
130 jovens utilizaram o lápis azul para desenharem a liberdade, numa sessão, que decorreu no CCC e incluiu uma mesa-redonda sobre a vivência da censura e limites à liberdade de expressão na atualidade
A historiadora Irene Pimentel andava a colar cartazes clandestinos contra a guerra colonial na noite de 24 para 25 de Abril de 1974. Por volta das 3h30 da manhã regressava a casa pela rua onde funcionava o Rádio Clube Português que, minutos antes tinha sido tomado pelos capitães de Abril. Nuno Santos Silva foi um dos oito militares que, nessa madrugada, foi “bater à porta” da “única estação que emitia para todo o país” e disse ao porteiro: “estamos aqui para dar um golpe de Estado”. Antes tinham definido que não haveria, da sua parte, qualquer atitude violenta, pelo que explicaram a todos os trabalhadores o que pretendiam fazer e “toda a gente acatou”. O testemunho, na primeira pessoa, foi dado a 15 de março, no CCC, na mesa-redonda sobre a vivência da censura e limites à liberdade de expressão na atualidade, dinamizada pela Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril e enquadrado na evocação do 16 de Março de 1974.
Perante uma plateia de 130 alunos do terceiro ciclo dos agrupamentos de escolas das Caldas, o agora coronel Nuno Santos Silva lembrou o seu percurso e como o fenómeno da guerra o fez ter a percepção da realidade do regime. Fez duas comissões em África e foi durante a Guerra Colonial que entrou em rutura com a ação militar.
Regressou a Portugal em agosto em 1973 e já havia uma conspiração em marcha, na qual também “quis participar”. Passados 50 anos, não tem dúvidas: “o 25 de abril é sobretudo um ato de emoção, que transporto toda a minha vida e que quase justifica a minha existência”, disse, convidando os jovens a viverem com emoção a vida social. “Deixo-vos a herança. Não há ninguém com capacidade de definir o futuro senão vocês, que são jovens”, realçou o capitão de Abril, que, simbolicamente, escolheu a jovem negra Aminilsya Rosário, que se encontrava na plateia, para ler o comunicado das Forças Armadas que, na madrugada de 25 de abril de 1974, foi lido pelo jornalista de serviço na rádio, Joaquim Furtado.
“O dia mais feliz”
Também a historiadora Irene Pimentel disse ter-se tratado do “dia mais feliz” da sua vida e que, embora não tivesse ido logo para a rua pois não sabia qual a origem do golpe de Estado, começou a ouvir na rádio as canções que eram até então proibidas.
Até essa altura “havia uma só linguagem que era a do regime, da ditadura”, referiu a historiadora, lembrando o “famoso lápis azul” com que os censores eliminavam as notícias. “Não havia, à conta disso, em Portugal, aborto, suicídio ou crimes, porque o regime queria dar a imagem de um paraíso”, explicou, acrescentando que, a par da manipulação noticiosa, a grande maioria da população era analfabeta e não tinha acesso à leitura.

“Vocês são netos da revolta das Caldas”
“Hoje, se fizéssemos um golpe de Estado iríamos ocupar o Youtube e o TikTok”, começou por dizer o ilustrador Nuno Saraiva, consciente que “todos vocês têm a comunicação dentro dos vossos bolsos”. Pediu aos jovens que “não normalizem” a importância do 25 de Abril e que olhem para o acontecimento como “algo que vos deixa viver livremente”. Nascido quatro anos antes da revolução, o ilustrador partilhou a sua experiência enquanto filho de um militar que combateu na Guerra Colonial em Moçambique. Dessa altura guarda a “memória do momento” em que, ainda muito criança, assistiu ao ato desesperado de um alferes, que disparou sobre o seu próprio pé para poder fugir à guerra e voltar para Portugal. “É importante celebrar Abril para que estas coisas não voltem a acontecer. Vocês são netos dos capitães de Abril, da revolta das Caldas, e devem segurar isso no coração”, concluiu.
Também presente na cerimónia, o presidente da Câmara, Vitor Marques, lembrou que a liberdade perde-se de “um dia para o outro” e pediu aos jovens para estarem atentos, lembrando que há muitos países que não vivem em democracia.

“Em Portugal temos uma dívida, todos, para com estes homens [capitães de Abril] que tomaram nas suas mãos a obrigação de fazer cair um regime ditatorial que não respeitava as pessoas para nos devolver um regime livre”, referiu a vereadora Conceição Henriques, destacando que as armas foram postas ao serviço da liberdade, democracia e da paz.
A sessão da campanha “A minha liberdade é de todos”, um projeto que transforma o lápis azul usado pela censura num símbolo da liberdade de expressão, terminou com os alunos a desenharem, com o lápis azul, em azulejos a sua interpretação da liberdade. No final foram escolhidos cinco, que irão integrar o Mural da Liberdade, um mural digital colaborativo que será revelado em abril no site do projeto. Este conta já com a participação de mais de 200 escolas e mais de 500 intervenções online. ■






























