Médico caldense nos EUA investiga sobre cancros muito mortíferos para desenvolver imunoterapias

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Diogo Maia e Silva, de 32 anos, é doutorado em Medicina

Diogo Maia e Silva tem estudado diversos tipos de cancros agressivos desde que estava a tirar o curso de Medicina, em Lisboa. O doutoramento tirou-o nos Estados Unidos, onde agora está a fazer o internato em Anatomia Patológica

O caldense Diogo Maia e Silva, de 32 anos, é formado em Medicina pela Universidade de Lisboa, mas é nos Estados Unidos que está a tirar a especialidade de Anatomia Patológica, depois de ter ali igualmente concluído o doutoramento.

Aluno de excelência da Escola Secundária Raul Proença, onde os pais foram professores (a mãe de Ciências Naturais e de Biologia e Geologia e o pai de Geometria Descritiva), desde cedo revelou um “fascínio” pela Biologia. Quando frequentava o 12.º ano, em 2011, ganhou a medalha de bronze nas Olimpíadas Iberoamericanas de Biologia, na Costa Rica. Uma experiência partilhada com outros três estudantes portugueses, dois dos quais viria a reencontrar na turma de Medicina.

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Desde então foram-se somando as conquistas. Em 2017, viu a sua dissertação de mestrado a ser reconhecida como a melhor do seu ano. Nela abordou a investigação em que colaborou no Instituto de Medicina Molecular, em que procurou entender o que permitia às células da leucemia mieloide aguda (um tipo de leucemia mais agressivo, que responde bem ao tratamento, mas que, na maioria dos casos, acaba por recidivar) sobreviverem ao tratamento. O objetivo era “encontrar pistas para saber, depois, como as atacar mais especificamente”, informa.

No mesmo ano, ganhou uma bolsa completa para tirar o doutoramento nos Estados Unidos, que realizou no Cold Spring Harbor Laboratory. Uma vez concluído, iniciou, em junho de 2024, o internato para obtenção da especialidade de Anatomia Patológica, no Massachusetts General Hospital, que está ligado à universidade de Harvard.

Depois de uma experiência de Erasmus num laboratório em França, estudar no estrangeiro estava nos planos do médico, fosse na Europa (para onde mais concorreu) ou fora dela. A participação num congresso promovido por aquele laboratório de Nova Iorque acabou por o convencer: Estados Unidos seriam.

No doutoramento, Diogo estudou o cancro do pâncreas, um dos cancros mais mortíferos e no qual, “nos casos mais agressivos”, as células cancerígenas “começam a parecer-se com células da pele ou do esófago”, pois “expressam proteínas que se ligam ao DNA e ativam genes que normalmente se encontram apenas nas superfícies exteriores” daqueles órgãos.

“Não percebemos bem porque é que isto acontece, mas sabemos claramente que estes tumores são piores e mais resistentes à quimioterapia”, continua. “Por isso, é importante compreender que mecanismo causa a ativação anormal de sinais de epitélios de superfície. E o meu projeto foi sobre isso”, explica.

O médico descobriu que uma das proteínas envolvidas “precisa de uma maquinaria bioquímica, ou seja, de outras proteínas colaboradoras”, que conseguiu identificar. “Comecei também a perceber quais as interações entre elas”, conta.

“As proteínas ligam-se umas às outras de formas muito específicas, como uma chave encaixa numa fechadura, ou uma mão que agarra um copo. E, se conseguirmos perceber como é que isso acontece, conseguimos perceber como pôr outra mão entre elas, se quisermos roubar o copo, para as separar. E, se as separarmos, diminuímos a ativação deste circuito anormal. Esta técnica, idealmente, um dia seria utilizada como uma forma terapêutica para prevenir esta ativação de genes que tornam o tumor numa entidade de pior prognóstico”, diz.

Trata-se de “uma ciência muito fundamental, o que fiz não tem nada a ver com ensaios clínicos, que irão para o hospital amanhã. Mas a ciência básica é essencial para gerar curas mais tarde. É impossível começar nos ensaios clínicos, é preciso muito conhecimento acerca do funcionamento biológico a nível fundamental, antes de começarmos a pensar em fármacos e em tratamentos”, elucida.

Tendo já a formação em medicina e o conhecimento de como se trabalha no laboratório, o passo seguinte foi “juntar os dois”.

“O que mais gostei em medicina foi fazer diagnóstico, e a anatomia patológica é excelente para isso. E é a especialidade mais próxima do laboratório”, de que não se quer afastar. Além disso, a realidade de que na prática clínica “acabamos por passar mais tempo ocupados com outras tarefas do que com o utente” afastou-o dessa opção.

Diogo quis prosseguir os estudos nos Estados Unidos, onde “há mais apoio para fazer o internato e investigação”. A experiência de estudar em Harvard tem sido “incrível”. Os professores/médicos são “excelentes”, os alunos de internato têm “seminários todos os dias e há muita interação com os investigadores que trabalham no mesmo edifício”. Diogo considera ainda que ali “há um esforço para ensinar não só a clínica de anatomia patológica, mas também como é que nós, a nova geração de anatomopatologistas, podemos melhorá-la através da investigação. E isso alinha-se muito com a maneira com a qual tenho tentado viver esta experiência profissional contínua”, afirma.

A possibilidade formal de obter uma subespecialização dentro da Anatomia Patológica foi outro fator que “prendeu” o médico aos Estados Unidos; em Portugal, isso acontece, mas informalmente.

“Aqui, com mais um ano de formação, obtemos a subespecialização. Tem-se mudado para esse modelo”, conta. Diogo tem “gostado muito” de patologia da pele. “Há muitas doenças autoimunes que se manifestam através de sinais cutâneos e cuja imunologia ainda não é bem compreendida. E algo que me interessa, no futuro, é perceber se, através das biópsias, conseguimos prever a atividade de doenças através de perfis mais específicos das células T (células imunes) que estão presentes na pele nessa altura”, continua.

“O melanoma é uma das doenças mais interessantes em termos de avanços terapêuticos nos últimos anos. O desenvolvimento de imunoterapia revolucionou completamente a nossa capacidade de tratar e curar o melanoma avançado, que antes era uma doença extremamente mortífera”, afirma. “Um tumor num estado avançado pode ser tratado e controlado, mas é muito difícil de curar”, diz, porém, este tipo de tumor “foi um dos primeiros em que, numa percentagem de casos, foi possível curar, mesmo no estado metastático”, sublinha.

“E tudo começou com investigadores num laboratório a tentarem perceber quais são os sinais que ativam ou diminuem a atividade de células T noutros contextos”, observa, para realçar a importância da investigação fundamental, que também realizou.

O médico caldense está no segundo ano do internato, de um total de quatro, e afirma que, findo esse tempo, logo “reavaliará”, para decidir se fica ou regressa às origens. Entretanto, já com a mulher, que é norte-americana.

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