Latitudes regressa em 2025 com “mais força” e a curadoria de José Luís Peixoto

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O festival de literatura e viagens, que decorreu em Óbidos entre 11 e 14 de abril com dezenas de atividades, quer afirmar-se em complementariedade ao Folio. O escritor José Luís Peixoto volta a assumir a curadoria e continua a aposta na descentralização das iniciativas por todo o concelho

“Eu sou bióloga, não há um gene para fazer a cama, um gene para lavar a loiça ou para cuidar dos filhos… há genes para ser gente”. Palavras de Violante Saramago Matos, filha de José Saramago que, na apresentação do livro que coordenou – “50 anos, 50 vozes, 50 mulheres”, falou da condição feminina antes do 25 de abril de 1974.
A autora lembrou que durante a ditadura as mulheres não tinham voz. “Do ponto de vista social uma mulher não existia, ninguém lhe perguntava nada”, pelo que o livro pretende ser um testemunho do que pensava uma parte da sociedade que não era ouvida. Também para ela, na altura uma estudante universitária que vivia numa “bolha”, o verdadeiro conhecimento do país de então chegou através dos 50 depoimentos, que vão desde a mulher do Presidente da República à camponesa em cuja casa o pai esteve quando preparou o Levantado do Chão.
“O 25 de Abril para além do que é comum a toda a gente, tem para a mulher um outro peso emotivo”, salientou Violante Saramago Matos, lembrando que durante todo o período da ditadura houve uma “subjugação, humilhação, tentativa de reduzir a zero metade do país”. A obra lançada no último dia do festival, 14 de abril, incidiu sobre uma das temáticas abordadas no Latitudes, mas que terão continuidade no Folio, que é a comemoração dos 50 anos do 25 de Abril e a evolução do papel da mulher na nossa sociedade, explicou a vereadora Margarida Reis.
Para o curador, José Luís Peixoto, um festival de literatura e viagens, nunca pode esquecer o seu ponto de partida, neste caso o concelho de Óbidos e a região Oeste. “Faz parte da viagem esse regresso, em que depois olhamos para nós próprios de outra maneira”, refere, realçando a importância de se refletir sobre a vila e a sua identidade, que é atração diária de milhares de pessoas, de pontos do mundo mas também de Portugal. “No fundo, utilizar os livros, a escrita e a leitura para se pensar sobre a cultura e quem somos”, referiu o curador à Gazeta das Caldas.
A sua programação procurou assentar na diversidade, até porque, referiu, as fronteiras entre as várias artes não são definidas, e também ter uma perspetiva integradora.

Descentralização pelas freguesias
Este ano a descentralização do evento às freguesias foi mais abrangente, com a atividade Viagens na Minha Terra a passar por todas elas e a possibilitar experiências que mostram a sua identidade. Houve visitas a moinhos, adegas, experiências gastronómicas e até a recriação de lavar a roupa à mão junto à nascente.
Também José Luís Peixoto é natural de uma freguesia, Galveias (concelho de Ponte de Sor), e reconhece que a harmonia e integração ao nível do território e das populações é muito importante. “Acho que a literatura e as artes, como áreas humanistas, têm esse caráter de união”, concretiza.
Já com “muitas ideias” para a próxima edição, o curador quer ver a afirmação do festival, que considera ter muito potencial.
Também a vereadora Margarida Reis salienta que o festival tem de se tornar “firme” e depois descentralizar. “É uma grande marca descentralizar, ir para as aldeias, envolver todo o concelho. Também queremos ir às escolas, com as oficinas, e trazer as escolas aos eventos”, salientou.
A autarca reconhece que o festival ainda não atingiu a sua “plenitude” e realçou a importância de ter um evento âncora no primeiro semestre, como complementaridade ao Folio. Por outro lado destacou o papel do curador, que esteve no evento “a tempo inteiro”.

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Atividades para os jovens
Este ano o festival teve mais atividades dirigidas aos jovens, como foi o caso do Termómetro, o festival de bandas emergentes dirigido pelo apresentador de rádio e televisão Fernando Alvim, que trouxe a Óbidos as atuações de Peculiar, Francisco Fontes, Filipe Furtado e Luca Argel. Novidade também foi o projeto Entre Nós, que arrancou com um concerto de voz e piano, com a jovem obidense Beatriz Ferro e Melanie Russo. Integrado no festival foi assinado o protocolo do Plano local de Leitura entre o município e o PNL2027. “Um ato formal e simbólico”, referiu a comissária do Plano Nacional de Leitura, Regina Duarte, acrescentando que pretendem dar visibilidade ao que é feito nos territórios. “É muito mais interessante apoiarmos ações que são pensadas pelos territórios para as suas comunidades do que estarmos a criar medidas, a nível nacional, que são anónimas, não têm identidade e não fazem sentido em diferentes territórios”, referiu, na cerimónia. No caso de Óbidos, há uma “responsabilidade acrescida” pelo facto de ser uma vila literária, disse, pedindo para que “possam partilhar as práticas e servir de inspiração a outros territórios que queiram apostar mais na leitura”.
Lançamentos de livros, conferências, exposições, oficinas, espetáculos de música, dança e teatro integraram o festival onde foi também construído um Mapa das Vontades. Colocada na Praça de Santa Maria e dinamizado pelo AtelierSER, a obra coletiva resultou de um mapa das ruas da vila,de grandes dimensões, que as pessoas apelidaram (e pintaram) com sentimentos positivos, tornando-se um mapa afetivo. ■

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