Uma verdadeira multidão foi de romaria ao Santo Antão, mesmo com a festa a decorrer durante a semana
No sopé do monte a tarefa não se afigura fácil. Pela frente encontram-se 150 degraus em pedra tosca, ladeados por arbustos, que dão acesso à ermida que ganhou o nome do santo padroeiro dos animais – Santo Antão.
Chegados ao cimo do monte, olhando para trás, a vista panorâmica sobre o castelo de Óbidos e a várzea da Rainha dão conta dos 80 metros de altura percorridos, enquanto que para a frente avista-se uma multidão de gente.
A cada 17 de Janeiro, crentes e convivas juntam-se naquela que é uma das festas mais tradicionais da região Oeste. Muitos chegam logo de manhã para arranjar o melhor lugar para se instalar e ali fazer as suas fogueiras, outros vão chegando durante todo o dia, tanto para se juntar aos amigos, como pela curiosidade da romaria.
Este ano, embora se tivesse realizado durante a semana (terça-feira) a romaria atraiu muita gente. Raul Penha, da Comissão de Festas do Santo Antão, atribui esta afluência ao bom tempo que se tem feito sentir, mas também ao facto de haver cada vez mais desempregados. Até porque, explicou, esta forte adesão de visitantes não se traduziu em mais vendas.
Manuel Timóteo (ao centro) chegou às 8h30 com o seu tractor ao cimo da ermida. Faz este trajecto há 60 anos
Na casa das esmolas, situada ao lado da igreja, o pão foi o produto que teve mais procura, tendo esgotado à hora do almoço. Os 50 quilos de chouriço comprado (a que se juntaram algumas ofertas de pessoas que prometem pelos seus animais) ainda não tinham sido vendidos a meio da tarde. Os preços mantêm-se os mesmos de há dois anos, com o chouriço a custar 10 euros o quilo. “Nota-se que há muita gente que vem para o convívio e não precisa de gastar dinheiro”, disse este responsável, que já pertence à comissão há mais de 30 anos.
De acordo com Raul Penha nota-se mesmo um certo revivalismo, um “voltar ao antigo, ao cultivo das pequenas hortas e da criação de alguns animais domésticos”. O responsável acrescentou ainda que a crise que o país está a atravessar também é propícia a esta forma de vida e à “devoção e a intercessão aos santos para que tudo corra bem”.
Elisabete Lourenço, do Nadadouro, há seis anos que vende pão e chouriço nesta romaria, dando continuidade ao negócio dos pais. Também ela nota a crise. “Faltam os euros”, diz, acrescentando que as pessoas começam a trazer o
A animação é uma constante, com música e dança improvisada entre os convivas
chouriço de casa e que procuram o pão, para acompanhar a refeição.
Este ano Elisabete Lourenço vendia o chouriço a 10,50 euros o quilo, mais 50 cêntimos do que no ano passado, mas considera que não era o preço que condiciona a venda no local. “Temos clientes que nos dizem que este ano trouxeram de casa porque sabem que os nossos são produtos caseiros e é mais caro”, conta à Gazeta das Caldas.
Ao lado da banca a comerciante tem uma fogueira acesa e uma mesa que disponibiliza aos seus clientes para poderem usufruir da refeição mais comodamente.
Manuel Timóteo, mais conhecido por Manuel “Verdinho”, tem 77 anos e há cerca de 60 que vai à festa do Santo Antão. Leva o tractor ao cimo do monte e ali reúne família e amigos todos os anos. Chegou às 8h30 da manhã, mas há três dias que preparava a sua vinda, carregando no tractor a lenha para fazer a fogueira e os 25 litros de vinho tinto, que foram repartidos entre quem por ali passava e trocava dois dedos de conversa.
Embora utilize duas canadianas para lhe facilitar a locomoção, Manuel Timóteo continua a levar o tractor dos Casais da Navalha para o cimo do monte e garante que o continuará a fazer enquanto tiver saúde para tal. Pelas 10h00, quando chegaram alguns familiares para o ajudar, “já tinha a fogueira acesa”, diz o septuagenário que troca o chouriço por carne de vaca assada na brasa.
As vendas não corresponderam à forte afluência, pois muita gente levou o chouriço de casa
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Este ano Manuel “Verdinho” notou alguma diferença na romaria. Por um lado o número anormal de visitantes para um dia de semana, por outro o barulho dos geradores de alguns comerciantes a funcionar, que é incomodativo para quem ali vai para conviver num espaço natural.
O seu genro, Paulo Mendes, ajudou-o a preparar as coisas para, à hora de almoço ali juntar cerca de duas dezenas de familiares e amigos. Há mais de 15 anos que ali vai. “Para mim é um prazer estar aqui com os meus amigos”, diz o proprietário do Bar 120, situado Praça 5 de Outubro, nas Caldas da Rainha, que neste dia fecha o estabelecimento. “Aqui trata-se de amizade e convívio”, disse o conviva que este ano se mostrou um pouco desanimado com o facto das pessoas terem dificuldade em arranjar espaço para fazer as fogueiras, devido à proliferação de vendedores ambulantes que ali tentam fazer negócio.
Rui Santos, das Gaeiras, visitou pela primeira vez a romaria. “É um espectáculo”, diz o conviva que promete voltar no próximo ano.