A noite de 11 de Maio foi dedicada à ciência no pequeno auditório do CCC. Uma plateia repleta e interessada ouviu, durante duas horas e meia, o físico João Seixas falar das grandes descobertas da humanidade sobre o universo e também do muito que está ainda por descobrir. O cientista falou de muitos temas e não teve problemas em admitir que muitas das questões não têm ainda resposta, incluindo a mais simples de todas e que até foi colocada por um dos mais jovens elementos do público: como é que estamos vivos?
Foi já na parte final da conferência “O universo na ponta de uma agulha”, organizada pelos Dragões do Oeste – a casa do FC Porto nas Caldas da Rainha – com o apoio da Gazeta das Caldas, que surgiu a mais simples das perguntas com a mais difícil das respostas. Um jovem na plateia, certamente um dos mais novos, perguntou ao físico português do CERN (sigla francesa para Conselho Europeu para a Pesquisa Nuclear) o porquê de estarmos vivos. O que é que se conjugou para que a vida surgisse?
João Seixas nem hesitou em responder: “não fazemos ideia, não há razão nenhuma para estarmos num universo meta estável”.
Esse conceito, de universo meta estável, tinha sido explicado minutos antes. Se o universo e tudo o que o compõe fosse completamente estável, não havia espaço para a evolução. Se fosse completamente instável seria caótico e também não haveria evolução. No entanto, existe precisamente a dose certa de instabilidade dentro da estabilidade para que, de tudo o que existe no vácuo, se tenham criado as galáxias, as estrelas, os planetas e pelo menos num deles tenha surgido a vida.
Mas então, existem coisas no vácuo? Não é suposto o vácuo ser algo vazio entre corpos celestes? E o que existe não está tudo descoberto? A resposta de João Seixas é não, de todo. E para que a plateia percebesse qual é o grau de conhecimento que o ser humano tem de tudo o que existe, o físico fez um teste simples. “Olhem em frente, levantem o polegar e estiquem o braço para a frente. De tudo o que existe entre os vossos olhos e o polegar, conhecemos 4%”.
E contrariamente ao que se pensava, o vácuo “é a coisa mais cheia que se pode imaginar”, referiu o físico. O problema é que “não sabemos o que lá está. De repente, o mais simples tornou-se o mais complicado”, acrescentou.
João Seixas explicou as descobertas que permitiram chegar a essa conclusão. A existência de matéria escura foi descoberta por Fritz Zwicky após ter concluído que a trajectória das estrelas na espiral de uma galáxia não é a que deveria ser no vazio. A mudança de rumo prova que existe massa no vácuo, que tem um efeito de resistência comparável ao da água sobre um corpo que se move nela. Zwicky chamou-lhe matéria escura porque não se vê. “Não fazemos a mais pálida ideia do que é”, gracejou João Seixas, acrescentando que esta é uma das razões para se ter construído o acelerador de partículas.
Esta massa não observável não é, porém, a única existência desconhecida no “vazio” do cosmos. Segundo a teoria do Big Bang, o universo está em expansão e a sua observação permite calcular, com grande precisão, que o grande acontecimento ocorreu há 13,8 mil milhões de anos.
No entanto, quando era mais ou menos consensual entre a comunidade científica que a velocidade de expansão do universo era constante, Saul Perlmutter conseguiu provar, há cerca de 20 anos, que quanto maior é a distância de uma galáxia em relação ao centro da grande explosão, maior é a velocidade a que se desloca. “Há algo, que não se vê, que obriga a empurrar a matéria. Perlmutter chamou-lhe energia escura. Não fazemos a mais pálida ideia do que é”, acrescentou João Seixas.
HIGGS E A ORIGEM DE TUDO
O acelerador de partículas construído na Suíça foi um investimento astronómico para tentar clarificar pelo menos algumas destas questões que se levantaram nos últimos anos e uma das grandes descobertas foi a confirmação da existência do Bosão de Higgs, a chamada partícula de Deus.
Não seria fácil explicar exactamente o que é esta partícula, mas a alcunha que lhe foi dada ajuda a perceber um pouco a sua importância. Sem o Bosão de Higgs o universo seria, à partida, um grande conjunto de partículas soltas, uma vez que é a sua existência que permite às partículas elementares adquirirem a sua massa e a partir daí estruturar-se tudo o que vemos e somos.
E o que se passa no CERN é mais ou menos o que deu o nome à conferência. Tenta explicar-se o universo através de um feixe que tem a largura da ponta de uma agulha.
O que o acelerador de partículas faz é acelerar protões em dois feixes que são acelerados no vácuo a uma velocidade de apenas 10 Km/h abaixo da velocidade da luz através de impulsos. Esses protões, à sua escala, chocam de frente com uma energia acumulada idêntica à de um TGV a 400 km/h. Quando chocam, desintegram-se e permitem observar que nesses protões existem bosões com massa e partículas sem massa – os fotões.
Se a descoberta do Bosão de Higgs foi um passo muito importante para a ciência, há ainda um longo caminho a percorrer até que se faça luz sobre todos os mistérios do universo, mas o acelerador de partículas pode ainda contribuir com muito mais para esse conhecimento.
Neste processo, o CERN tem trazido um grande contributo para a sociedade através do desenvolvimento de novas tecnologias, algumas das quais já mudaram o mundo, como é o caso da Internet, ou os aparelhos de diagnóstico médico PET (sigla inglesa para Tomografia por Emissão de Positrões). Outras estão a ser desenvolvidas e podem chegar no futuro, como é o caso do computador quântico, com uma velocidade de computação muito superior aos processadores de silício cujo desenvolvimento poderá estar próximo do limite.
João Seixas teve ainda oportunidade de abordar a ligação entre evolução científica e a sua (in)dependência do poder político. O cientista defendeu que o acto da descoberta tem que ser livre e é incontrolável. “Se se financia só aquilo que se procura, não se descobre nada”, defendeu, para dizer que esse processo tem que ser espoletado pela curiosidade do cientista em descobrir o que é e como funciona. E muitas vezes nem é quem descobre que lucra com a descoberta.































