José Saramago celebrado na região com várias iniciativas

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Uma das pinturas de Santa-Bárbara que foi representada pelos estudantes

Quadros vivos, palestras, exposições e leituras de obras foram apenas algumas das atividades realizadas na região para assinalar o centenário do nascimento do único Nobel da literatura portuguesa.

Os quadros que José de Santa-Bárbara pintou a propósito do Memorial do Convento, de José Saramago, ganharam vida ao serem representados pelos alunos da Escola Rafael Bordalo Pinheiro. Esta foi apenas uma das várias iniciativas que a secundária das Caldas decidiu realizar, a 16 de novembro, dia em que se assinalou o centenário do nascimento do único prémio Nobel da Literatura português.
José Santa-Bárbara foi amigo do escritor e foi convidado a participar neste evento.
Os três quadros vivos, feitos a partir das pinturas de “Memorial do Convento”, foram a A Ara de Cheleiros, a Leva da Infanta e o Espírito Santo, este último relacionado com o episódio da Passarola, o objeto voador do padre Bartolomeu de Gusmão.
“Gostei mesmo muito do que fizeram, foi tão bem feito…Até me comovi…”, disse o artista, ligado às Caldas desde a sua infância.
“E também tive muito gosto em regressar a uma escola onde lecionei Desenho nos idos anos 60 ”, contou o artista que além de docente foi um dos artistas que laborou no Estúdio Secla.
Santa-Bárbara costuma dizer que é das Caldas pois “uma pessoa é da terra onde aprendeu a nadar, a andar de bicicleta e a jogar ao berlinde e foi cá que aprendi tudo isso!”, rematou o artista plástico que tem um filho caldense que se dedica à fotografia.
“Fiquei muito ligado ao livro por várias razões”, disse o artista salientando que aquela obra de Saramago “se dedica a uma história verdadeira e onde se faz um retrato de um povo”.
E quando o Memorial foi publicado, em 1982, “li-o de uma assentada e tinha a sensação de que o estar a ver diante dos meus olhos”. E por isso pensou que iria fazer algo sobre o que tinha lido .
“Hei-de fazer algo sobre o teu livro”, disse ele a José Saramago e assim fez em finais da década de 1990, tendo feito a sua própria leitura pictórica da obra e que resultou em 35 pinturas e 11 estudos.
Saramago chegou a deslocar-se ao ateliê do artista e ficou pasmado com o que viu….O escritor tinha recusado muitas vezes a autorização que lhe pediam para adaptar este seu livro ao cinema e dava sempre a mesma resposta: “Não quero ver a cara das minhas personagens”, escreveu o Nobel no prefácio do catálogo de “Vontades” lançado em 2001 aquando da exposição de Santa-Bárbara na Biblioteca Nacional em 2001. Essa atitude de não querer conhecer o rosto das suas personagens só aconteceu até conhecer as pinturas de José de Santa-Bárbara que retratou muitas delas, sobretudo as principais. E o Nobel comentou: “Sei finalmente como era Blimunda. Foi preciso esperar 20 anos, mas valeu a pena”. Alguns quadros deste projeto foram adquiridos por entidades públicas e também por privados.
O escritor comprou cinco:“ Uma delas está na sua Fundação, outra na sua casa em Lanzarote”, contou o pintor, que tem sete destas suas obras. As pinturas sobre o Memorial foram apresentadas em vários espaços de Lisboa, Évora, Caldas da Rainha e também na Festa do Avante.
“É bom receber este retorno tão positivo por parte da comunidade e também do artista”, disse Cecília Correia, docente de Artes Visuais e que coordenou o evento do centenário, com a ajuda da artista residente, Amábile Bezinelli que está a trabalhar na escola, através do Plano Nacional das Artes, também liderado por Cecília Correia. Na sua opinião algumas iniciativas do centenário poderiam voltar a ser representadas sobretudo “para Pilar del Rio o poder conhecer”.
As celebrações de Saramago tiveram outras iniciativas como conferências, exposições e até uma instalação onde participaram cem estudantes que leram excertos da obra, sentados em igual número de cadeiras, colocadas num interior de um dos edifícios daquele estabelecimento escolar.
Ao longo do dia, as comemorações de Saramago contaram com a colaboração de outras entidades como a Rede de Bibliotecas Escolares, a Biblioteca das Caldas, o Centro de Formação de Associações de Escolas Centro-Oeste, a ESAD.CR, a Escola de Hotelaria e Turismo do Oeste, o Conservatório das Caldas, o Agrupamento Raul Proença, a Escola Básica D. João II, além do Projeto Cultural de Escola que envolveu a comunidade escolar.

Homenagem em Óbidos
José Saramago nasceu a 16 de novembro de 1922 e foi registado dois dias depois, a 18 de novembro. 100 anos depois foi-lhe prestada homenagem em Óbidos, na Casa José Saramago, com um colóquio sobre a vida e obra do autor, com a presença do curador, António Marques, e António Correia, coordenador do STAL – Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local, entidade que promove a exposição itinerante “José Saramago, um escritor de inquietações”.
Apelidado pelos pais de José de Sousa, estes viriam a descobrir o nome completo do filho quando lhes foi pedida a certidão na escola, que continha José de Sousa Saramago, este último nome a alcunha como era conhecido o pai e que quem o registou achou por bem colocar. A estória foi partilhada por António Marques, conhecedor da vida e obra do prémio Nobel, que nos seus diversos livros sempre destacou os mais desfavorecidos.
A obra “Levantado do Chão”, manuscrita em 1977 e publicada em 1980, esteve em destaque por ter sido aquela em que Saramago adopta o estilo que vem a caracterizar a sua escrita, interligando o discurso directo e o indirecto e passando por cima das regras sintácticas. Mas este é também o livro que leva o escritor lisboeta até à vila de Lavre, no concelho de Montemor-o-Novo, para viver durante um período e conhecer de perto a vida dos trabalhadores agrícolas sobre quem escreve.
Foi também esta obra que cativou José Correia a ler Saramago, partilhou com os presentes, acrescentando que o escritor aprofundou uma linha, que manteve até ao final, de tomar partido dos oprimidos e dos mais desfavorecidos, tal como o sindicato. A sua intervenção cívica e o sentido ético também foram destacadas pelo dirigente sindical.
A exposição comemorativa do centenário de Saramago é composta por um conjunto de painéis com fotografias, pensamentos, estratos das obras e de entrevistas, além de momentos da vida do escritor, que podem ser visitados, até 18 de dezembro, em 10 espaços da vila. Para além desta mostra, itinerante, a autarquia de Óbidos organizou um programa especial de centenário, que decorre até 18 de dezembro e integra oficinas, conversas, palestras e cinema. “Durante este mês muitas coisas vão acontecer em Óbidos e muito a pensar nas nossas escolas”, referiu a vereadora Margarida Reis, acrescentando que pretendem levar os alunos a conhecer os vários espaços da vila, mas também aguçar-lhes o pensamento crítico e literário.
Quem entra na Casa José Saramago depara-se com o rosto do escritor, em barro, que está a ser criado, ao vivo, pelo escultor Carlos Oliveira e que começou durante o FOLIO. “As pessoas viram-me colocar o primeiro pedaço de barro e a obra nascer”, conta o artista que deu escala à fotografia que foi selecionada para a comemoração do centenário. Ao lado estão os quadros de Luís Vieira-Baptista, criados para a exposição sobre o escritor, em 2012, no Teatro Nacional de S. Carlos. Nas suas telas há referências a várias obras do nobel português, assim como a algumas das suas personagens, como é o caso de Blimunda, e a momentos da sua vida, como a noite em que se perdeu em Lanzarote.

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