Metade dos alimentos que comemos têm resíduos de pesticidas

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EPADRC
O grupo de oradores que participou na iniciativa “Os Desafios da Horticultura na Região Oeste”, da EPADRC |Beatriz Raposo

Nas últimas décadas os produtores têm exagerado no uso de pesticidas nas culturas agrícolas e actualmente metade dos alimentos que consumimos têm resíduos destes químicos. Estes foram os principais alertas dados por Jorge Ferreira, técnico especialista em agricultura biológica que foi um dos oradores no debate “Os Desafios da Horticultura na Região Oeste”, organizado pela Escola Profissional de Agricultura e Desenvolvimento Rural de Cister (EPADRC de Alcobaça). O convidado mostrou-se ainda preocupado com o glifosato, o herbicida mais utilizado no mundo e que recentemente foi avaliado pela Organização Mundial de Saúde como provavelmente cancerígeno.

Com excepção dos produtos biológicos, metade dos bens alimentares que consumimos todos os dias têm resíduos de pesticidas. Isto não significa que sejam impróprios para consumo, desde que se cumpram os limites impostos por lei. “O problema é quando se ultrapassam esses valores máximos ou quando as doses permitidas legalmente não são suficientemente seguras para o consumidor”, alertou Jorge Ferreira, sócio-gerente da Agro-Sanus, consultora especialista em agricultura biológica.
Um dos assuntos mais controversos dos últimos tempos e que também preocupa Jorge Ferreira é o glifosato, um herbicida produzido pela Monsanto (líder internacional no fabrico de pesticidas) que é o mais utilizado no mundo e que em 2015 foi indicado pela Organização Mundial de Saúde como provavelmente cancerígeno. Este herbicida é aplicado nas folhas e é capaz de matar qualquer tipo de planta, excepto as que foram geneticamente modificadas para resistir ao seu efeito.
Embora os resíduos de glifosato sejam eliminados do solo em poucos meses, este composto é altamente solúvel em água. Por isso, a probabilidade de ser arrastado pelas águas da chuva até ribeiros, rios ou mesmo à rede de esgotos que conduz a água às nossas casas, é elevada. “Em Portugal não há análises feitas, mas noutros países como França, Suíça ou Estados Unidos já foram encontrados resíduos em redes de abastecimento público”, disse Jorge Ferreira, acrescentando que se acredita que a contaminação ocorra principalmente através da alimentação e ingestão de água, mais do que pelo contacto com o herbicida. Em Portugal, a Plataforma Transgénicos Fora realizou várias análises e encontrou glifosato em trigo, aveia e farinha de trigo.

O exemplo da soja

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Jorge Ferreira deu ainda o exemplo da soja: até 2009 a União Europeia apenas permitia 0,1 miligramas de glifosato por quilo, mas a partir desse ano autorizou que o valor aumentasse para os 20 miligramas. Um limite duzentas vezes superior ao inicialmente estabelecido.
Apesar destes riscos, o especialista realçou que a lei portuguesa defende uma protecção fitossanitária das culturas agrícolas que passe por reduzir a utilização dos pesticidas na agricultura e nos alimentos. “A produção com baixo uso destes químicos inclui a protecção integrada e a agricultura biológica”, explicou Jorge Ferreira, salientando que a legislação prevê que os agricultores tenham à sua disposição informação, ferramentas e aconselhamento técnico de forma a adoptarem práticas sustentáveis.
“Só se deve tratar com recurso aos pesticidas quando é mesmo necessário e a própria lei também refere medidas alternativas aos químicos”, acrescentou o convidado, dando o exemplo de algumas dessas medidas: rotação de culturas (em vez da monocultura), utilização de variedades mais resistentes às pragas, apropriada nutrição vegetal (tal como a alimentação é importante nos humanos para prevenir doenças, o mesmo se aplica às plantas) e protecção e reforço dos organismos auxiliares (muitas vezes são os pesticidas que matam estes insectos que naturalmente podem combater as pragas).
Jorge Ferreira foi um dos oradores da actividade “Os Desafios da Horticultura na Região Oeste”, que também contou com a participação de Carlos Mendonça, engenheiro que abordou a eficiência energética nas explorações agrícolas. Já Carla Miranda, da Hortorres, falou sobre os desafios da produção hortícola no Oeste.
Esta iniciativa inseriu-se no projecto “Manhãs Hortícolas”, dinamizado pela professora Ana Teresa Figueira, que se realizou no museu da EPADRC nos dias 20, 21, 27 e 28 de Abril.

Os prós e contras do sector hortícola em Portugal

FotoCaixa
Carla Miranda

Na sua intervenção, Carla Miranda, engenheira da Hortorres, afirmou que o Oeste é a principal região produtora de hortícolas frescos no país. “Dos mil e poucos hectares de estufa que existem em Portugal, 750 estão concentrados no concelho de Torres Vedras”, explicou, acrescentando que esta zona é “um tanto sui generis devido ao clima, com verões frescos, neblinas pela manhã e muita humidade”. Por exemplo, as couves no Ribatejo são mais baças que as do Oeste e aqui o tomate também tem mais sabor devido ao amadurecimento mais lento do fruto.
Carla Miranda expôs também os pontos fracos e as ameaças deste sector em Portugal, como o facto dos produtos hortícolas serem perecíveis e não poderem ser exportados para muito longe (Espanha é o principal destino de exportação), ou o peso que os preços dos países concorrentes têm no estabelecimento dos preços dos produtos portugueses. “Não conseguimos competir com os milhares de hectares de Espanha ou Marrocos nem impor o nosso preço”, disse a engenheira, que também apontou a falta planificação das produções, de experimentação e demonstração e o idioma (ainda há muitos agricultores que não falam inglês) como barreiras ao desenvolvimento da agricultura.
Do lado das mais valias e oportunidades do sector, Carla Miranda destacou o facto dos produtores estarem cada vez mais concentrados em associações, do crescente interesse em produtos com valor acrescentado (como a uva de mesa) e a capacidade que os nossos agricultores têm em fazer negócio em períodos de pouca concorrência. Por exemplo, quando em Espanha não é possível produzir tomate devido às elevadas temperaturas, no Oeste atinge-se o pico da produção deste fruto.

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