Isabel Vitorino tem 98 anos e muitas histórias para contar

0
1185
Isabel Vitorino é uma das utentes mais activas do Lar do Montepio. Vai completar o seu 99 aniversário no próximo mês de Outubro.

Isabel Vitorino veio viver para as Caldas quando tinha 23 anos, altura em que casou. Hoje tem 98 anos e vive no Lar do Montepio. É uma das utentes mais dinâmicas e não falha uma única actividade ou festa. Só se queixa de algumas dores nas pernas que a obrigam a caminhar com andarilho.
A nonagenária, que viu as Caldas evoluir desde os anos 40 do século passado, começou por realizar trabalhos de costura, mas depois teve o seu próprio negócio – uma mercearia no Bairro da Ponte.

É natural de Alenquer, mais precisamente de Paúla, uma aldeia da freguesia de Cabanas de Torres, próxima da Serra do Montejunto. Isabel Vitorino é a mais velha de seis irmãos (quatro raparigas e dois rapazes).
Aos 11 anos fez o exame da 4ª classe, tendo completado o ensino básico com distinção. O seu gosto por estudar era tal que, mais tarde, chegou a ensinar outras meninas a ler e a escrever. A jovem tinha 17 anos quando conheceu o seu futuro marido António Cândido, que era dois anos mais velho. Ele era natural de Vila Verde dos Francos, que também pertence a Alenquer. O casal veio morar para as Caldas da Rainha em 1943 pois ele tinha arranjado trabalho como motorista da Garagem Caldas, tendo efectuado transporte de combustíveis.
Isabel começou por trabalhar em costura, ofício que aprendeu com a sua mãe, ainda na terra natal. Com 15 anos já sabia costurar “toda a qualidade de peças”, contou à Gazeta das Caldas. O seu trabalho era bem executado e, por isso, depressa arranjou “muitas freguesas boas”. Além das clientes individuais, passou também a fornecer peças para uma loja, situada na Rua das Montras. “Cheguei a ter semanas em que fiz mais de uma centena de calças!”, recordou a nonagenária, acrescentando que cada par lhe era pago a dois escudos (0,01 euros). A venda da roupa que costurava foi sempre importante para o sustento familiar.
Quando chegou às Caldas, o casal Vitorino foi morar para a Rua Fonte do Pinheiro. Ali viveram durante nove anos. A filha do casal nasceu em 1951 quando ainda moravam nesta primeira casa. Isabel tinha então 30 anos.

Dos Capristanos para o táxi

O seu marido, António Cândido entretanto mudou-se da Garagem Caldas para os Capristanos. Recorda que ele fazia as carreiras da região indo com frequência a Peniche, Bombarral e Santarém.
Entretanto, o casal adquiriu um lote na Rua Eduardo Mafra Elias, onde foi construída a sua vivenda, designada Tobel por fundir o nome dos dois elementos do casal, António e Isabel.
“Mudámo-nos para lá quando a minha Anita tinha um ano”, referiu a nonagenária que estava então prestes a encetar novo negócio: uma mercearia que ficava próximo da sua casa, na Rua Manuel Mafra e cuja actividade foi iniciada em 1958.
Em 1961 o seu marido sai dos Capristanos e adquire “um carro de praça”. Fazia viagens até Lisboa, ao Alentejo e até Espanha.
Por seu lado, Isabel vendia um pouco de tudo na sua loja: desde o petróleo para os candeeiros até à lixívia, que a própria preparava. Comercializava também bens alimentares como arroz, massa, açúcar e azeite e ainda algumas miudezas e produtos de retrosaria. “Não era para enriquecer, mas dava para as despesas e foi útil para pagarmos a compra da casa”, recordou a nonagenária.
Isabel Vitorino nunca tirou a carta de condução pois o seu marido tinha medo que tivesse algum acidente. Por isso às segundas-feiras lá ia buscar legumes à Praça, a pé, com um carrinho de mão. “Chegava a trazer 20 quilos de cenoura”, disse a nonagenária que negociava com quem lhe fazia preço de revenda e só comprava as quantidades que as suas clientes lhe encomendavam. Estas eram maioritariamente do Bairro da Ponte. Também passava pelo talho para trazer os enchidos, que comercializava na sua mercearia.

Música no Parque e na igreja

- publicidade -

Para se distraírem, Isabel e António iam com frequência ao parque D. Carlos I com a sua filha. Isabel recorda que aos domingos havia música ao vivo. No Verão iam para a praia, para a Foz do Arelho e S. Martinho.
Do roteiro das distrações também havia o cinema (no Salão Ibéria, situado no Parque) e o teatro no Pinheiro Chagas. “Foi uma pena terem-no deitado abaixo!”, lamentou.
Desde os anos 40 que Isabel se lembra que o 15 de Maio é o principal dia da cidade, marcado pela reabertura da época termal e celebrado com música no Largo da Copa. “Eu aproveitava a ocasião para ficar a conhecer melhor as instalações do hospital termal”, contou. Em 1955 assistiu à inauguração da estátua de José Malhoa que se encontra junto ao museu no Parque. A grande estátua em bronze, que retrata o pintor caldense, é de Leopoldo de Almeida e foi inaugurada no ano do centenário do nascimento do artista caldense.
Isabel Vitorino também cantava no coro da igreja e por isso ia à missa todos os sábados e domingos.
Em 1972 perdeu o seu marido. Vítima de doença, António Cândido morre aos 54 anos. A sua mulher tinha 52 anos e vai apoiar-se no movimento católico Esperança e Vida que era constituído por viúvas. “Íamos todos os anos a Fátima e fazíamos acções de angariação de fundos para ajudar a Igreja”, disse.
Recorda-se que assistiu ao início da construção da Igreja de N. Sra. da Conceição (inaugurada a 21 de Outubro de 1951) e de ter feito muitos lavores cuja venda reverteu para a sua edificação. Aquele templo foi o primeiro edifício a surgir no Borlão, área que então ainda não era urbanizada.
Aos poucos, a idade começou a pesar. Em 1981 Isabel Vitorino tinha 60 anos e decidiu deixar a sua mercearia.
A nonagenária começou a frequentar o Centro de Dia do Montepio em 2016. Passados dois anos passou para o Lar onde vive actualmente.

Uma das utentes mais activas

“Tenho ido ao Parque e acho que este está muito melhor! Tem mais árvores e até já lá fomos assistir a missas e ao festival dos cavalos. Gostei mesmo muito!”, afirmou Isabel Vitorino. Hoje sente alguma dificuldade em lembrar-se do nome das ruas da cidade que a acolheu e acha que está tudo diferente. “Daqui até ao Campo não se encontrava nada! Agora é só urbanizações e novos bairros. Daqui para Tornada era a mesma coisa!”, diz. Só tem algumas saudades da sua casa, local onde a filha a leva sempre que é possível.
“Faço ginástica todas as terças e quintas-feiras”, contou, explicando que participa nas actividades manuais e nas festas temáticas. Adora colorir desenhos e padrões e “derrete” lápis de cor e marcadores na execução desta tarefa. Escolhe cores fortes e assina sempre os seus trabalhos. Aos domingos de manhã assiste à missa pela televisão.
Isabel Vitorino gosta de ver os jogos da selecção e orgulha-se de ter um neto que é técnico-adjunto da selecção de Portugal. “E agora vamos dar a conversa por encerrada”, informou Isabel Vitorino. “É que se já respondi a tudo, vou andando. São quase 17h00, que é a hora de ir rezar o terço”, rematou a nonagenária, que gosta de respeitar as suas rotinas.

- publicidade -