvorada em Abril que Casanova Ferreira queria mandar uma bomba de 250 quilos sobre a Assembleia Nacional (hoje Assembleia da República) para fazer cair o governo e fazer a revolução.
Depois do 25 de Abril defendeu que a Pide não deveria ter sido desmantelada, mas posta ao serviço do novo regime. Envolvido nos acontecimentos do 11 de Março de 1975, seria preso e libertado mais tarde, precisamente uma semana antes do 25 de Novembro.
Sobre o 16 de Março de 1974, dizia à Gazeta, em jeito de conclusão: “Ah, aquilo foi muito mal feitinho. Aquilo foi feito de uma forma muito ordinária por quatro gajos. Falhei. Falhei porque nem consegui que o governo nos pusesse num avião, nos mandasse para Timor e nos julgasse à revelia”.

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