Mário Dimas – o emigrante que foi operário e músico na Suíça

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Depois de 12 anos na Suíça, o casal reside há 28 anos em Trás do Outeiro

Mário Dimas, de 63 anos, sabe desde cedo o que é uma vida de trabalho. Terminada a escola primária, começou a guardar gado e a fazer trabalhos agrícolas. Aventurou-se depois numa padaria e ainda numa fábrica de móveis, mas, depois da tropa, emigrou aos 23 anos para a Suíça, onde esteve durante 12 anos. Começou a lavar pratos num hotel perto de Basileia e terminou como trabalhador especializado na fábrica de comboios Schindler Waggon.
Tudo isto ao som do Compasso, a banda de música de baile onde era vocalista e fazia actuações para a comunidade portuguesa na Suíça. Agora, Mário Dimas reparte o seu tempo entre a agricultura, a música e as visitas de voluntariado que faz aos reclusos do estabelecimento prisional das Caldas.

Natural do Vau, Mário Dimas soube cedo o que era uma vida de trabalho. Nascido em 1956, fez o ensino básico na escola da terra e começou a guardar gado e a trabalhar na agricultura. Aos 14 anos decide mudar de vida e começa a trabalhar na padaria de Óbidos, situada junto ao Senhor Jesus da Pedra. Mas a dificuldade em adaptar-se ao trabalho nocturno que a profissão implicava e a recusa de um aumento salarial pelas funções de amassador que já desempenhava, levaram-no, dois anos depois a decidir despedir-se. Mário, então com 16 anos, foi aprender a profissão de marceneiro na casa de móveis Serrano, nas Caldas da Rainha.
Aos 19 anos casa com Isaura Gaio, de 17, e um ano depois, vai para a tropa em Leiria, onde apenas esteve durante quatro meses, ao contrário dos rapazes da altura que tinham que cumprir 18 meses de serviço militar obrigatório. É que naquele tempo não podiam estar três irmãos ao mesmo tempo na tropa e os seus dois irmãos, José Luís (23 anos) e Isidro (22 anos), já andavam por essa altura a servir a Pátria, um em Angola e o outro em Mafra.
Mário Dimas regressa à terra e volta a trabalhar como carpinteiro. Chegou a fazer 11 bateiras para a lagoa, sozinho. “Penso que hoje é praticamente impossível um homem sozinho fazer um barco. O maior que fiz tinha 5,5 metros e o mais pequeno 3,5 metros. Só tive a ajuda da minha mulher e, por vezes, das pessoas que o encomendavam”, recorda.
Um dia, estava a trabalhar numa obra de remodelação do edifício dos Correios das Caldas (agora da PT, ou melhor, Altice) quando, durante o almoço, um colega lhe disse que tinha estado com um emigrante na Suíça e que este lhe havia dito que dava boleia a quem quisesse emigrar. O carpinteiro, que já tinha recebido uma carta de um vizinho do Vau emigrado na Suíça a dizer que lhe orientaria trabalho, pensou que era a oportunidade de mudar de vida e pediu o contacto do tal transporte.
À noite, depois de ter terminado o trabalho, Mário foi ao café procurar o tal emigrante e ficou a conhecer Artur Jesus, um rapaz da Granja Nova, perto das Relvas. Combinada a boleia, foi a Leiria tratar do passaporte e da licença militar (que naquele tempo era obrigatória) para poder partir.

Retido na fronteira de França

Mário Dimas saiu de casa, juntamente com Artur Jesus, na madrugada de 20 de Setembro de 1979. Chegaram à fronteira de França, em Hendaia, eram 21h00 e, aí, a polícia pediu-lhes os passaportes. Mandaram o amigo continuar, mas Mário Dimas foi levado para o posto da alfândega, onde ficou retido durante duas longas horas e sem perceber uma única palavra de francês, até que o mandaram embora sem o interrogarem.
Às 23h00 chovia a cântaros e Mário tinha ficado apenas com o passaporte e a roupa que trazia no corpo. O saco e a carta com a direcção do amigo do Vau que estava na Suíça não estavam na sua posse e pensou que tinham desaparecido. “Aí é que o meu mundo desabou…”, conta o

Mário Dimas com 16 anos, em 1972
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emigrante, que se sentiu abandonado numa terra estranha, com pessoas que não conhecia e cuja língua não entendia.
Recorda, emocionado, que ainda se dirigiu a um camião que passava, mas quando as luzes se aproximaram conseguiu vislumbrar o BMW branco do seu amigo parado à beira da estrada, a 400 metros dele, à sua espera. “Afinal ele não se tinha ido embora!.
Não tiveram mais sobressaltos durante a viagem. Chegados à Suíça, foram para Basileia, onde morava Artur Jesus e a família e quando estes viram a carta enviada pelo amigo de Mário, perceberam que a localidade onde este vivia ficava a 300 quilómetros de distância e que na altura seria muito difícil contactá-lo. Então, os novos amigos de Mário começaram logo a procurar-lhe trabalho nos arredores da cidade.
No primeiro local onde foram – uma empresa de instalação de cabos eléctricos – o patrão disse que Mário poderia lá trabalhar, mas apenas a partir de Março. Como ainda faltavam seis meses e Mário não poderia estar todo esse tempo na Suíça sem trabalho, pegaram no carro e seguiram para Muttenz, uma pequena localidade onde havia um grande hotel do Estado. Falaram com o responsável e o português foi admitido para começar daí a três dias e com direito a alimentação, roupa lavada, farda para trabalhar e um ordenado melhor do que o de carpinteiro em Portugal.
Mário Dimas foi então para a copa do Hotel Mittenza lavar pratos. “Ganhei-lhe de tal forma o jeito que ainda hoje gosto de lavar a loiça”, conta à Gazeta das Caldas. Esteve nove meses naquele serviço, até que o contrato acabou e veio de férias a Portugal.
O seu descanso, porém, foi interrompido porque o patrão ligou para o telefone público de Trás do Outeiro para falar com ele. Com o fraco alemão aprendido em nove meses de emigração na Suíça, Mário percebeu que era para regressar imediatamente.
Fez-se ao caminho, mas o comboio levou dois dias de viagem e quando chegou ao hotel, o português apanhou um susto: o plano de horários não continha o seu nome.
Mas afinal não havia motivo para inquietação. Só não estava na lista porque entretanto tinham-no promovido para a cozinha, onde esteve nove meses a fazer saladas. Fazia 90 litros de cada vez de molho francês e 40 litros do molho italiano, mais avinagrado, lembra, acrescentando que só ali trabalhavam 21 cozinheiros, dando a imagem da grandeza do hotel.

A dificuldade de Mário continuava a ser o seu “pobre” alemão e o chefe da cozinha fazia os pedidos na “guarita”, através dos intercomunicadores, o que não lhe permitia ver as expressões gestuais. Valia-lhe um amigo suíço, que estava a tratar das carnes e que lhe explicava mais devagar quais as saladas que tinha que confeccionar. Findos os nove meses, o emigrante veio novamente a Portugal por mais três meses, mas depois já não voltou ao hotel suíço. Entretanto, a esposa (que se juntou a Mário três meses depois deste partir) estava a trabalhar numa clínica para doentes oncológicos e ofereceram também emprego ao emigrante luso.
Moravam perto de Basileia e agora o contrato já não era de nove meses, o que lhes permitia permanência contínua naquele país.
Isaura sempre trabalhou na cozinha da clínica para doentes oncológicos, apenas tendo interrompido as tarefas quando foi mãe de Sandra, em 1987, e de Daniel, em 1990. Ambos nasceram na Suíça.

Da cozinha para a fábrica de comboios

O emigrante português no último dia de trabalho na Schindler Waggon, em 1990, ladeado por amigos portugueses

Na clínica médica, onde agora o casal trabalhava, Mário começou como ajudante de cozinha, mas fazia um pouco de tudo. Esteve lá durante dois anos, até que foi trabalhar para a Schindler Waggon, uma fábrica de comboios em Pratteln, perto da Basileia. Estava-se em 1983 e o emigrante do Vau já falava razoavelmente bem alemão, tendo-se proposto a um exame para ir trabalhar como carpinteiro, que concretizou com sucesso. Passado algum tempo foi-lhe diagnosticada uma hérnia discal e foi proibido de fazer trabalhos pesados, passando a ser responsável pela manutenção das máquinas e outros trabalhos mais leves.
Como tinha pouco trabalho, Mário Dimas aproveitou o tempo para tirar um curso de soldador e depois outras formações, nomeadamente de electricista e canalizador, mantendo-se na fábrica até 1991, altura em que regressou a Portugal.
Regressam então à localidade de Trás do Outeiro, entre o Bairro da Senhora da Luz e o Arelho, onde já tinham construído uma residência e comprado lotes numa urbanização, para depois construir e rentabilizar o investimento.
Mário Dimas volta a trabalhar como carpinteiro e serralheiro, até que compra um táxi em Óbidos. Como falava correctamente alemão e também italiano (que aprendeu com os colegas na fábrica), sempre que apareciam estrangeiros, tentava logo sondar se falavam estas línguas para poder prestar os seus serviços. Graças a um contacto de um amigo, também conseguiu ficar como prestador do serviço da assistência em viagem de 11 seguradoras da região. Trabalhou com o táxi durante seis anos e foi numa das suas deslocações com um casal de idosos, que percebeu das dificuldades da terceira idade e decidiu aventurar-se numa nova área: a construção de um lar de idosos.
Corria o ano de 1999 quando Mário Dimas comprou um terreno em Trás do Outeiro e começou a projectar o que viria a ser o lar de idosos Palácio d’el Rei. Tratou dos papéis para as licenças de construção do edifício e vendeu o táxi, mas o que não contava era que demoraria oito anos até que conseguisse ter tudo formalizado para abrir o lar, que custou 550 mil euros e era dos mais modernos da região. Nesse meio tempo, Mário montou uma carpintaria e voltou à escola, onde fez o 9º ano e tirou o curso técnico-profissional de apoio à terceira idade.
Também modificou a casa onde mora de modo a permitir acolher idosos, chegando a ter seis ao seu cuidado. “Fomos muitas vezes visitados pela fiscalização de Leiria, mas nunca me multaram”, conta Mário Dimas, acrescentando que, no dia da inauguração do lar, em Junho de 2008, ficou “muito sensibilizado com o discurso do director da Segurança Social de Leiria [Fernando Gonçalves], que fez questão de estar presente porque, embora não soubesse quem eu era, conhecia o meu trabalho com os idosos”.
O empréstimo elevado que tinha contraído ao banco (na ordem dos 300 mil euros) e a crise que o país atravessava, levou o ex-emigrante a vender o lar quando surgiu uma oportunidade, em 2010. Com o lucro comprou apartamentos nas Caldas, que agora tem alugados.

O casal Mário Dimas e Isaura Gaio, em 1974, na localidade de Trás do Outeiro, de onde a esposa é natural

Uma vida ligada à música

Mário Dimas actuou em centenas de espectáculos na Suíça

Com o tempo disponível, Mário Dimas tem-se dedicado à agricultura. Há dois anos produziu mais de quatro toneladas de batata e três toneladas de milho, sendo que parte dessa produção é para distribuir por pessoas com dificuldades.
A música também sempre fez parte da vida de Mário Dimas. Aprendeu a tocar acordeão com 16 anos, com o professor Manuel Coelho e depois continuou a aprendizagem na Casa do Benfica das Caldas da Rainha. Já depois de regressar da Suíça, voltou a estudar, agora no Conservatório das Caldas, para aprender a escala da mão esquerda naquele instrumento.
Ainda em terras helvéticas, o emigrante tocou num rancho folclórico e foi convidado para integrar, como vocalista, uma banda de música de baile, que se chamava Compasso e que era composta por portugueses. Mais tarde passou a actuar sozinho, fazendo bailes e animações para festas, sobretudo junto da comunidade portuguesa emigrada naquele país.
Actualmente continua a fazer animações musicais e, sempre que é solicitado, participa em noites de fado solidárias. Também frequenta a escola do Movimento dos Cursilhos de Cristandade, da Igreja Católica, e desde há três anos que, a cada 15 dias, vai ao estabelecimento prisional das Caldas, integrado no grupo de visitadores católicos, para falar com os reclusos e dar-lhes apoio.
Já a esposa, Isaura, continua empregada e a trabalhar na área que mais gosta – Geriatria – na Santa Casa da Misericórdia de Óbidos.
Hoje o casal recorda com saudades a vida na Suíça, destacando a boa educação da sua população e as boas condições de vida naquele país. “Gostei muito de lá estar e, por mim, teria ficado, mas o marido quis voltar e eu acompanhei-o”, conta Isaura Gaio, actualmente com 61 anos. Já Mário diz que aquele país foi “uma escola, tanto a nível pessoal como profissional”, tecendo os maiores elogios ao povo que os acolheu.
Durante os 12 anos em que estiveram emigrados sabiam das notícias da terra através da Gazeta das Caldas. “Recebíamos o jornal à terça-feira da semana a seguir e era uma maneira de continuarmos em contacto com Portugal”, recorda Isaura Gaio.
“Hoje continuo a lê-la todas as semanas e há duas coisas que vejo logo, quem morre e um bocadinho do desporto. Depois leio o resto”, remata Mário Dimas.

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