Militares contam como foi participar no 25 de Abril

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Luís Serrenho no veículo Berliet que o transportou até Almada

Amílcar Coelho e Luís Serrenho fizeram parte das fileiras que tomaram Lisboa e derrubaram o Governo, em 1974. O alcobacense integrou o esquadrão de Salgueiro Maia, o caldense esteve no Cristo Rei

Amílcar Coelho foi um dos rapazes dos tanques, liderado por Salgueiro Maia. Era um cadete, de 21 anos, quando integrou o esquadrão de cavalaria que tomou a capital e que segundo o alcobacense, tratava-se de um contingente “experiente, pois tinha elementos que tinham feito guerra em África”. Havia, também, muitos jovens integrados na coluna e que foram liderados “por um homem que ainda não tinha 30 anos”. Este movimento, com gente tão jovem, dificilmente vingaria hoje em dia, considera o antigo professor, que, à Gazeta das Caldas, recordou que a operação militar foi preparada nas semanas antes do 25 de abril, na Escola Prática de Santarém, em sessões de formação.

“Percebemos, claramente, que estava algo em marcha e foi Salgueiro Maia quem nos preparou”, acrescentou o, então, militar, que sublinhou que a adesão a este movimento foi um ato inteiramente livre. “Tivémos de nos voluntariar, depois de nos terem explicado o que iríamos fazer e os perigos que poderíamos enfrentar”, contou.
E antes da saída do quartel, Salgueiro Maia mandou que os soldados levassem capacetes e não apenas para proteção. “Ponham os capacetes nas cabeças desses garotos para parecerem velhos!!”, ordenou o militar, que esteve no centro da operação militar.
Amílcar Coelho recordou que a coluna partiu para Lisboa com o objetivo de  tirar Portugal daquela falta de horizonte, contou o então cadete, recordando ainda que as armas que levaram “eram velhas e estavam danificadas”, algo que na sua opinião “tranquilizava o próprio regime”.E exemplificou: “a minha G3, após um tiro num momento mais crítico que passámos no Largo do Carmo, encravou!”. Se Amílcar Coelho estivesse em perigo de vida… teria sido um problema.
Também se registaram vários problemas com os tanques, “que estavam em péssimas condições de manutenção”. E nem a farda era adequada, pois o soldado teve frio pois até chegou a chuviscar. E, claro, “ninguém tinha coletes à prova de bala”, recordou.
O doutorado em Filosofia conta que, à chegada a Lisboa, todos os envolvidos estavam tensos, mas sempre reconheceram “em Salgueiro Maia a necessária liderança” para enfrentar a situação.

Amílcar Coelho, o soldado que posteriormente se doutorou em Filosofia
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A primeira parte da operação militar, lembrou, “decorreu com sucesso na zona dos Ministérios” na Baixa. “Depois, fomos nós que cercámos o Carmo e que prendemos Marcelo Caetano”, lembrou Amílcar Coelho.  O Carmo, acrescentou, “não se queria render enquanto não chegasse o general Spínola, já que Marcelo Caetano não queria entregar o poder a um capitão”, recordou o militar, que ainda chegou a disparar para as paredes daquele largo, num momento mais tenso.
À chegada ao Largo, “o povo está na rua e é uma festa, numa celebração assombrosa da liberdade”, afirmou o filósofo, que foi presidente da Assembleia Municipal de Alcobaça e vereador na Câmara.
Estavam também na zona muitas vendedoras de flores. “Tínhamos fome, pedíamos sandes… mas elas deram-nos o que tinham e que eram cravos e, nós, além de os agitar também colocámos nas armas…”, lembrou o cadete, que ainda teve como missão defender as instalações da RTP.
“Foi uma experiência radical para toda uma geração”, concluiu o alcobacense que voltou a reforçar que “era gente muito nova” que avançou sobre Lisboa.
Doutorado em Filosofia e autor de vários livros, Amílcar Coelho diz que ficou marcado pelo sucedido. “Foi uma força que me inscreve como cidadão português. Não me imagino no século XXI sem este acontecimento!” resumiu Amílcar Coelho que se considera  um ator anónimo de Abril, um dos Rapazes dos Tanques.

“Uma felicidade indescritível!”
O caldense Luís Serrenho estava no Quartel de Vendas Novas e também participou no golpe militar que derrubou o fascismo. No início de 1974, conta, viva-se um enorme descontentamento não só por causa da Guerra Colonial como pelo facto de terem sido presos vários camaradas  em resultado do 16 de março, a Intentona falhada, que partiu das Caldas.

Luís Serrenho foi empresário e continua ligado a causas cívicas e solidárias

“Entre o 16 de março e o 25 de abril ficámos à espera de qual seria o dia para agir. Começámos a preparar as coisas…”, revelou o caldense, que se voluntariou para a ação.
E quando lhes foi dito que o dia chegara, os militares que se voluntariaram já tinham agrupado as Berliets e preparado as bocas de fogo que foram levadas para a capital. Por volta das 22h00 de dia 24 de abril, tinha “tudo organizado na parada: as guarnições que compõem cada secção e os oficiais do movimento foram à sala prender o primeiro e o segundo comandante”. Saíram por volta da meia-noite, após ter ouvido o “Grândola Vila Morena” que era, como se sabe, a senha de partida. Luís Serrenho conta que partiu uma coluna militar completa com perto de cem homens. “Até cozinha levava mas, na verdade, não se fez comida. Havia outras prioridades.”
Chegaram à zona da grande Lisboa por volta das 6 da manhã, numa viagem lenta, pois as viaturas seguiam no máximo dos máximos a 50 quilómetros por hora.
“Ao chegar a Almada, ficámos aterrorizados, pois chamavam-se profissionais de saúde para os hospitais e pedia-se a quem pudesse para dar sangue…”, disse o caldense, que pertencia à Artilharia cuja unidade foi colocada junto ao Cristo Rei com o objetivo de socorrer alguma situação que fosse feita às forças revoltosas, lideradas por Salgueiro Maia que já estava com as tropas no Terreiro do Paço. “Na verdade, não sabíamos se teríamos oposição…”, contou o caldense, que contou o caso da fragata Gago Coutinho que estava no Tejo, e de onde surgiram ordens de abrir fogo sobre as tropas. “O bom senso dos militares que lá estavam e não assumiram a voz de comando dessa força da Marinha foi fulcral”, conta Luís Serrenho, para quem se deve ao povo o facto de “tudo ter corrido bem”: “A operação foi estrategicamente bem montada e contou-se com o apoio popular, algo que foi fundamental!”.
Luís Serrenho foi ainda chamado para ir ao Quartel dos Lanceiros 2, na Calçada da Ajuda, onde a polícia militar não se queria render, o que gerou alguns momentos de tensão. “Depois lá colocaram uma bandeira branca e foi nessa altura que encontrei o Reis, que jogava no Caldas e que tinha casado cá!”, contou o militar que depois foi empresário.
“Para mim aquele o último reduto”, declarou Luís Serrenho, que ficou naquele quartel até ao dia seguinte. “De manhã fomos para Almada e no sábado regressámos ao Quartel de Vendas Novas e fomos recebidos em grande pelo povo e pelos que ficaram no quartel. Foi uma enorme festa! Para o caldense, “foi uma felicidade indescritível!” pois o povo estava unido naquele dia que foi libertador”, rematou um dos homens que participou no golpe que derrubou o velho regime e viveu a história por dentro. ■

 

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