
Perante uma sala repleta, o historiador e comentador falou sobre a sua obra, a guerra na Ucrânia, as responsabilidades do Ocidente e os perigos que aí vêm
Descendente de pescadores da vila de Caxinas, José Milhazes, nascido na Póvoa do Varzim, fugiu à vida dura e rumou até à ex-União Soviética, onde chegou em 1977, com 18 anos de idade, em busca do “futuro radioso da humanidade”. No entanto, viria a perceber que “o comunismo é como a linha do horizonte, por muito que nos tentemos aproximar, a linha vai-se afastando”.
Mas foi na então União Soviética que se formou em História e viveu durante 38 anos, a trabalhar como tradutor e correspondente português da TSF, do Público e da SIC. Nesse período pôde assistir “ao vivo e a cores” a todo o processo que passou da dissolução da União Soviética até à tomada do poder por Vladimir Putin. José Milhazes, que regressou a Portugal em 2015, é autor de vários livros, o últimos dos quais “A Mais Breve História da Rússia: dos eslavos a Putin”, publicado pela Dom Quixote em fevereiro do ano passado, duas semanas antes da Rússia invadir a Ucrânia, e que foi o livro de não ficção mais vendido em Portugal em 2022. Deveria ter saído mais cedo, recorda, mas com a pandemia a editora aconselhou a protelar e, acabou por sair no momento certo, como o comprovam as nove edições já feitas.
No passado sábado, 16 de junho, José Milhazes esteve a apresentar a obra no café concerto do CCC, numa organização da Gazeta das Caldas e do Grupo Leya, perante uma sala repleta de admiradores e curiosos. “Venho falar do meu livro mas não há grande coisa a dizer sobre ele, lê quem quer e, se gosta e lê até ao fim, se não gosta …”, começou por clarificar um bem-humorado autor, que já foi “acusado” de estar a ficar rico com a guerra.
Em tom mais sério, explicou que o escreveu como “antídoto” para as “asneiras” que ouvia frequentemente sobre a Rússia e os países vizinhos e, por outro lado, para mostrar a importância que o país tem no mundo e a forma de pensar daquele povo, essencial para se compreender a guerra na Ucrânia.
Desafiado pela editora a escrever a mais breve história da Rússia, que não podia ter mais de 300 páginas, José Milhazes optou pela utilização de uma linguagem bastante acessível, sacrificando o academismo. E a história acaba com a chegada ao poder de Vladimir Putin pois, de acordo com o historiador, “podia avançar mais no tempo mas isso já não é história, é jornalismo. A história tem de deixar pousar o pó”.

José Milhazes falou das responsabilidades que a Europa e os Estados Unidos têm no que está a acontecer, pois “faziam de conta que não viam o perigo em Putin”, lembrando a invasão da Geórgia, em 2008, seguindo-se a ocupação da Crimeia. “Infelizmente as elites políticas ocidentais são de muito fraca qualidade”, disse, denunciando que, muitas das vezes, colocam os interesses económicos à frente dos direitos humanos e interesses políticos. Milhazes apontou o dedo concretamente à Alemanha, que “exportava mais Mercedes para a Rússia do que para toda a Europa”, ou aos Estados Unidos que não integram o Tribunal Penal Internacional, que assinou o mandato de captura de Vladimir Putin.
Os cenários possíveis
“Na questão da Ucrânia a coisa é muito clara para mim: há uma violadora, chamada Rússia, e uma violada chamada Ucrânia e não há nada que justifique aquilo que Putin está a fazer”. Este o princípio do qual José Milhazes parte para discussão sobre o assunto da guerra. Referindo-se ao presidente da Rússia, apelidou-o de “narcisista” e de viver num “mundo paralelo”. Com a guerra “até aos cabelos”, Milhazes deixou o aviso: preparem-se para o pior. “Se Putin conseguir atingir os objetivos na Ucrânia vai continuar por aí fora. Caso contrário, a Europa vai ter que se reorganizar”, disse, dando conta da desmilitarização do Ocidente.
O historiador e comentador, não sendo militarista, realçou que os países devem de estar bem preparados para as evitar. “Defendo uma Europa e uma NATO fortes”, disse.
E o que será uma vitória nesta guerra? Para a Ucrânia será “libertar os territórios de leste e a Crimeia, não conquistar parte do território russo”, explicou, acrescentando que, por outro lado, para a Rússia seria conquistar a Ucrânia e mudar o seu regime. E, ainda que acredite que a Rússia já não o conseguirá fazer, José Milhazes refere que, se Putin “ocupar a parte leste da Ucrânia que diz ser russa, poderá dizer que cumpriu o seu objetivo”.Um cenário também possível é a Rússia desintegrar-se e isso será uma grande tragédia, acrescentou o autor, dando conta que se trata de um “país gigantesco, com numerosos povos e bombas atómicas que nunca mais acabam”. Deixou, por isso, um desafio às novas gerações, para tomarem uma posição “mais ativa” na política, sob pena de terem de enfrentar grandes dificuldades, inclusive de sobrevivência, no futuro.

Vir às Caldas comprar cerâmica
Esta não foi a primeira vez que José Milhazes veio às Caldas. Já tinha visitado a cidade, com o filho, para andar de patins em linha, e também para fazer compras na loja da Fábrica Bordalo Pinheiro “quando era barata!”.
Apresentação do livro, debate e sessão de autógrafos com o autor, foi a primeira de uma série de iniciativas que a Gazeta das Caldas está a organizar no âmbito do seu 98º aniversário. ■






























