Jorge Pina: “antes é que eu era cego e agora é que eu vejo”

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Jorge Pina é embaixador para a ética no desporto

No dia 22 de Junho realizou-se uma palestra com Jorge Pina, embaixador para a ética no desporto, na Biblioteca Municipal. A sessão foi promovida pela recém constituída Associação Minerva, que pretende desenvolver projectos culturais, sociais e desportivos. A história de superação deste antigo pugilista é um exemplo que inspira todos os que a conhecem.

Jorge Pina era um jovem de um bairro problemático em Lisboa que, como tantos outros, a certa altura caiu na delinquência. O desporto, nomeadamente, o boxe, salvaram-lhe a vida agarrando-o a ela.
Em 1995, com 19 anos, o pugilista passou a representar as cores do Sporting CP e começou a perseguir o sonho de ser campeão do mundo. Mas isso fê-lo conhecer sentimentos que não gostou, como o ódio e a revolta. “Uma vez perdi em Espanha, para o Barrera, e revoltei-me com a decisão do árbitro e custou-me tanto a aceitar que mais tarde, quando soube que ele tinha deixado de combater por um problema nos olhos, eu disse: bem feito”.
A vida cobrar-lhe-ia muito caras essas palavras e Jorge Pina acabou por perder a visão do olho esquerdo e 90% do olho direito. “Nunca mais desejei mal a ninguém”, contou.
Corria o ano de 2004 quando, durante um treino, lhe apareceram umas borbulhas no olho esquerdo, mas quando foi ao médico este não lhe explicou a gravidade do problema. Tinha um deslocamento da retina, mas continuou a treinar e acabou por ter de ser operado de urgência perdendo a visão desse olho. Tinha 27 anos.
O sonho do boxe ficava pelo caminho, ou talvez não.
Quando ficou sem visão, pensou: “não posso ficar nesta situação, eu tenho de ser feliz” e procurou um caminho.
Começou a praticar atletismo com um guia e logo conseguiu os tempos mínimos que o levaram ao Campeonato do Mundo em São Paulo, em 2007. Seguiram-se os Jogos Paralímpicos em Pequim, depois em Londres e no Rio de Janeiro. “Agora quero ir aos de Tóquio”, confessou.
Nestas provas viu pessoas sem pernas ou braços, mas com uma enorme vontade de viver. “Há pessoas entre a vida e a morte que querem viver, porque é que eu não haveria de querer?”, pergunta-se, notando que “o ser humano queixa-se do nada”.
Jorge Pina realçou que, neste processo de superação, a aceitação dos factos é muito importante. “Não podemos ficar presos porque entramos em depressão. A vida ensinou-me a lutar e quando saí da última cirurgia não me revoltei, aceitei e comecei a correr, parti para outra corrida”.
Apesar da simplicidade do discurso e da energia vibrante de Jorge Pina, obviamente que este não foi um processo fácil. “Eu vi tudo, fazia tudo”, fez notar. De um momento para o outro a vida mudou toda. Os sonhos, as prioridades, as necessidades, as vivências. Tudo mudou.
No entanto, Jorge conseguiu superar as dificuldades e encontrar a felicidade. “O ser humano é que se limita a si próprio, diz que não gosta sem provar, diz que não consegue sem tentar”.
Exemplo disso é a vez que, já depois de cegar, saltou de cabeça de uma prancha com 10 metros de altura para uma piscina. “Foi para mostrar que se eu consigo, as outras pessoas também conseguem”, contou, acrescentando que “o medo existe sempre, mas para nos dar coragem”.
Durante a palestra, o embaixador para a ética no desporto salientou que “nós somos os culpados dos nossos insucessos, não podemos culpar os outros”, lembrando a vez que correu a maratona nos Jogos Paralímpicos de Londres, mas foi desclassificado porque o seu guia cruzou a meta antes dele. “Não o podia culpar, porque senão fosse ele, eu nunca chegaria à meta”, fez notar.
A sua história de vida e os seus conhecimentos sociais e desportivos levaram-no a continuar ligado ao boxe, através de uma associação que criou para proporcionar a prática dessa actividade a jovens de bairros sociais, ensinando-lhes, acima de tudo, os valores que considera essenciais.
Mais tarde criou uma escola de atletismo adaptado, onde trabalha com crianças e adultos. O próximo objectivo é criar uma sede num espaço que a autarquia cedeu à associação em Marvila (Chelas).
Jorge Pina já correu de Caminha a Faro em dez dias e o próximo objectivo é correr entre Fátima e o Vaticano. “Costumo dizer que antes é que eu era cego, agora é que eu vejo”.
Uma jovem na plateia, que tinha menos de 10 pessoas, perguntou: “e se não tivesse perdido a visão?”. Jorge Pina respondeu que “a vida não seria tão boa como esta porque andava perdido com as toxinas do mundo, com o dinheiro e a fama. Eu sou mais feliz agora”, assegurou, com um sorriso contagiante.

Durante uma corrida, com o seu guia à frente
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