“Como serão os jornais do futuro?” deixou de ser a pergunta do milhão de dólares para ser a do bilião. O “negócio” das notícias está a mudar, a Inteligência Artificial a chegar e nada será como dantes.
Prestes a completar um século, a Gazeta das Caldas assinala, no próximo sábado, 1 de outubro, 97 anos de serviço à região. Com o centenário no horizonte (2025) e desafios permanentes a obrigar a respostas enérgicas, ninguém pode afirmar como será a Gazeta do próximo século, mas há pistas que indiciam que nada será como dantes e que o papel vai coexistir com o digital, faltando ainda saber em que formatos.
Também em 2025, o jornal mais antigo em língua portuguesa, o brasileiro “Diário de Pernambuco”, celebra uma data redonda, neste caso o 200º aniversário. Do quadro de jornalistas daquele título faz parte Múcio Aguiar Neto, que é presidente da Associação da Imprensa de Pernambuco, e defende que é preciso pensar no futuro dos jornais para o próximo século.
“Estamos a comemorar os 200 anos de publicação, mas já temos de pensar nos 300 anos dos jornais”, advoga o jornalista, que não tem dúvidas sobre os caminhos que o jornalismo terá de dar para se manter relevante para as comunidades que pretende servir.
“Temos de se capazes de dar não só a notícia do dia-a-dia, pois somos cronistas da história de hoje, mas temos de pensar também na história do passado e trabalhar como arqueólogos, escavando tudo o que foi construído pela humanidade e está nas páginas dos jornais”, frisa Múcio Aguiar Neto, destacando que os jornais têm uma grande vantagem: “temos o que mostrar”.
Nas últimas décadas, o leitor “tem-se modificado” e, para o presidente da Associação da Imprensa de Pernambuco, entidade fundada em 1931, os títulos devem saber adaptar os conteúdos e, por conseguinte, as plataformas de distribuição da informação.
“Temos o leitor do jornal impresso, que tende a ser mais analítico, mais crítico, e temos o leitor do jornal digital, que é mais informativo”, sublinha o jornalista, que olha para o futuro com uma grande empreitada: “O nosso grande desafio é harmonizar as várias plataformas, entregando ao leitor do jornal impresso um conteúdo diferenciado, pensado, mais trabalhado e ao leitor da internet a informação ao minuto. Além de ter uma presença nas redes sociais, que não podemos deixar de lado, pela rapidez com que elas distribuem as notícias”.
Entidades que denotam preocupação com o futuro do setor, embora por razões distintas, o “Financial Times” e a Google têm vindo a desenvolver esforços no sentido de apoiar empresas de comunicação social a encontrar um caminho de sustentabilidade para o “negócio” da informação. Foi assim que nasceu a Fundação North Star, que decorre no âmbito da Google News Initiative, que incentiva os jornais, rádios e televisões de vários países a descobrirem os objetivos estratégicos (a chamada Estrela do Norte) e encontrar um caminho para lá chegar.
O especialista em marketing Tim Part, diretor-geral da FT Strategies, a estrutura interna do “Financial Times” que se dedica a desenvolver o modelo de negócio de outras empresas de comunicação social, explica que a “experimentação” é um conceito que tende a ser vital para o sucesso de uma empresa que quer vingar num setor tão ameaçado. E embora, não havendo receitas infalíveis para o sucesso, a postura dos jornalistas perante o fator notícia pode mesmo precisar de um ajuste de rota.
“É importante estudar os interesses dos leitores, obter métricas e analisar esses dados”, frisa o especialista, para quem as empresas devem “abandonar o antigo modelo em que os jornalistas tratavam os assuntos que consideravam ser importantes para os leitores e passar para um modelo em que o leitor é o centro da tomada de decisão dos jornalistas”.
Para a italiana Patrizia Duda, docente universitária que também trabalha com o “FT” no projeto da Fundação North Star, o que aí vem é simples. “A informação vende, os factos vendem, e, por isso, aos jornalistas cabe perceber de que forma podem chegar aos leitores nas várias plataformas”, seja na edição impressa ou no digital, considera a consultora em estratégia de desenvolvimento.
Para Tim Part, contudo, há algo que tem de mudar nas organizações para que os objetivos de encontrar um modelo de negócios sustentável possa verificar-se, seja num título de grande circulação ou num jornal local ou regional. “É preciso haver cultura de empresa e trazer as pessoas para o mesmo sentido”, salienta o quadro do Financial Times, que trabalha com um modelo que define “hipóteses” de trabalho e métricas de avaliação da estratégia, como forma de apoio à gestão.
Do que parecem não restar dúvidas é que a Inteligência Artificial (IA) já chegou à “indústria”, havendo vários exemplos de como podem ajudar a impulsionar a vertente digital das empresas de comunicação social. Neste momento, perante a existência de sistemas informáticos muito avançados, que há quem admita que os computadores podem, num futuro próximo, vir a criar notícias sem a intervenção humana.
Entrevistado pelo portal Medium, Charlie Beckett, diretor do Polis, o think-tank internacional de jornalismo da London School of Economics and Political Science, declarou recentemente que a IA “não vai matar o jornalismo, mas também não vai salvá-lo sozinha”. “No entanto, pode desempenhar um papel na ajuda ao jornalismo para provar o seu valor para o público, numa altura em que a desinformação e a polarização estão a tornar mais difícil do que nunca para o cidadão encontrar os factos e o debate que o podem ajudar a viver as suas vidas”, salientou o investigador, certamente mal amado entre a classe dos jornalistas que ainda têm esperança de continuar a ser imprescindíveis para as socidades modernas.






























