Matança de porco foi recriada na Gracieira para manter viva a tradição local

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Gracieira
A tradição da matança do porco foi recriada por um grupo de homens da localidade |Fátima Ferreira

Sábado (29 de Abril) foi dia de recriar a matança do porco na localidade da Gracieira. Esta prática ancestral foi reconstituída por alguns dos filhos da terra que, nostálgicos dos tempos passados, recuperaram a tradição do abate do animal que serviria depois de alimento para a família durante o resto do ano.

A iniciativa, que decorreu no fim-de-semana, proporcionou um momento de convívio a cerca de 90 pessoas, sobretudo em redor da mesa, a saborear os pratos típicos confeccionados com carne de porco, como os “bichos”, sarrabulho e o cozido à portuguesa.

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Pouco passava das 10h30 quando os homens começaram a chegar-se à mesa, posta na cave da sede da Associação Cultural, Recreativa e Desportiva da Gracieira (ASCUREDE) para se servir de um prato de batatas cozidas com bacalhau, abundantemente regadas com azeite. A acompanhar apenas água ou vinho tinto.
As mulheres viriam a juntar-se ao grupo momentos depois, logo que terminaram de enfeitar e colocar os bolos (pão de ló, arroz doce e bolo de ferradura) numa mesa próxima. Era assim que os mais antigos faziam e que este grupo quis recriar, prestando homenagem a esses tempos em que se trabalhava de sol a sol e, a meio da manhã, se tinha que fazer uma refeição generosa para ganhar forças para concretizar a tarefa.
Finda a refeição, foi altura de transportar o porco para a antiga escola primária da terra, onde viria a ser abatido. Uma vez no local, o animal foi agarrado pelos homens e colocado em cima de uma mesa onde foi morto com uma faca comprida na garganta. O sangue foi vertido para um alguidar, onde já estava louro, sal e vinho branco. As mulheres mexeram o preparado durante alguns minutos, de modo a que este não coalhasse. Noutros tempos seria depois utilizado para fazer os chouriços, mas neste caso foi aproveitado para fazer o tradicional sarrabulho.
De volta para junto da sede da ASCUREDE, foi hora de começar a chamuscar o animal, com tojos a arder. A sua pele viria depois a ser limpa com engaço seco (que resultou da última vindima). Um trabalho de força e persistência, realizado por mais de uma dezena de homens que, numa segunda fase, lhe lavam a pele até ficar completamente limpa, tendo como utensílios bocados de cortiça e telhas de canudo. A água para esta lavagem era retirada, a braços, com um balde, directamente de um poço que existe nas proximidades da associação.
As orelhas e o rabo são cortados e, depois de temperados com sumo de limão e sal, lançadas na fogueira para assar. Estes serão os primeiros pedaços do animal a ser comidos, permitindo “provar” se a carne é saborosa. Segue-se a abertura da barriga.
“Enquanto é limpo, o porco está deitado na mesa de cabeça para cima, mas depois é virado ao contrário para ser aberto”, explica João Mateus, a quem cabe a tarefa de esquartejar o animal. Depois de retiradas as tripas e as vísceras, a carcaça é limpa e lavada com água e depois com vinho branco.
Os homens levam depois o animal para uma sala onde ficará pendurado (e tapado) até ao dia seguinte, altura em que será feita a desmancha.
Ao lado, na cozinha, a azáfama é grande com as mulheres a começar a preparar os petiscos com que iriam presentear os convivas durante a tarde. Cristina Henriques, Marta Santos, Teresa Mateus, Raquel Ciência e Dulce Pereira estavam de volta da confecção dos “bichos” – aparas de carne que retiram do animal e que depois guisam. Também costumam grelhar o fígado, que temperam com cebola, pimenta, azeite e vinagre e confeccionam o tradicional sarrabulho.
A festa continuou no dia seguinte, domingo, com um almoço-convívio de febras assadas. No entanto, a azáfama começou ainda durante a manhã, com as mulheres a preparar e a cozer as carnes para o cozido à portuguesa, que seria servido ao jantar. A tarde foi animada com a música da Escola das Concertinas da Gracieira e para o lanche foram feitas as “filhós à moda do Vitor”, uma receita com “segredo” na forma de amassar que só Vitor Santos conhece. A acompanhar foi servido o café da Avó Ana e chá de erva príncipe.

“A festa da família”

Depois de algum tempo a idealizar esta recriação, Vitor Santos conseguiu pô-la em prática no ano passado pela primeira vez, com a ajuda dos amigos João Mateus e Carlos Gomes. “É uma forma de mostrarmos aos mais novos as nossas tradições, que não podem ser perdidas”, disse à Gazeta das Caldas. Vitor Santos recorda-se de, na sua juventude, participar nas matanças de porco que se realizavam na casa dos pais, do avô e dos tios. Esta era, aliás, uma prática que existia nas famílias da terra.
Uma vez por ano matavam o porco, normalmente entre o términus das colheitas e o Natal, e toda a família e amigos mais próximos ajudavam. “Era festa da família”, recorda, acrescentando que o animal era alimentado durante todo o ano com essa finalidade.
Para abater o suíno, no passado sábado, este grupo tirou uma licença na Câmara e já antes o veterinário municipal tinha feito uma vistoria. Vitor Santos gostaria que esta tradição fosse retomada, mas tem consciência de que tal será muito difícil nos tempos que correm. Assim, e para que não caia no esquecimento, vão recriando-a, pelo menos uma vez por ano na Gracieira.

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