Na recepção aos cerca de 60 novos internos do CHO na Ordem dos Médicos nas Caldas, a última do actual presidente, Pedro Coito, falou-se dos cortes na saúde, da necessidade de estudos sobre o desgaste na profissão e o suicídio. Uma recepção muito pouco animadora, mas bastante realista para os internos, seguida de uma apresentação sobre a sépsis e da entrega de prémios para trabalhos de investigação e fotografias.
“Burnout é como uma casa que ardeu por dentro, mas mantém a fachada”, afirmou Nídia Zózimo, médica que explicou o conceito na recepção aos novos internos do Oeste.
É um estado de desgaste extremo, de esgotamento. Não é exclusivo dos médicos, mas, dado o stress a que estão sujeitos e os horários que praticam, esta é uma preocupação dentro da classe.
Todos os anos há vários médicos que se suicidam. A grande maioria dos profissionais desta classe, onde se regista também uma taxa de divórcio superior à população em geral, não atinge a esperança média de vida da maioria dos portugueses. Quem o diz é Nídia Zózimo, que afirma que “nós médicos adoecemos e morremos mais cedo, pelas mesmas doenças que os outros, mas temos uma taxa de suicídio enorme”.
Defende que “os médicos têm um problema, que começa na escolha do curso, que se agrava na faculdade e mais ainda no exercício da profissão”. É que “as faculdades ensinam a teoria, ensinam a tratar doentes, ensinam a curar doenças, mas não ensinam a lidar com os insucessos, nem com a morte”.
Na recepção aos novos internos na Ordem alegou que ser médico é uma profissão de risco, que não é considerada como tal. “Portanto a nível de férias, de idade de reforma e condições de trabalho, muita coisa tem de mudar para a classe médica”, concluiu, argumentando que muitos médicos não estão a abandonar o SNS pelo dinheiro, mas sim pelas más condições de trabalho.
Apontou os casos de “três directores de serviço com carreiras magníficas que se demitiram porque já não conseguiam lidar com a pressão”. E tratou de uma outra realidade que muita gente desconhece dentro da classe: “uma parte dos médicos estão auto-medicados com anti-depressivos, metabloqueantes ou ansiolíticos”.
Por norma o burnout acontece em “quem foi com mais expectativas, ilusão e paixão para uma coisa que não sabia o que era e que deu tudo o que tinha. Sacrificou a família, sacrificou-se a si próprio, mas enquanto protestamos, choramos e nos queixamos ainda não estamos terrivelmente mal, o problema é quando nos calamos”.
Assim, apelou à participação num estudo que vai, por exemplo, avaliar os níveis de exaustão e fornecer mais respostas acerca do burnout, possibilitando a criação de “condições para que isso não aconteça”.
“A vida de médico está cada vez mais difícil”
Já Pedro Coito, presidente da Ordem dos Médicos das Caldas, aconselhou os novos internos a “perguntar aos mais velhos aquilo que não sabem porque seguramente na maior parte dos colegas encontrarão disponibilidade para os ajudar”.
Na cerimónia fez notar que “a vida de médico está cada vez mais difícil”. Queixou-se de os médicos serem “permanentemente escrutinados” e de não serem remunerados convenientemente.
Relacionou o desgaste psicológico com as condições que são dadas aos médicos para exercer e “que, nos últimos anos, se degradaram substancialmente, com cortes substanciais e irracionais na saúde, sem olhar a meios e não percebendo o que isso acarretava de mau ambiente para a classe médica”.
E questionou-se acerca das razões para que, recentemente, mais de mil médicos tenham emigrado e para que mais de mil se tenham reformado ou aposentado precocemente. “Porquê? Não estão satisfeitos, não têm as condições mínimas aconselháveis e desejáveis para trabalharem em segurança e com satisfação”, respondeu.
“Esperemos que a situação se modifique e possam vocês, a breve trecho, ter melhores condições de trabalho”, concluiu, dirigindo-se aos internos.
Notando a presença de membros do Conselho de Administração do CHO, pediu-lhes “que tenham um comportamento diferente dos vossos antecessores, que tenham um espírito mais aberto, que saibam ouvir as pessoas”.
E continuou: “o director clínico não se esqueça que é médico e os outros membros do CA não se esqueçam que estamos aqui todos é para tratar bem os doentes e não para andarmos a guerrearmo-nos uns aos outros”.
No ano em que termina o segundo e último mandato – as eleições serão em Dezembro – Pedro Coito disse que “a Ordem tem sido cada vez mais dinamizada e têm afluído mais colegas”.
Os cerca de 60 novos internos irão agora fazer o internato médico no CHO. A recepção foi para os médicos do chamado Ano Comum, que irão durante os primeiros nove meses percorrer várias especialidades e nos seguintes três meses dedicam-se à especialidade de Medicina Geral e Familiar e à Saúde Pública nos Centros de Saúde.
O internato médico é realizado após a licenciatura e trata-se de um processo de formação médica especializada, teórica e prática.































