Jorge Ventura é um dos fundadores da Associação Regional Caldense em Newark (Estados Unidos da América) e, pela quarta vez, o seu presidente. Criada com o objectivo de unir os que emigram para o outro lado do Atlântico, a associação conta, este ano, o seu 32º aniversário.
O empresário nasceu no Painho (Cadaval) em 1948 e veio com dez anos viver para as Caldas, cidade onde se fez homem e de onde partiu para os Estados Unidos aos 26 anos depois de uma estadia em Angola onde fez tropa e trabalhou. Hoje é gerente de uma empresa de import-export em Newark.
De férias nas Caldas da Rainha onde possui casa e onde vem frequentemente, Jorge Ventura falou à Gazeta das Caldas do seu percurso e da associação de caldenses de que foi fundador.
GAZETA DAS CALDAS – O que o levou a criar a Associação Regional Caldense?
JORGE VENTURA – Quando emigrei sentia-me um pouco sozinho lá, não conhecia muitas pessoas. E não existia a RTP Internacional, por exemplo. Foi para combater a nostalgia e o saudosismo que um grupo de 13 jovens criou a associação. Demos-lhe esse nome e depois o símbolo é a fusão entre o escudo da cidade e a águia, que tanto remete para os Estados Unidos como para os bombeiros.
O nosso objectivo principal é potenciar, pelo menos, um encontro anual aos que para a América emigram, não só para Newark, como também para outras cidades e estados.
Temos também duas bolsas para estudantes luso-americanos que entrem na universidade e que sejam filhos de associados, cá ou lá.
Somos ainda uma das poucas associações que já publicou um livro – A Décima Sétima Freguesia.
GC – Quais as razões que o levaram a emigrar?
JV – Portugal era pequeno para as ambições que eu tinha e como o meu pai estava nos Estados Unidos da América fui-me informando do que, profissionalmente, lá fazia falta. Na altura precisavam de soldadores. Eu, como combati no Ultramar, estava em Angola e, depois de desmobilizado, continuei a viver em Luanda onde tirei um curso de soldador. Depois regressei a Portugal, mas só fiquei uns meses. Em Outubro de 1974 parti com a minha mulher e o meu filho para os Estados Unidos. Fui já com um contrato de trabalho como soldador. Costumo dizer que fui um privilegiado pois já tinha o visto de residência e não ia ilegal.
No entanto, eu venho de uma família de empresários e sempre senti que era na compra e venda de mercadorias que estava o meu futuro.
GC – Portanto, partiu com a família e não foi sozinho à aventura?
JV – Sim. Eu casei em Luanda em 1970. A minha mulher, Alda Ventura, é caldense e vivia com os pais em Angola. O meu filho também nasceu em Luanda e tinha dois anitos quando foi connosco para os Estados Unidos. Já a minha filha, que hoje tem 40 anos, nasceu em Newark.
GC – Ainda se recorda quais foram as primeiras impressões que Nova Iorque lhe transmitiu?
JV – Chegámos de noite, só se viam luzes, muitas luzes. Foi fascinante. E recordo-me de pedir uma coca-cola e ficar muito surpreendido por vir um balde enorme de coca-cola que afinal era quase só gelo. Depois, sentia a falta do futebol, que lá ainda estava pouco enraizado.
As diferenças entre Portugal e os Estados Unidos estão relacionadas com a população que cada país tem. Cá somos 10 milhões, lá são 200…
GC – Em algum momento pensou em regressar a Portugal?
JV – Não! Costumo dizer que cheguei ao país certo no momento certo. No entanto, tenho a sorte de, todos os anos, vir a Portugal pelo menos uma vez. Conheço alguns portugueses que lá estão há 15 anos e ainda nunca cá vieram.
“A Ferry Street é a rua mais portuguesa da América”
GC – Como é a vida em Newark?
JV – É uma cidade tipicamente americana. Tem uma rua, a Ferry Street, que é chamada a rua mais portuguesa da América. No 10 de Junho realiza-se nela uma das maiores manifestações de Portugal lá fora. Reunimos cerca de 300 mil pessoas numa parada.
Lá pode encontrar-se de tudo o que é português, desde o bacalhau ao queijo da Serra, passando pela Água Castelo. A firma onde trabalho, por exemplo, importa todos os anos cerca de 1200 contentores de produtos alimentares portugueses.
Existem cerca de 60 restaurantes portugueses, dos quais quatro ou cinco têm capacidade para mais de 1000 pessoas. Lá existem advogados, presidentes de banco, dentistas, médicos e engenheiros portugueses.
Muitas vezes estamos lá, e se fecharmos os olhos perguntamos se estamos em Portugal ou nos Estados Unidos.
Por exemplo, temos uma praia, chamada San Diogo, onde vou muitas vezes e onde parece que estou na Foz da Arelho. É tanta gente portuguesa ali à volta!…
GC – Há histórias de sucesso de gentes da nossa região por terras americanas?
JV – Muitas! Temos uma comunidade rica em valores. No meu tempo, a nossa presença era mais laboral, mas agora, nesta terceira geração, é mais a nível profissional. Já existem muitos portugueses nos quadros superiores.
Por vezes dizia que, um dia, para se entrar na cidade de Newark, iria ser preciso passaporte português, porque fala-se mais português do que inglês lá. Temos um xerife, um vereador, presidentes de câmara que são de ascendência portuguesa, falam português.
É muito importante, diria até essencial, que não se deixe de falar português: os meus filhos falam tão bem como eu, e os meus netos também.
GC – Como foi receber o prémio de Homem do Ano na parada realizada no ano 2000 ?
JV – São coisas que acontecem sem estarmos à espera. Por um lado é uma surpresa, por outro não. Visto que desde os meus tempos de escola que me envolvo em associações, inclusivamente fiz parte da primeira equipa do Futebol Clube das Caldas, no ano de 1960/61.
Hoje em dia, para além de presidente da A.R.C. sou presidente da Associação de Comandos onde tenho um projecto, com mais 30 ou 40 portugueses, para erguer, na cidade de Newark, um monumento que represente todos os portugueses e luso-americanos que, desde o primeiro dia de independência americana, prestaram serviço militar pelos Estados Unidos. Hoje em dia já é um projecto comunitário.
Mas não me envolvo em assuntos comunitários para ganhar nada, isto tem de ser por devoção e não por obrigação.
GC – A maioria dos emigrantes portugueses na América, é republicana ou democrata?
JV – A maioria é democrata. Eu nunca pertenci a partido nenhum, nem aqui, nem lá, mas a minha ideologia é mais próxima dos democratas.
Gosto dos partidos que possam fazer algo em benefício de todos e não em benefício de alguns.
GC – E o que lhe parece o mandato Presidente Obama?
JV – Acho que deu uma imagem muito positiva para fora dos Estados Unidos. Até porque, aos olhos do mundo, a imagem americana estava muito degradada. Por exemplo, eu como viajo por muitas partes do mundo, entrava muitas vezes nos países com o passaporte português e não com o americano. Obama, também por ser o primeiro presidente negro, deu uma imagem mais liberal e mais acessível em todos os aspectos. Considero o trabalho dele bastante positivo, tendo em conta as dificuldades a nível mundial. Na verdade, nos Estados Unidos nunca sentimos a crise como creio que sentiram em Portugal.
Isaque Vicente
ivicente@gazetadascaldas.pt






























