
Este desenhador e empresário da construção civil tem 101 anos e é autor de várias obras nas Caldas da Rainha e na Foz do Arelho, entre elas o Colégio Ramalho Ortigão, a esplanada do Parque (Pópulos) e a transformação da sede do Montepio em Casa de Saúde. É de sua autoria também o Bairro Azul, cuja quinta inicial pertencia à sua família. Foi pelo seu traço que foram renovados estabelecimentos comerciais como a Farmácia Branco Lisboa, a Zinália, o Café Lusitano e o Café Central.
O Monte Horeb, onde amanhã se realiza a homenagem, fica na Rua da Paz, no Nadadouro, e é um dos últimos projectos do homenageado.
Joaquim da Silva é um entrevistado especial que descreve com pormenor situações que viveu há mais de 90 anos, mas refere, com humor, que “só tenho boa memória para as coisas antigas pois já não me lembro do que jantei ontem!”.
Nascido a 4 de Outubro de 1909 na Rua General Quirós, nas Caldas da Rainha, o bebé, filho de Izidro Pereira da Silva e de Adelaide Sales Parente, não foi registado pois veio ao mundo um ano antes da instauração da República, altura em que “não havia registo civil pois este só foi criado em 1911, sob o novo regime”, contou o caldense.
O seu pai era natural da Cela (Alcobaça) e foi professor do ensino secundário, ajudante de notário e escrivão de Direito nas Caldas. A mãe foi sempre dona de casa, como era habitual na época e daria à luz mais três filhos.
Era ainda Joaquim ainda bebé de colo quando a sua família se mudou para uma quinta, herdada pela mãe – que anteriormente tinha estado arrendada ao cavaleiro tauromáquico Joaquim Alves – e que ficava onde hoje é o Bairro Azul, em pleno coração da cidade.
A quinta tinha uma área de cerca de dez mil metros quadrados, uma bela moradia do tipo suíço, com cave e sótão muito alto com várias janelas. “Delas avistava-se um panorama que permitia ver a Lagoa”, recordou Pereira da Silva sobre o local onde passou a sua infância. Conta que a quinta tinha cavalariça, árvores de fruto e era toda vedada por um muro alto. Quando havia concursos hípicos nas Caldas “era lá na quinta que ficavam os animais a descansar”, recordou.
Foi, pois, no número 30 da Rua Sebastião de Lima que Joaquim Pereira da Silva aprendeu a ler e a escrever. “Fiz o exame da instrução primária na única Escola Oficial de então, ao lado do Parque, que ficava à entrada da cidade. Passei com distinção”, contou.
Em 1919 Joaquim tinha dez anos. Como não existiam nas Caldas escolas secundárias, “tive que ingressar num colégio interno em Ermesinde”, conta. Jamais esquecerá as viagens de comboio para o Norte, que duravam 12 horas e que implicavam “paragens em todas as estações e apeadeiros!”. Já então a linha do Oeste não era sinónimo de velocidade.
Por causa da distância, os pais de Pereira da Silva decidiriam mudar o filho para Coimbra, onde este completou o ensino secundário, num colégio e depois no Liceu José Falcão.
Depois de uma tentativa falhada para ingressar na Marinha, Joaquim decidiu-se pela Engenharia Civil e foi admitido no Instituto Superior Técnico (IST). Frequentou os primeiros anos e recorda-se que o director do curso era o engenheiro Duarte Pacheco “que já não dava aulas pois era ministro das Obras Públicas”.
Tinha 18 anos quando desistiu dos estudos para começar a trabalhar. Em 1929 entra como desenhador para o atelier do arquitecto Cassiano Branco. É com ele que vai trabalhar nos cinco anos seguintes. “Era um grande arquitecto e trabalhei com ele sobretudo no projecto do Hotel Éden”, que é uma das obras mais emblemáticas de Cassiano (que nessa época estava também a construir o Coliseu do Porto).
Joaquim Pereira da Silva chegou a chefe do atelier. Teve também a oportunidade de trabalhar com o arquitecto Raul Lino nalguns projectos como os palácios Barahona e de Belas.
Depois ingressou numa fábrica de cerâmica, a Lusitânia, que ficava no Campo Pequeno, em Lisboa. “De dia trabalhava na fábrica e à noite fazia os projectos de arquitectura”, disse Pereira da Silva, já nos anos 30 do século passado, dirigiu a construção de duas fábricas de cerâmica: uma no Carregado e uma outra na Moita do Ribatejo. Construiu ainda uma moradia para o director da fábrica e foi autor de dois prédios em Lisboa com cinco andares.
Entretanto como se somavam muitos clientes para projectar moradias e prédios, o caldense resolve deixar a fábrica de cerâmica (que ficava no local onde hoje se ergue a sede da Caixa Geral de Depósitos) e aceita uma quota numa empresa de construção civil que se designava Emídio de Almeida Santos, Lda. Na capital construíram vários prédios, um com 12 andares e iniciaram também projectos de modernização de estabelecimentos comerciais. “Tivemos muito êxito nestes trabalhos sobretudo na baixa de Lisboa”, disse Joaquim Pereira da Silva.
De manhã acompanhava as obras, mas à tarde tinha que ficar no escritório. Teve que aprender contabilidade para a empresa não perder o norte, já que tinha muitas obras em simultâneo e era preciso pulso firme na gestão dos negócios.
Ainda estava nesta sociedade de construção quando projectou e construiu a primeira moradia nas Caldas, em 1946, em frente à Secla, que pertencia ao seu amigo Fernando Jácome.
Entretanto o caldense decide deixar a firma e estabelece-se sozinho para trabalhar em exclusivo nesta região.
Segue-se a construção de dezenas de moradias e prédios na sua terra natal. É uma extensa lista que vai desde projectos nas ruas dos Artistas, da Feira, Leão Azedo, de Camões, das Vacarias, Almirante Cândido dos Reis, Heróis da Grande Guerra, Moinho de Vento, Sangreman Henriques, Praça de Touros, Coronel Soeiro de Brito, Capitão Filipe de Sousa, entre outras.
Teve também intervenções em prédios nas praças da República e 5 de Outubro, na Av. da Independência Nacional e no Largo Heróis de Naulila. É também sua a transformação do Clube de Recreio em casa de saúde do Montepio. Pereira da Silva é o autor do Pavilhão do Parque onde está instalado o Café Pópulos e de uma renovação ao Salão Ibéria (cinema que ficava ao lado dos pavilhões do Parque e que desapareceu nos anos 80).
Há uma ligação forte deste autor ao Parque D. Carlos I pois foi nos seus espaços que Joaquim Pereira da Silva realizou exposições. A primeira mostra individual foi feita na Casa dos Barcos em 1938. A segunda, designada “Desenhos de Arquitectura”, teve lugar em 1941, nos Pavilhões do Parque.
Externato Ramalho Ortigão, uma das obras mais emblemáticas
“Era amigo do padre Figueiredo que era então responsável aqui na zona e que me pediu para projectar o Externato Ramalho Ortigão”, contou Joaquim Pereira da Silva, que considera esta a obra mais emblemática que projectou para a sua terra natal.
À semelhança do que já tinha feito em Lisboa, também renovou várias lojas nas Caldas. A primeira foi a Farmácia Branco Lisboa, seguindo-se o Café Lusitano, que ficava ao fundo da Praça da Fruta, e também a Perfumaria Zinália, a Sapataria Félix, ambas na Rua das Montras.
“Também remodelei o Café Central que se situa num prédio que também projectei e onde existiu, no primeiro andar, o cartório notarial do Dr. Calisto”, contou.
Joaquim Pereira da Silva acabou por ser também o responsável pelo projecto do Bairro Azul onde anteriormente vivera com a sua família, apesar de já não lhe pertencer.
Lembra-se bem de ter realizado este projecto e mencionou que houve premissas que não foram respeitadas. “Para o piso térreo o autor tinha previsto habitação e não comércio e também estavam previstos muitos mais lugares de estacionamento”.
Pereira da Silva tornou-se também num especialista em lareiras pois aprendeu com ingleses.
Além de Cassiano Branco e de Raul Lino, também privou com Paulino Montez. Mencionou ainda que debateu várias vezes com este arquitecto, algumas das questões relacionadas com a urbanização das Caldas da Rainha e da Foz do Arelho.
Amor à Foz e à Lagoa
“Lembro-me de ir tomar banho na Lagoa e de a minha mãe levar um vestido até aos pés como se usava na época”, disse Pereira da Silva, que era também desportista e praticava remo. Lembra-se também de visitar a propriedade do Grandela e de ver corsas nas encostas e de sempre ter desejado ter uma casa na Foz. A primeira que projectou e construiu foi em 1947. Depois vendeu-a e fez outra, 10 anos depois. Por fim, passada mais uma década, construiu a última moradia própria na Foz.
Vinha todos os fins-de-semana para a Foz do Arelho e por cá fez amigos. Era a própria autarquia caldense que o indicava quando alguém necessitava de obras e Joaquim Pereira da Silva fez várias intervenções graciosamente, entre elas a da igreja da Foz do Arelho.
É também da sua autoria o Monte Horeb, no Nadadouro, que é um espaço cultural e restaurante da família Coissoró-Brandão, de quem é amigo de longa data.
E desde quando se deixou encantar pela Lagoa ao ponto de ter sido fundador de um grupo de amigos e ter feito pressão sob governantes para que fossem feitas as necessárias dragagens? “Foi a partir de 1947”, disse Joaquim Pereira da Silva acrescentando que nesse ano decidiu-se realizar na Lagoa o Campeonato Nacional de Remo e foi a partir daí que o presidente da Câmara das Caldas, Augusto Saudade e Silva, que era seu amigo, “me pediu para tratar de tudo o que era necessário fazer”.
Pereira da Silva teve que marcar a pista que tinha dois quilómetros de cumprimento e tinha no mínimo 50 metros de largura e dois de profundidade. Para realizar o campeonato foi necessário fazer uma estrada pois “por exigência da federação, a pista começava quase no Bom Sucesso e terminava a meio da Lagoa”. Contou para tal com a ajuda de uma equipa dos serviços hidráulicos que estava a fazer o levantamento da lagoa e era chefiada por um engenheiro, que era também geógrafo, e que tinha estudado consigo em Lisboa.
Foi necessário ainda construir um pavilhão de honra para convidados e bancadas para as pessoas assistirem à prova. “Tomámos por modelo as que se faziam em Lisboa, para as pessoas assistirem ao desfile das marchas populares”, disse. “Fiquei ligado à Foz desde então”, afirmou. E sobretudo à Lagoa pois foi fundador da Associação da Liga dos Amigos da Foz do Arelho e já nos anos 80, quando Pinto Balsemão dirigia os destinos do país “conseguimos que viesse uma draga pois o braço da Barosa estava a morrer”.
Segundo Joaquim Pereira da Silva, houve na época problemas sérios que causaram a morte de centenas de peixes que eram retirados em várias camionetas.
Apesar de tudo e dos esforços do grupo que incluía também Narana Coissoró, entre outras personalidades, não contou com o acordo da população local que entendeu que não se deveria cotizar para pertencer a esta associação, que assim acabou por perder força.
Joaquim Pereira da Silva nunca se quis envolver em política e esquiva-se às questões sobre esta matéria. Diz apenas que é monárquico, tal como o era o seu avô, Joaquim Pedro Parente (1838-1915). “Nasci na monarquia logo considero-me monárquico e pronto”, disse.
O segredo da longevidade:” Uma boa alimentação, desporto e muito trabalho”
Qual o segredo da longevidade? “Fiz sempre desporto”, contou o centenário, que durante toda a sua vida fez ginástica, jogou ténis e praticou remo. Quando estudava em Coimbra jogou futebol na Académica e nas Caldas, no Sporting.
“Gosto de ter tudo organizado, seja no trabalho seja nas horas das refeições”, acrescentou Pereira da Silva. Na sua opinião também o trabalho deve ajudar pois “sempre trabalhei muitas horas e acho que é algo que faz bem”, contou.
Entre os seus vários interesses conta-se ainda a fotografia. Ele próprio sempre fotografou as suas próprias obras numa época em que não era vulgar as pessoas terem máquina fotográfica.
Dedicou-se também ao estudo do passado da Lagoa de Óbidos e de monumentos como o Pelourinho das Caldas e do Arco da Memória que foi erigido em Casal da Rei (Vidais) no século XVI, tendo participado na sua reconstrução.
Este monumento delimitava o território dos monges de Alcobaça e era encimado por uma estátua de D. Afonso Henriques que actualmente se encontra em Leiria. A reconstituição do arco foi inaugurada em 1981 e, já em 1999, houve uma reunião entre os presidentes das Câmaras das Caldas e de Leiria que davam como boas as negociações para o regresso da estátua ao concelho caldense. No entanto, nada aconteceu e Casal do Rei ainda aguarda o regresso da estátua ao monumento original.
Este caldense possui perto de mil livros de História e recentemente decidiu fazer uma doação à Biblioteca das Caldas, oferecendo 300 obras.
Joaquim Pereira da Silva tem duas filhas, dois netos, dois bisnetos e um trineto com quatro anos. Vive em Lisboa na casa de uma das suas filhas, mas continua a vir regularmente à sua Foz do Arelho e à lagoa. Sobre esta, costuma recortar tudo o que se escreve, em especial na Gazeta das Caldas como faz questão de referir.






























