No próximo dia 22 de Março o professor João Caraça vai dar uma conferência no CCC intitulada “500 anos após o desaparecimento de Leonardo da Vinci: transformações e rupturas sociais”, a partir das 21h00. O evento tem organização da Gazeta das Caldas, do CCC e do Conselho da Cidade e surge no seguimento de “O universo na ponta de uma agulha” e “Ondas gravitacionais – a nova luz”, levadas a cabo em 20107 e 2018. Numa entrevista que antecede a conferência, João Caraça fala da importância do conhecimento no avanço da ciência, mas também da própria sociedade e dos desafios que esta enfrenta em pleno século XXI.
GAZETA DAS CALDAS: Qual é a importância de pessoas como Leonardo da Vinci, que pensam de forma disruptiva, no seu tempo talvez até de forma extravagante, para o avanço do conhecimento?
JOÃO CARAÇA: Pessoas como Leonardo são importantíssimas na história. Não são elas que transformam directamente a sociedade, mas são aquelas que mais influenciam os outros, que criam uma atmosfera de discordância em relação ao estabelecido, que mostram que há novos caminhos e alternativas e, assim, os actores na sociedade vão tomando consciência de que é preciso mudar para progredir ou mesmo para sobreviver. São os faróis do futuro.
GC: Como nasceu e desenvolveu o seu interesse pela ciência e pela política científica em relação a Portugal e ao mundo?
JC: Desde muito cedo, vivendo numa casa cheia de livros e de bons exemplos, não podia ficar alheio ao efeito transformador da ciência, do pensamento e da cultura, e da sua função de potenciar uma acção decidida.
GC: Em várias abordagens refere que a evolução deve ser pensada em relação às necessidades do colectivo. Considera imperativo que a sociedade, a política e a ciência caminhem de mãos dadas?
JC: Talvez de braço dado, pois é preciso caminhar sem desfalecimentos para o futuro. As vacilações e os desvios acontecem e é bom haver boa comunicação e sentimento de solidariedade entre os conspiradores do futuro.
GC: Temos vários exemplos em Portugal de trabalhos de investigação de grande relevância. Há condições para ser investigador no nosso país? Qual é o nosso potencial?
JC: Tanto que há que vemos um enorme grupo de jovens (e menos jovens) investigadores trabalharem e publicarem artigos muito interessantes. O nosso potencial não será contudo realizado como poderia e deveria enquanto a nossa economia não tiver por base os conhecimentos tecnológicos que produzimos diariamente. O potencial é sugado por organizações de outras paragens…
GC: Nestes últimos anos temos vindo a assistir a mudanças a nível tecnológico e científico a uma velocidade sem precedentes na história da humanidade. Considera que há riscos neste processo? Devem ser criadas políticas para evitar possíveis problemas como a diminuição do emprego por via do automatismo? E da intromissão da inteligência artificial nas nossas vidas?
JC: Sempre houve perigos na mudança. A mudança não é neutra. Como poderia sê-lo se ele traz oportunidades para novos actores e elimina privilégios aos que os detinham? Como teríamos subsistido até hoje, em que sustentamos sete mil e quinhentos milhões de pessoas no planeta, se não tivesse havido uma enorme capacidade de transformar e fazer evoluir as nossas técnicas para interagir com o mundo natural? O problema é que do ponto de vista social o caminho de transformação das nossas relações e dependências uns dos outros não obedece a leis da natureza! Tem que ver com relações de força (violência) e de autoridade (segredo). Por isso só podemos ver grandes alterações quando há revoltas ou revoluções. Entre elas há ajustamentos sociais mais ou menos dolorosos, de acordo com a correlação de forças em cada momento. O futuro está sempre aberto!
GC: A humanidade enfrenta dois problemas que hoje ainda não se conseguem separar: a crescente necessidade por energia, e a obrigação de diminuir a dependência dos combustíveis fósseis. Quão perto poderá a ciência estar de resolver este problema?
JC: Nós somos seres vivos que transformam (e usam) energia. Não a criamos.
Temos de descobrir fontes de energia e utilizá-las para sobreviver. Sem dar tiros no pé.
GC: Michael Faraday instituiu as lições de Natal para jovens, que ainda hoje se realizam no Reino Unido. Considera importante que haja este contacto com as pessoas, sobretudo com os jovens, para espicaçar a sua curiosidade? Que podia sugerir para o nosso país nestes domínios?
JC: Esse contacto é fundamental. É, muitas vezes, o despertar de grandes vocações. A educação tem também um papel importantíssimo. Devíamos apostar no ensino experimental da ciência, como alguns grandes professores fazem, muitas vezes sem reconhecimento público. São semeadores do futuro!
GC: O seu pai – Prof. Bento de Jesus Caraça – que foi um eminente matemático e personagem emblemática no seu tempo, tem a seguinte frase que está gravada nas paredes da Universidade onde ensinou (ISEG): “Se não temo o erro, é porque estou sempre disposto a corrigi-lo.”. Acha que é um paradigma para todos os tempos e como entende hoje o trabalho precursor dele na primeira metade do século passado frente a um regime estático e anti-inteligência?
JC: É. O erro é a informação! São o erro e a dúvida os elementos que baseiam o espírito crítico, o fundamento do edifício intelectual da modernidade.
O trabalho de meu pai constituiu um grito de liberdade e de esperança para toda uma geração! Mostrou que era possível, mesmo em ditadura, mesmo com repressão, pensar e agir para os outros nossos semelhantes, levando-os a perceber a dignidade de que eram possuídos por serem homens e mulheres. Que a sede de aprender está em todos nós, vem da curiosidade com que todos nascemos, sejamos pobres ou ricos. E que a liberdade só se encontra com cultura.































