Nasci em 1940, ainda no tempo da guerra. Dei os primeiros passos no Arelho (Óbidos), mas no tempo da escola eu não queria ir à escola e escondia-me nas matas para os meus pais não me obrigarem. Só mais tarde, com 15 ou 16 anos é que fiz a 3ª classe. Andei numa professora e depois fui fazer o exame a Óbidos com o professor Albino.
Eu tinha 11 anos quando o meu pai ficou paralisado com um acidente de trabalho. Por isso, comecei cedo a trabalhar no campo para ganhar a vida e ajudar a família. Éramos três irmãos.
Em 1961, tinha eu 21 anos, fui chamado para a tropa, mas livrei-me de ir para África. O meu irmão mais velho, António Aleixo Martins, estava na guerra em Angola e eu fui considerado “amparo de mãe” e fiquei por cá. Assentei praça nas Caldas da Rainha e fiz depois o serviço militar na Figueira da Foz.
Depois voltei para o trabalho no campo, à jorna, uns dias para um, outros dias para outro. O meu irmão, porém, conseguiu ir para França e de lá chamou-me. Não precisei de ir a salto. Fui com um contrato de trabalho. Em 1966, então com 26 anos, embarquei no comboio em Santa Apolónia e demorei 26 horas a chegar a Paris. Para mim, que estava habituado à vida no campo e nunca tinha viajado, até achei a viagem muito boa.
Cheguei à gare de Austerlitz e estava lá o meu irmão à minha espera. Eu que mal tinha saído do Arelho, de repente estava em Paris. Mas estava com os olhos fechados, não entendia nada. O meu irmão levou-me para Champigny-sur-Marne e arranjou-me uma barraca que eu partilhei com o Belmiro, um rapaz de Pombal. Era feita com chapas de zinco e tinha duas camas, uma mesa, duas cadeiras e um fogão para fazermos o comer. A casa de banho era ao fundo da rua, para todos. Não tínhamos água canalizada. Pagava 40 francos por mês a um português que trabalhava na EDF (Electricité de France) e que tinha 70 barracas à sua conta.
Champigny era o maior bidonville (bairro de lata) de França. Quarenta hectares de barracas e 15 mil portugueses a lá viver. Era tanta gente como a população das Caldas da Rainha naquela altura. Os meus filhos e os meus netos já procuraram na Internet e viram como se lá vivia. Até houve um fotógrafo francês, Gérald Bloncourt, que morreu há três semanas com 92 anos, que ficou famoso porque fotografou as condições de vida dos portugueses em Champigny e noutros bidonvilles.
Havia um marché onde íamos às compras e eu logo na primeira vez que lá fui vi um rádio de pilhas e comprei-o logo para poder ouvir o relato da bola. Nesse dia ouvi o Porto – Benfica.
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NO CEMITÉRIO DE PÈRE-LACHAISE
O meu primeiro emprego foi num cemitério. Mas não como coveiro nem num cemitério qualquer. Trabalhei como calceteiro no cemitério de Père-Lachaise, onde está a Édith Piaf (onde estão também os principais artistas, escritores, poetas, pintores e outros homens de cultura franceses). Eu perdia-me lá dentro. Logo no segundo dia o chefe, que era italiano, mandou-me ir lá para a frente com as pás e o carro de mão e eu guiei-me pelo jazigo da Édith Piaf.
Ganhava 2,10 francos à hora, mas só lá estive duas semanas. O meu “senhorio” arranjou-me depois trabalho na EDF e ali sim, aquilo é que valeu a pena. Andava a abrir valas para passar os cabos da luz, mas pagavam-me 1300 francos por mês. Era um ordenadão!
Mas eu tinha saudades da família e só lá fiquei quatro meses. Vim para Portugal e casei-me com a Graciosa Rosa, com quem já namorava e que também era do Arelho.
Mas em vez de voltar logo para a França, fiquei por cá e gastei o dinheiro todo. Eu era novo, tinha ganho muitos francos e andava com os bolsos cheios. Nunca tinha visto tanto dinheiro!… Foi de tal maneira que, quando regressei a França, três meses depois, já não tinha nada e até fiquei a dever o dinheiro da viagem.
DO ARELHO PARA PARIS EM TÁXI
Desta vez fui eu e a minha Graciosa, o meu irmão António e a minha cunhada Gracinda. Abalámos de táxi, todos no táxi ao João Carvoeiro, de Óbidos. Só mais tarde é que lhe paguei a minha parte da viagem.
Nesta segunda vez em França aprendi à minha custa que não deveria ter ficado tanto tempo em Portugal. A EDF era uma casa séria e já não queriam lá quem se tinha ido embora. Andei uns tempos aos caídos. Havia um tipo da Sancheira que me dava dois ou três dias de trabalho por semana, mas depois fui para Les Clayes-sous-Bois, perto de Versailles, e acabei por arranjar um emprego para o resto da minha vida na cantina de um complexo de escritórios.
Fui ajudante de cozinheiro, preparava as entradas e a comida, os tabuleiros. Fiz sempre a mesma coisa durante 38 anos e reformei-me em 2005 com 65 anos.
Foi em França que nasceram os meus filhos – Célia, Filipe e Frederico – que me deram seis netos e dois bisnetos. Hoje vivem todos em França, mas eu, quando fiz 65 anos, vim-me logo embora. À França tenho lá ido, mas é só por via dos casamentos e baptizados. No Arelho entretenho-me a amanhar uns terrenos e passo um bocado pelo café durante a tarde.
Saudades de França? Algumas, mas vida de emigrante é vida de trabalho. A minha mulher fazia limpezas num quartel militar e, à noite, eu e ela ainda fazíamos três horas, também nas limpezas, num laboratório de fotografias.
Aquilo não havia vagar para ir a restaurantes nem para andar no passeio. Mas ainda trabalhei como voluntário na Associação Plaisir, em Plaisir, ao lado de Les Clayes-sur-Bois. E fui da direcção da Associação Cultural e Desportiva de Aubergenville. O meu genro, Pedro Machado, é que é o presidente. Os portugueses gostam de lá ir comer umas moelas e umas febras, fazer umas tardes de sueca e matraquilhos. São 118 sócios, mas têm duas equipas de futebol e um rancho folclórico. O meu bisneto Enzo Pereira, que agora está cá a passar férias com a família, até dança no rancho.