
Começou por ser uma pequena lição sobre jornalismo, mas a conversa com o jornalista Samuel Costa no CCC das Caldas da Rainha, a 7 de Abril, acabou por se tornar num debate sobre a forma como o conteúdo informativo dos noticiários na televisão está a ser invadido pelo carácter lúdico dessa informação.
Para aquele jornalista, a informação, tal como a justiça e a saúde, é uma área que deve ser protegida em democracia.
Samuel Costa foi durante vários anos correspondente da RTP em França, onde trabalhou na televisão pública francesa, entre outros órgãos de comunicação social.
“O que eu quero fazer convosco é trocar impressões e aprender mais alguma coisa sobre estas questões”, começou por dizer, ressalvando que não queria fazer a crítica de nenhum canal de TV específico ou de colegas de profissão.
Samuel Costa explicou ao público presente que o jornalista, para ser imparcial, tem de dar uma visão global de um acontecimento porque cada uma das pessoas tem a sua própria realidade.
É por isso que levanta algumas dúvidas em relação a certas notícias feitas pelos “repórteres de guerra”, no qual é apresentada uma visão muito localizada da realidade.
“Ele pode estar num local onde muitas pessoas estão a morrer ou noutro sítio onde nada está a acontecer” e isso condiciona o que vai ser relatado.
Samuel Costa apresentou uma reportagem exibida recentemente num noticiário, em que o jornalista acaba por se tornar a própria notícia numa alegada situação de perigo na Líbia. “Começámos a ver uma peça em que se fala dos rebeldes de um lado e as tropas do Khadafi do outro e acabámos por ver o relato da situação do próprio jornalista”, comentou.
Na sua opinião, isto reflecte uma invasão “da informação pura por uma dose de espectáculo” porque, como telespectador, preferia que o jornalista se limitasse a informar sobre a situação que se vive na Líbia e que, por exemplo, entrevistasse os rebeldes para saber o que os move nesta guerra civil.
As únicas “condicionantes” que os jornalistas devem ter no seu trabalho são a deontologia, o género de órgão de comunicação social para que trabalha e o acontecimento em si. “O resultado vai ser uma mensagem que corresponde ao equilíbrio encontrando entre as necessidades da empresa em que trabalha (género de jornalismo), o cumprimento da deontologia e a obrigação de levar ao público a informação segundo os melhores parâmetros”, explicou.
Depois de exibir alguns noticiários da TV nacional e francesa, Samuel Costa comentou a forma como os canais portugueses abusam de elementos distractivos nos noticiários. “Atrás do pivot [apresentador], no décor, estão uma série de coisas e há rodapés a passar ao mesmo tempo”, referiu.
Comparando esta situação com um noticiário francês sem essas distracções no ecrã, afirmou que “se o objectivo for só comunicar, este décor é mais eficaz”. Na sua opinião, o objectivo dos elementos decorativos nos noticiários portugueses é “manter as pessoas sentadas a olhar para a televisão”.
“Durante os telejornais as redacções estão a ver o que fazem os outros e mudam os alinhamentos para ficarem mais próximos e vão a intervalo ao mesmo tempo”, revelou.
Para além disso, os noticiários nacionais são os únicos com a duração de uma hora. Samuel Costa explicou ainda que grande parte dos pivots dos noticiários portugueses limitam-se a ler as notícias dos outros jornalistas e nem sequer têm uma palavra a dizer sobre o seu alinhamento.
“Aquele canal francês que vos mostrei só tem um ministro muito de vez em quando e o telejornal é muito curto”, disse.
O jornalista quis também que as pessoas presentes analisassem o seu papel enquanto público, tendo em conta a importância dos noticiários que “conseguem pôr toda a gente a fazer a mesma coisa à mesma hora”. É que “as pessoas que só vêem o telejornal da TVI não vivem a vida da mesma forma de quem vê o telejornal da RTP”, tal é a forma que as notícias condicionam a forma de agir. Deu como exemplo uma notícia da TVI sobre aranhas que fez com que algumas pessoas não quisessem alugar apartamentos no rés-de-chão com receio da proximidade daqueles bichos.
Segundo Samuel Costa, “nos próximos tempos vai haver um desajustar da necessidade económica que está a formatar os telejornais, com uma necessidade sociológica do conteúdo”. Mas só irá haver mudanças quando as audiências começarem a diminuir.
Desvalorização da profissão de jornalista é risco para a democracia
Samuel Costa admitiu que existem muitas pressões sobre os jornalistas e que esta profissão está “a sofrer uma erosão muito grande, do ponto de vista económico e da actuação profissional”.
Os jornalistas devem ter autonomia para decidir o que pode ser ou não notícia e capacidade para recusar dar informações que não considerem relevantes.
Por outro lado, “neste momento a deontologia está de rastos pois vemos jornalistas a atacaram personagens políticas, por exemplo”. Por isso, o público deve exigir mais dos emissores, exprimindo através dos vários meios (email, telefone ou até carta) o seu descontentamento.
Samuel Costa lamenta que os jornalistas sejam tratados “como antigamente se tratavam as pessoas que trabalhavam no campo, que eram pagas com uma malga de azeitonas e um prato de sopa”.
Um dia, houve um ministro que lhe disse: “quero lá saber, quando ele se volta tem as solas rotas”, relativamente a um jornalista. Desta maneira, a própria profissão é desvalorizada porque a fragilidade da estabilidade económica de um jornalista pode influenciar negativamente no seu trabalho.
“A informação numa sociedade democrática é um elemento essencial, estratégico e imprescindível”, referiu e quando há um “estado de fraqueza da profissão”, isso leva a que haja “uma demissão completa em relação ao seu próprio trabalho”.
Um dos exemplos que deu desta situação, foi um trabalho que lhe pediram para fazer sobre o facto de a Macdonalds ter passado a vender um menu vegetariano. Na altura acabou por ir ao local, mas não fez nenhuma reportagem porque entendeu que não havia motivo para notícia, tendo em conta outras matérias que considerara mais relevantes. “Eu pude fazer isto porque já tinha uma certa idade”, alertou, deixando o conselho para que as pessoas se manifestem mais pela qualidade da informação em Portugal.






























