A população de Alfeizerão está dividida em relação à possibilidade de o novo Centro Escolar integrar o serviço de jardim de infância. Isto porque há 46 anos que este serviço é prestado por uma IPSS, o Centro Social e Paroquial, que não quer perder essa valência. Mas há quem considere que, sendo este um serviço público e tendo o Estado capacidade para o prestar, deve ser este a assegurá-lo. A discussão surgiu no passado dia 11 de Março numa reunião deslocalizada do executivo municipal alcobacense na Junta de Freguesia de Alfeizerão.
O ante-projecto do Centro Escolar de Alfeizerão que a Câmara de Alcobaça apresentou na reunião deslocalizada do executivo municipal dividiu as opiniões. Desta vez nem foi o facto de o Estado não ter verbas para prestar um serviço, mas sim o facto de as ter.
O diferendo surge quando se percebe, ao ver o ante-projecto do arquitecto Rui Xavier, que o Estado pretende integrar o serviço de jardim de infância no novo Centro Escolar.
O padre Joaquim Gonçalves, presidente da direcção do Centro Social e Paroquial de Alfeizerão, opôs-se a esta ideia afirmando à Gazeta das Caldas que “estar a criar outras respostas sem necessidade, quando a instituição que existe dá uma resposta capaz, é estar a criar um problema”.
Esta é uma parceria que dura há 46 anos entre o Estado e uma IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social), no caso o Centro Social e Paroquial de Alfeizerão. Uma situação que se explica por na altura ter sido esta a forma que o Estado encontrou para solucionar a falta de verbas e, simultaneamente, prestar o serviço. Assim, o Estado financia o Centro Social e Paroquial, tal como muitas outras IPSS a nível nacional, para estas prestarem um serviço que é público.
Nestes 46 anos “foi criada uma cultura e foi feito um trabalho de sensibilização para a educação que se deve ao trabalho humano de uma instituição”, disse o pároco.
Acresce que “não há crianças que justifiquem a existência do serviço em dois locais distintos”, pelo que, se este avançar no Centro Escolar irá “pôr em causa os postos de trabalho das pessoas que trabalham na instituição”. Joaquim Gonçalves acrescenta ainda que “seria uma concorrência desleal, até porque existe uma sala de pré-escolar pública na zona do Casal Pardo”.
Instado a comentar se esta não era uma obrigação do Estado, referiu que “a qualidade e o tipo de resposta que é dada pelo Centro Social e Paroquial é diferente da que é dada pelo público: é uma resposta mais global e alargada, que não se restringe à componente lectiva e onde não há interrupções lectivas, nem férias nos períodos festivos”. Para além disso, realçou, “aqui existe o serviço das refeições, o apoio à família e o prolongamento do horário, que funciona entre as 7h30 e as 19h30”.
Actualmente há 62 crianças a frequentar o pré-escolar na freguesia.
O PAPEL DO ESTADO
Contudo, entre a população de Alfeizerão há quem considere que o Estado deve seguir em frente com o ante-projecto do Centro Escolar que prevê o serviço de Jardim de Infância.
Uma moradora de Alfeizerão, que preferiu não se identificar, contou à Gazeta das Caldas que, como mãe, sabe “quanto custa ter um filho no público e quanto custa numa IPSS”. O montante pago nas IPSS varia consoante o IRS dos pais, mas “é sempre mais uma mensalidade, enquanto que no público a única coisa que tenho que pagar são as refeições”. A única vantagem que vê nas IPSS é “o prolongamento de horário”. Portanto, defende, o ideal seria que as duas opções coabitassem, para que os pais pudessem escolher.
Em Alfeizerão são várias as pessoas contactadas pelo nosso jornal que não quiseram falar por terem filhos no Centro Social e Paroquial e recearem entrar em conflito com as opiniões expressas pelo padre Joaquim Gonçalves.
A Câmara de Alcobaça foi apanhada de surpresa com esta reacção da IPSS e, aparentemente, recuou na intenção de albergar o jardim de infância no Centro Escolar. Contactada pela Gazeta das Caldas a autarquia disse que o futuro edifício terá capacidade para prestar o serviço de pré-escolar, mas “por respeito ao trabalho de décadas das instituições”, admite a hipótese de serem estas a continuar a prestar este serviço.
O nosso jornal tentou ainda obter mais informações junto da Câmara acerca deste projecto, mas não obtivemos resposta em tempo útil.
Gazeta das Caldas soube ainda que em cima da mesa está a possibilidade de uma decisão salomónica: o Centro Escolar teria jardim de infância para as crianças de 5 anos e o Centro Social e Paroquial para as de 3 a 4 anos.
O novo Centro Escolar tem capacidade para 192 alunos em 8 salas de aula. Terá biblioteca e campo de jogos e deve custar entre 1 e 2 milhões de euros (a Câmara não precisou o custo exacto da obra).
Isaque Vicente
ivicente@gazetadascaldas.pt
Uma questão (também) de mercado
José Morgado, professor e investigador do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, diz que não conhece em concreto o caso de Alfeizerão, mas que compreende as razões do padre que se opõe a que o futuro centro escolar contemple o pré-escolar. “É uma lógica de mercado porque estão a retirar mercado à IPSS”, disse à Gazeta das Caldas.
O Estado português não tornou obrigatório, mas garantiu o direito universal a que os pais possam colocar os seus filhos no pré-escolar. E daí que esteja em construção uma rede escolas com jardins de infância. O investigador diz que não tem opinião na questão público versus privado pois acha que em ambos os casos é possível garantir uma boa educação.
Mas já em relação à política de centros escolares coloca algumas reservas porque entende que é perigoso misturar no mesmo perímetro crianças dos três aos 18 anos. “Isso traz riscos grandes em termos de bullying [violência física ou psicológica exercida sobre alguns alunos] e outros conflitos”, disse.
José Morgado diz que isso poderia ser atenuado se houvesse nos centros escolares pessoal auxiliar suficiente e com formação para vigiar e lidar com esses casos. Mas, conhecedor da realidade das escolas portuguesas, afirma que tal não só não acontece, como há um grande défice de assistentes operacionais (vulgo contínuos), sendo que muitos são colocados pelos centros de emprego sem ter qualquer habilitação para essas tarefas porque o objectivo é suavizar as estatísticas do desemprego.
Esta crítica estende-se também aos mega agrupamentos, que se tornam mais difíceis de gerir e mais propensos à existência de conflitos. “É preferível haver quatro escolas de 500 alunos do que uma escola de 2000 alunos”, diz. Mas os governos preferem agrupar porque reduzem custos administrativos e, ao mesmo tempo, controlam melhor os directores que são, assim, em menor número. C.C.






























