Luís Rendeiro, o arqueólogo de Peniche que leva a história local às escolas

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voltei novamente à minha profissão de arqueólogo, de investigador. Estou no acompanhamento de obras.

Luís Rendeiro investiga a presença de comunidades do neolítico na região de Peniche, tendo feito as primeiras escavações no Povoado do Paço e prosseguido com o estudo do Concheiro do Baleal

Do alto do Planalto das Cesaredas, tem-se uma vista desafogada sobre o oceano Atlântico. Elevando-se a cerca de 150 metros do solo, é possível abarcar toda a região dos Baixios, que outrora esteve submersa. O Rio de São Domingos banhava-a, e quem quer que por ele navegasse sentia-se observado e sabia estar em terras tomadas. Há cinco mil anos, celtas da idade do Calcolítico apascentavam as suas ovelhas, cuidavam dos seus campos, forjavam já utensílios em cobre, construíam vasilhas de cerâmica, teciam quentes mantos, pois o clima era bem mais frio do que atualmente. E já estabeleciam trocas comerciais, dada a proximidade ao oceano, pelo qual vinha o marfim. Mas havia que se protegerem dos grandes auroques, com cerca de 900 kg. Javalis e veados iam parar ao prato das famílias, bem como ameijoas, ostras e diversos tipos de peixes de águas frias.
Conseguimos imaginá-lo graças ao trabalho do arqueólogo Luís Rendeiro, de 45 anos, natural e residente em Peniche. Estando a doutorar-se em Arqueologia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, estuda as ocupações humanas do sexto ao terceiro milénio antes de Cristo, bem como o paleoambiente e as alterações climáticas sofridas pela sua região, incluindo Óbidos, Bombarral e Lourinhã. O planalto das Cesaredas é um bom exemplo de um território que abrange os quatro concelhos e que, como tal, exige que sejam todos considerados no estudo.

Luís Rendeiro começou a estudar o Povoado do Paço (lugar que pertence a dois concelhos – Peniche e Lourinhã – e dois distritos – Leiria e Lisboa), sito no Planalto das Cesaredas, em 2021, destacando que o sítio arqueológico foi identificado nos anos 80, mas escavado pela primeira vez pelo mesmo e pela sua equipa.

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Reza a lenda, apoiada pela arqueologia, que acampamentos dos exércitos de César (de onde Cesaredas) terão ocupado o território entre os séculos II a.C. e V d.C.

Mas recuemos ainda mais, ao terceiro milénio antes de Cristo. O investigador encontrou evidências muradas estendendo-se por 200 metros quadrados de terreno. “Cada povoado exercia um controlo sobre uma determinada região. O do Paço controlava o mar”, explica, acrescentando que o lugar distava menos 3km do mar do que os 7 km atuais.

“Não sabemos se era efetivamente um povoado, isto é, se moravam lá pessoas, ou se seria um género de armazém para a comida e os animais”, esclarece.

“Os muros que encontrámos colocam-no no Calcolítico Final”, diz. Outros achados incluem ossos, machados de pedra polida (anfibolita) e cerâmica de “folha de acácia”. Este tipo de cerâmica também é encontrado noutros povoados, o que atesta a “circulação de bens e de pessoas”. Já os líticos apontam para trocas comerciais com o Alentejo.

“Na Lourinhã temos o Tholos de Paimogo, um grande sítio funerário a cerca de 5km dali”, mais uma prova a favor da tese da ocupação antrópica do Planalto das Cesaredas.

Outro sítio arqueológico que Luís tem estudado é o Concheiro do Baleal, uma espécie de “depósito” datado do 6.º milénio a.C., onde se pode encontrar vestígios de pescado e assim retratar aquele paleoambiente. “As águas eram mais frias, o que significa que a costa era maior.”

O investigador fez ainda uma Carta Arqueológica de Peniche e reabilitou a Associação Patrimonium. “Depois do mestrado, trabalhei em empresas de arqueologia, mas sentia que na minha família não percebiam o que fazia”, o que o motivou a levar a ciência que estuda às pessoas, como foi exemplo a Feira Celta do Paço, em julho de 2022, que visou promover o sítio arqueológico daquele lugar.

O investigador também deu aulas de Património e História Local aos 1.º e 4.º anos de escolas do concelho. O que o alertou para o “desconhecimento que temos do nosso território” foi quando, numa das primeiras aulas da licenciatura em Arqueologia, um professor lhe perguntou o que ele sabia da Gruta da Forninha, da sua terra. “É uma gruta que se estuda em variadíssimas faculdades da Europa, tem uma importância enorme para a história e para o ambiente, e, para mim, era onde os pescadores estavam”, afirma, para destacar a importância de levar às escolas e ao público em geral a história local, de que somos produto e que faz parte de todos nós.

 

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