
Chama-se Lídia Malato Costa Pina e completa um século de vida no próximo Domingo, dia 10 de Outubro de 2010. Foi com boa disposição que recebeu a Gazeta para conversar sobre a vida nas Caldas, cidade para onde veio morar cedo pois o seu pai era inspector no caminho de ferro. Por cá casou e, durante 14 anos trabalhou no Hospital das Caldas, quando este se transferiu do Stº. Isidoro para a Rua Diário de Notícias. Foi da varanda de uma casa no Avenal que assistiu às movimentações do 16 de Março’74.
Nasceu a 10-10-1910 no Entroncamento, “logo sou uma raridade!”, diz Lídia Pina que veio parar às Caldas aos quatro anos, altura em que o seu pai se mudou com a família. Antes de ter ido viver para a estação, tal como várias famílias, morou numa casa na Avenida da Independência Nacional e recorda que teve uma infância feliz pois “havia um bom convívio entre as pessoas que viviam naquele bairro como o Dr. Francisco Avelar, o senhor Mendonça, as senhoras Ferreira da Farmácia, o senhor Cruz ou a família Natário, de quem, aliás, nós fomos inquilinos”.
Lídia Pina fez a instrução primária na escola oficial na Praça do Peixe “com uma excelente professora, a Sra. Dona Patrocínio”. A escola ficava num primeiro andar ao fundo da Praça 5 de Outubro, atrás do Teatro Pinheiro Chagas. Prosseguir estudos já não lhe foi possível pois só poderia fazê-lo particularmente e, “com tantos filhos, era algo que não era possível para os meus pais”.
Assim que ficaram prontas umas obras que decorriam na estação de caminho de ferro, a família Costa mudou-se para lá – os pais de Lídia Pina e os seus oito irmãos.
Vivia-se então em 1928 e Lídia tinha 18 anos. Crescer nas Caldas “era bom” pois havia sempre eventos e rotinas agradáveis como passear à noite na principal rua do Parque D. Carlos “Andávamos ali quilómetros! Sempre em grupos enormes, riamos e brincávamos sem maldade nenhuma”, comentou, referindo ainda outros eventos como os chás ao ar livre e os bailes do Casino.
Conta que sempre foi muito brincalhona, cheia de vida e “tal como hoje toda a vida tive resposta pronta para dar “(risos), disse a entrevistada.
“Havia muita coisa nas Caldas para atrair pessoas”, conta a centenária, que recorda os meses de Verão quando “gente de muito boas famílias, sobretudo do Alentejo, vinha para cá e ficava pelo menos dois meses”.
Tinha 25 anos quando casou com José Pina e foi morar para a Rua das Montras. O marido era comerciante, na loja da família e vendia solas, cabedais e ferragens a meio da Rua das Montras no local onde está hoje a Romã. O prédio pertence à família do marido.
Só que na verdade o seu marido não gostava do comércio. “Ele não tinha vocação”, contou e assim a família decidiu alugar aquele espaço para outros ramos do negócio.
“Primeiro alugou-se ao Anselmo que tinha um lado onde vendia meias e roupas interiores e do outros dedicava-se aos electrodomésticos”. Mais tarde, o espaço foi alugado ao actual arrendatário que fez os melhoramentos necessários e hoje possui
a loja de vestuário e sapataria Romã.
Há 75 anos que Lídia Pina mora naquele lugar e por isso viu a evolução e a mudança das lojas da Rua Almirante Cândido dos Reis. Lembra-se quando esta ainda tinha trânsito, da fase em que foram alargados os passeios e depois quando se tornou pedonal. Recorda lojas de outrora, como a Tália, a Capri e a Zinália, ou ainda a loja de João Serafim e a padaria Teixeira.
Em 1968 Lídia Pina vai trabalhar para o Hospital das Caldas no economato, onde era encarregada dos serviços domésticos. Sob a sua responsabilidade estavam as cozinheiras, assim como as empregadas da limpeza e da rouparia.
“Tive necessidade de me empregar e não tive relutância nenhuma. Foi algo que me preencheu sobretudo porque arranjei grandes amigos”, disse. Na altura foi inaugurar o novo edifício do hospital, então concelhio, que recebia os médicos, os doentes e os funcionários que transitaram do velho Hospital de Santo Isidoro (edifício onde hoje funcionam os serviços de apoio da ESAD).
Quando foi trabalhar para o hospital lembra que já naquela altura havia falta de pessoal e até mesmo de roupas. Era uma época diferente, em que ainda existiam quartos particulares, além das enfermarias. Lídia Pina laborou no hospital durante 14 anos e teve muita pena quando se reformou aos 70 anos, pois sentia que ainda podia trabalhar mais uns anos. “Mas não fiquei inactiva”, disse, acrescentando que passou a ajudar a filha, tomando conta dos netos.
“Vivemos um retrocesso no que diz respeito aos atractivos”
Como vê o evoluir da cidade? “Vivemos um retrocesso pois esta era uma terra de atractivos e de iniciativa. Agora o que se vê?”. Lamenta que agora no Carnaval só haja o desfile das crianças quando antes havia os famosos bailes que se faziam nos hotéis Lisbonense, da Copa, Rosa e no Parque ou no Clube de Inverno. “ E havia gente para ir a todos”, comentou.
Do que mais lamenta é a perda de interesse pela Feira do 15 de Agosto que no seu tempo tinha lugar na Avenida da Independência Nacional e era um grande evento. Referiu também os concursos hípicos no Parque, nos quais participavam os melhores cavaleiros, as idas ao cinema no Salão Ibéria e os espectáculos de teatro no Pinheiro Chagas, equipamento que não queria que tivesse sido mandado abaixo.
“Dantes tudo que dizia respeito à cidade era vivido com alegria”, disse, referindo-se à passagem dos ciclistas, à elevação da terra a cidade (1927) ou à subida do clube da terra à primeira divisão (1954). Todos estes motivos foram celebrados com grandes festas que mobilizaram milhares de pessoas.
“Parece que agora não há ninguém que puxe pelas Caldas, aguenta-se aqui o que o destino quer e não se faz mais nada”, disse a centenária.
Também tem saudades da estadias na Foz do Arelho durante as férias, dos piqueniques e dos passeios ao luar (pois não havia ainda energia eléctrica) . “Alugávamos uma casa na vila e convivíamos com várias famílias. Era mesmo muito agradável”.
“Por enquanto ainda trato de mim”
Lídia Pina tem uma filha, dois netos e dois bisnetos, que são a sua alegria. “Vou aproveitando estar cá e usufruir do bem que Deus me deu”, disse a centenária. E qual é o segredo da sua longevidade, de forma tão lúcida? “O poder de aceitação”, disse Lídia Pina. Mesmo quando há coisas que a contrariam “tento aceitá-las pois vejo que há tanta gente em piores situações”.
Passear é que já não. “Estou muito mandriona”, diz. Apoia-se numa bengala pois tem um problema na perna esquerda. Já teve alguns problemas de saúde, que superou, um enfarte e um problema de retenção de líquidos.
Ainda tem gosto em ir à Praça da Fruta pois “as vendedeiras conhecem-me e até há algumas que me julgavam já acamada e ficam muito surpreendidas quando me vêem assim bem”.
O que gostava mais de fazer? Trabalhos de mão, malhas, rendas, crochés e alguns bordados.
“Sabe do que é que eu tenho medo? De perguntar pelas pessoas que conheço. Receio porque têm-me morrido muitas… e então já não pergunto”.
Sabe também que, por vezes, come menos do que devia e é a filha que lhe chama a atenção. Ainda é Lídia Pina que faz as suas refeições e arruma o seu quarto. “Por enquanto ainda trato de mim”, disse a centenária, que ainda mantém o hábito de ir à cabeleireira.
Com que periodicidade? ”Sempre que me dá na real gana”, rematou.
Assistir ao 16 de Março de binóculos
Corria o dia 16 de Março de 1974 e Lídia Pina estava na cozinha a dar ordens. De repente, apareceu de rompante uma funcionária que gritava que “há tropas a avançar sobre as Caldas!”. E de facto havia. Eram os militares que cercavam o quartel do RI5 de onde, durante a madrugada, tinha saído a coluna para tentar derrubar o regime.
A iniciativa foi gorada, mas gerou-se grande alvoroço na cidade. Tanto que houve um grupo que quis tentar perceber o que se passava e foi para casa de um oficial do quartel no Avenal para assistir às manobras militares mais de perto. Nessa casa estavam várias esposas de oficiais que entretanto acabariam por ser presos e transportados para o RALIS em Lisboa.
“As esposas estavam muito aflitas, naquele tempo não havia comunicações”, lembrou Lídia Pina, que a partir daquela janela, e com recurso a binóculos, ainda assistiu ao cerco e à rendição dos militares. No mês seguinte a Revolução saía à rua. E o que pensa Lídia da revolução? “Gostei do que se passou, andávamos todos muito preocupados, mas depois…. também tive muitas decepções”.






























