Manaus – Uma cidade moderna e industrial às portas da floresta virgem

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Untitled-44Chegar a Manaus na primeira metade do século passado, como alguns caldenses o fizeram, deve ter sido uma verdadeira aventura das mil e uma noites. Tinha de se chegar inicialmente a algum porto oceânico brasileiro e depois fazer o transbordo para alguma barca a partir de Belém do Pará, que levaria o viajante a subir o rio Amazonas vários dias, num ambiente hostil de floresta virgem, e num rio que, em certas partes, dista entre margens mais de um quilómetro. No início dos anos 80 fizemos esse subida num pequeno barco de turismo catamaran, numa distância de mais de 5.500 quilómetros, durando o percurso seis dias, numa viagem memorável que nos obrigava a levantar às 6 horas da madrugada para assistir ao nascer do sol a jusante do rio e cerca de 12 horas depois já estávamos a ver o pôr do sol também num espectáculo maravilhoso a montante do rio.
As 12 horas de luz solar, com temperaturas acima dos 30 graus, era sensacional percorrendo quilómetros e quilómetros de margens, onde existiam pequenas povoações com habitações lacustres, tipo palafitas, para permitir acompanhar o movimento do rio que em certas épocas sobe vários metros. Vimos que há dias a subida das águas atingiu o seu máximo de 2014 chegando nalguns pontos à marca dos 29,60 metros, ultrapassando em 27 centímetros o volume máximo do ano passado, que foi de 29,33 metros.

O MAIOR RIO DO GLOBO

O Amazonas é o maior rio da Terra, tanto em volume de água como em comprimento (6.992,06 km de extensão). Tem sua origem na nascente do rio Apurímac (alto da parte ocidental da cordilheira dos Andes), no sul do Peru, e desagua no oceano Atlântico, junto ao rio Tocantins, em Belém.
Junto ao barco onde viajávamos aproximavam-se dezenas de pequenos botes onde crianças remavam para pedir ofertas aos viajantes, fazendo número acrobáticos junto ao catamaran, chegando a subir pelas amarras e depois lançando-se à água do rio em mergulhos artísticos.
No ponto intermédio da viagem havia uma paragem de duas horas num porto fluvial, que viríamos a conhecer mais profundamente três décadas depois, que é Parintins. Aqui se realiza no período das festas juaninas (no solstício de verão) um festival folclórico memorável – o Boi Bumba, cuja história já contei na Gazeta há um ano.

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OS ENCONTROS DAS ÁGUAS

Na subida do Amazonas assistem-se a dois espectáculos deslumbrantes de encontros das águas de rios com cores diferentes. O primeiro ocorre a meio da subida entre Belém e Manaus, numa região onde prepondera a cidade de Santarém, com o encontro das águas verde-esmeralda do Tapajós com as águas barrentas do Amazonas. Durante vários quilómetros os dois rios correm juntos sem se misturar, mantendo as duas cores visíveis. É um dos grandes espectáculos visuais do rio.
Já perto de Manaus dá-se o segundo encontro das águas, que é o mais conhecido pelos turistas, uma vez que fica a alguns minutos de barco da cidade, com a confluência entre o rio Negro, de água preta, e o rio Solimões, de água barrenta, também correndo lado a lado sem se misturar por uma extensão de mais de seis quilómetros. Esse fenómeno resulta da diferença entre a temperatura e densidade das águas e, ainda, da velocidade das suas correntes: o Rio Negro corre a cerca de 2 km/h a uma temperatura de 28°C, enquanto que o Rio Solimões corre entre 4 a 6 km/h a uma temperatura de 22°C.
Mas subir o rio permite também assistir aos saltos dos botos (golfinhos rosa) que acompanham o barco durante alguns quilómetros, brincando alegremente perante o agrado das pessoas. Para além das luxuriantes margens com florestas de uma riqueza enorme e quase inacreditável, outro espectáculo que os viajantes também não perdem durante o subida de mais de uma centena de horas do grande rio, é observar as margens durante a noite, com os sons e barulhos da floresta, apenas cortado pelo ruído constante das máquinas do barco, mas que deixam ouvir os guinchos da floresta, os batuques das populações índias que ainda vivem no interior da Amazónia.
Em minha opinião se há experiências inesquecíveis no mundo, uma delas é esta e que merece uma incursão.

A terra prometida fundada pelos portugueses 

Mas se o objectivo é Manaus, então passemos à cidade fundada em 1669 pelos portugueses com o construção do forte de São José do Rio Negro. Em 1832 chega a vila com o nome de Manaos, em homenagem à nação indígena dos manaos. Passou a cidade 16 anos mais tarde com o nome de Cidade da Barra do Rio Negro. Contudo, em 1856 voltou ao nome actual.
No início do século passado viveu os seus tempos áureos com a exploração da borracha.
Actualmente Manaus é a cidade mais populosa e importante da grande região Amazónica (formada pelos estados do Acre, Amazonas, Rondónia, Roraima, Amapá, Pará e Tocatins) e do Estado da Amazonas, de que é capital, com uma população de cerca de 2 milhões de habitantes, facto a que não é alheio a criação em 1967 da Zona Franca de Manaus. É uma espécie de porto franco para atrair investimentos estrangeiros através da isenção de taxas de importação e de exportação. O pólo industrial de Manaus congrega actualmente mais de 600 empresas industriais, com mais de 120 mil trabalhadores directos e meio milhão indirectos.
Aqui se podem encontrar as principais marcas tecnológicas mundiais como a Nokia, Suzuki, 3M, Cookson, Philips, Samsung, Pioneer, Whirpool, Fuji, Siemens, Thompson, Continental, Honda, P & G Procter & Gamble, Sony, Harley Davindson, Panasonic, Toshiba, etc..
Uma destas empresas que visitámos – a Honda – , é um exemplo da eficiência produtiva moderna e a principal unidade industrial da marca Honda para a produção de motos.

VOO DIRECTO DA TAP

Era difícil chegar a Manaus até Junho deste ano, uma vez que de Portugal a viagem teria de passar por qualquer cidade brasileira, sendo a mais próxima de Manaus a capital Brasília, ficando a mais de 3000 quilómetros, obrigando a transbordo para nova viagem aérea de mais de três horas. Contudo, desde o início deste mês há viagens directas a partir de Lisboa com a TAP e com regresso por Belém do Pará, por pouco mais de mil euros. A duração directa da viagem é de nove horas, enquanto antes, se, por exemplo, o transbordo fosse através de S. Paulo, podia durar quase 18 horas com as esperas no aeroporto.
Para o leitor que queira fazer uma estadia de alguns dias em Manaus podemos sugerir alguns objectivos turísticos que são indiscutíveis e que merecem mesmo uma deslocação na principal cidade às portas da grande amazónia.

Untitled-45O TEATRO DO AMAZONAS

O ponto mais emblemático é o Teatro Amazonas, situado no Largo S. Sebastião, com calçada portuguesa reproduzindo as famosas ondas do “calçadão” da praia de Copacabana no Rio de Janeiro, tendo ao centro um coreto com formas tipicamente lusitanas.
Situado no centro da cidade, é um dos pontos mais característicos e que pode ser frequentado a qualquer hora sem problemas de segurança.
Durante o dia, com o sol a incidir na vertical, o calor é imenso, mas ao fim da tarde é bem agradável deambular pela praça, procurando os vários bares, cafés, restaurantes, lojas de artesanato,com uma temperatura agradavelmentequente. Ali sejuntam normalmente centenasde manauris, assistindoaos espectáculos de rua quesão habituais ao fim de tarde, bebendo os refrescos tradicionais ou comendo os agradáveis gelados, com sabores característicos das frutas equatoriais. Entre estes distingue-se um sabor recente muito em voga que parece reunir propriedades medicinais. Trata-se do açai. Uma visita ao teatro também é sugerida para verificar a loucura que a riqueza provocou nas gentes que ali viveram durante a época de ouro da borracha. Esse período áureo atraiu à cidade milhares de imigrantes vindos, quer das outra regiões brasileiras, com, predominância para os nordestinos, bem como povos de todo o mundo, nomeadamente ingleses, franceses, gregos, portugueses, italianos e espanhóis.
O teatro Amazonas foi inaugurado em 1896, como a expressão mais significativa da riqueza da cidade proveniente da borracha, tendo chegado ao ponto de terem sido trazidos arquitectos, construtores, pintores e escultores da Europa para a realização da obra. A decoração do interior foi entregue a Crispim do Amaral, com excepção do Salão Nobre, a área mais luxuosa realizada pelo artista italiano Domenico de Angelis.
A cúpula é composta por 36 mil peças de escamas em cerâmica esmaltada e telhas vitrificadas, vindas da Alsácia (França). Do centro da sala de espectáculo pende um lustre dourado com cristais, importado de Veneza, que desce até ao nível das cadeiras para a realização de sua manutenção e limpeza.
Mas deixemos ao leitor a visita para verificar como se gasta dinheiro quando não há limites, mesmo que o local esteja a milhares de quilómetros dos centros produtores da indústria europeia do final do século XIX. Uma vez estivemos nesta teatro a assistir a uma demonstração do Boi Bumbá de Parintins, que se transformou num espectáculo divinal.
A euforia da borracha teve o seu apogeu no início do século XX quando Manaus tinha uma população aproximada de 20 mil habitantes, com ruas rectas e longas, calçadas com granito e pedras de liós importadas de Portugal, praças e jardins bem cuidados, belas fontes e monumentos, o referido teatro, hotéis, casinos, estabelecimentos bancários, palacetes e todos os requintes de uma cidade moderna, que hoje se vêm os seus vestígios nalguns casos, especialmente nos palacetes dos colonizadores.

O INSONDÁVEL E SEMPRE PRESENTE RIO

Outro ponto inolvidável de Manaus, é o porto na margem esquerda do rio Negro, onde se chega descendo a cidade a partir do Teatro Amazonas em direcção ao rio. Aqui foram construídos inúmeros edifícios portuários que hoje estão em reconstrução, bem como o célebre mercado. Também junto ao porto fica o bairro histórico de Manaus, onde as construções fazem lembrar uma pequena cidade portuguesa com características coloniais.
Um ponto central desta parte da cidade é mercado municipal Adolpho Lisboa, que só agora foi reaberto. Este tem uma estrutura metálica e após sete anos fechado para reconstrução, foi reinaugurado no dia 23 de Outubro de 2013. A sua origem remonta a 1880, construído por uma empresa de Liverpool, com um galpão de aproximadamente 45 metros de comprimento e 42 de largura em ferro.
No mercado podem encontrar-se uma variedade imensa de produtos agrícolas, frutas, peixe do rio, gado trazido da floresta, artesanato bem como toda uma variedade inesgotável de mézinhas e ervas preparadas por curandeiros da Amazónia. Ali podem comprar-se desde a unha de gato ao viagra regional, ou ainda ao sara-tudo e o pau pereira.
No centro da cidade e próximo do teatro pode-se encontrar o edifício da Santa Casa da Misericórdia da Amazónia, fundado em 1880, mas que se encontra actualmente encerrado por problemas económicos. É uma marca civilizacional portuguesa, mas perdida por falta de recursos.
Visitar Manaus é também conhecer os inúmeros jardins e parques, numa tentativa de preservar partes da floresta virgem no centro urbano, mas também criando espaços lúdicos para a população. Entre muitos destacamos o Bosque da Ciência, o Museu da Amazónia, o zoológico, etc…
Um ponto muito ocidentalizado e com grandes construções de modernos edifícios, mas também valorizando os espaços naturais, é à zona da praia da Ponte Negra onde os manauris vão fazer a sua praia fluvial. De um pequeno porto partem a toda a hora pequenos barcos que fazem o transporte da população local para as imensas povoações junto ao rio, especialmente nos igarapés do rio Amazonas.
Também daqui se parte numa viagem de mais de uma hora rio acima, para conhecer o hotel de selva mais famoso, especialmente pelas figuras mundanas que já lá estiveram alojadas ou pelos filmes ali rodados, que é o Hotel de Selva Ariaú Amazon Towers. Por exemplo foi cenário do filme “Anaconda” da Sony Pictures e base de operações do reality show “Survivor” da CBS TV americana.

AS COMIDAS AMAZÓNICAS

Outra aventura que se aconselha é atravessar a nova ponte do rio Negro, inaugurada recentemente e dirigir- se para um restaurante de selva, onde junto a qualquer afluente do Amazonas pode encontrar viveiros de peixe e escolher o que deseja comer que será assado à sua frente depois de pescado.
Aconselhamos a costela de tambaqui na brasa, a caldeirada de tucunaré, ou o pirarucu servido entre camadas de farofa. Uma refeição num restaurante destes não é coisa cara, ficando na memória para sempre.
Outro espectáculo aconselhável é percorrer o interior dos afluentes e encontrar braços onde dominam as vitória-régia, espécie aquática ornamental com folhas circulares muito largas que submergem nas águas chegando a mais de um metro de diâmetro, onde por vezes os jacarés descansam ao sol.
Mas para um europeu é interessante conhecer a nova vida comercial da sociedade brasileira, bem patente em Manaus, onde proliferam já alguns grandes centros comerciais, a exemplo do que se pode encontrar no resto do mundo. É impressionante o número de pessoas que estes centros de consumo atraem e as transações que se fazem. Falamos, por exemplo, do Manauara Shopping, do Amazonas Shopping ou do Manaus Plaza, onde até existem parkings com custos diferenciados, face à proximidade da zona das lojas.
Uma sugestão para o visitante mais desejoso de comida portuguesa é procurar a Cachaçaria no Dédé, quer no Shopping Manauara ou então no seu estabelecimento tipicamente caipira na Rua do Comércio e onde podem encontrar, para além das comidas regionais, o famoso bacalhau servido das mais variadas formas lusitana.
Também ali encontra a maior colecção de cachaças provenientes de todo o continente sul-americano. A exemplo de Parintins, também existe em Manaus um Festival Folclórico com desfiles dos Bois-Bumbás, no caso o Boi Brilhante, Boi Corre Campo e Boi Garanhão. Mas não se comparar nada ao famoso espectáculo de Parintins. Para além das tendas de artesanato em vários pontos da cidade, realiza-se ao domingo de manhã no centro histórico uma grande feira do artesanato local onde se pdoem encontrar jóias a partir de sementes da Amazónia e pedras semi-preciosas (ametistas, quartzo), objectos em madeira, barro, vidro, tecido, etc. Uma boa amostra da tradição índia, e dos habitantes caboclos, ribeirinhos, seringueiros e balateiros.

JLAS

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