No final do ano lectivo passado a Inspecção Geral da Educação e Ciência (IGEC) instaurou um inquérito ao Colégio Rainha D. Leonor na sequência de denúncias apresentadas por encarregados de educação, alunos e professores da escola pública. As suspeitas incidiam sobre a possibilidade de inflacção das classificações atribuídas às disciplinas opcionais (sem exame) do 12º ano daquela escola, principalmente a Direito, em que 21 dos 23 alunos obteve a nota máxima 20 valores.
Terminada a investigação – que incluiu consulta de documentos (critérios de avaliação, pautas, actas de reuniões e grelhas de classificação) e entrevistas a alunos e professores do Colégio – o IGEC arquivou o caso e concluiu que não há indícios que as notas tenham sido inflacionadas.
Contudo, o professor de Direito não foi ouvido porque era contratado e já se encontrava de férias.
“Somos de opinião de que as diligências efectuadas não confirmaram que o Colégio Rainha D. Leonor tenha procedido à inflacção das classificações das disciplinas anuais de opção de 12º ano” e “os factos apurados não indiciam comportamentos que configurem uma infracção disciplinar, pelo que propomos o arquivamento desde processo”. São estas as principais conclusões do inquérito ao qual a Gazeta das Caldas teve acesso, iniciado em Julho do ano passado e que terminou em Janeiro.
A Inspecção-Geral da Educação e Ciência avançou com o inquérito após ter recebido denúncias de seis pessoas, entre professores da Comissão de Representantes do Movimento Em Defesa da Escola Pública no Oeste, alunos da Associação de Estudantes da Escola Secundária Raul Proença e um encarregado de educação. Estes apresentaram queixa no seguimento de uma notícia publicada na Gazeta das Caldas – “Quase todos os alunos do Colégio Rainha D. Leonor têm 20 na disciplina de Direito” – que relatava que no final do ano lectivo passado mais de 90% dos alunos daquele estabelecimento tinha obtido 20 valores a Direito.
O artigo acrescentava que às outras disciplinas anuais opcionais de 12º ano (Biologia, Sociologia, Física e Inglês) a média das classificações finais era também significativamente mais elevada que às atribuídas nas outras duas escolas com ensino secundário nas Caldas: a Raul Proença e a Rafael Bordalo Pinheiro.
Quase há um ano, os queixosos enviaram várias cartas ao IGEC onde acusavam o Colégio de beneficiar os seus alunos, facilitando o seu acesso ao ensino superior, uma vez que as disciplinas sem exame têm o mesmo peso na média de candidatura que as disciplinas sujeitas à prova nacional. Professores, alunos e encarregados de educação da escola pública questionavam ainda os métodos e critérios de avaliação utilizados pelos docentes do Colégio.
O inspector Rui Castanheira teve acesso aos critérios de avaliação estipulados no Projecto Educativo do Colégio, registos de sumários, aos instrumentos e técnicas de avaliação usados pelos professores das disciplinas em análise, às pautas, grelhas de avaliação e actas de reuniões.
Comparou também as classificações apuradas de acordo com os critérios de avaliação e aquelas que realmente foram atribuídas aos alunos, entrevistou 13 estudantes (escolhidos aleatoriamente) que naquele ano frequentaram o 12º ano, assim como elementos da sua direcção pedagógica e os docentes de Inglês, Biologia, Física, Química e Sociologia. Contudo, embora a maior polémica tenha girado à volta da disciplina de Direito, este professor não foi ouvido na investigação, “por se encontrar em gozo de férias, decorrente da caducidade do seu contrato a partir de 1 de Agosto de 2016”, refere o relatório final.
Os testemunhos de alunos e professores incluídos no processo desmentem qualquer situação de inflacção das notas nas disciplinas sem exame do 12º ano. Os bons resultados são justificados pelo empenho e motivação dos estudantes, que não sentem a pressão dos exames nestas unidades curriculares, bem como às metodologias mais práticas e apelativas praticadas pelos docentes.
TESTES SUBSTÍTUIDOS POR TRABALHOS
Um dos pontos investigados na inspeção ao Colégio prendeu-se com a realização (ou não) de testes nas disciplinas opcionais sem exame no 12º ano. Isto porque, na notícia publicada no nosso jornal, a 8 de Julho de 2016, um ex-aluno deste estabelecimento refere que era frequente que naquelas disciplinas as provas escritas serem substituídas por trabalhos, apresentações orais, ou mini-testes.
Segundo consta no Projecto Educativo do Colégio, “estipula-se a realização de, pelo menos, um ou dois testes escritos em cada período lectivo”, sendo que estes têm um peso de 95% na nota final. Só que a mesma escola tem autonomia pedagógica no campo da avaliação de conhecimentos, o que significa que “os instrumentos de avaliação contemplados nos critérios podem ser substituídos por outras tarefas”.
Sobre este aspecto, a posição do inspector é favorável ao Colégio. “A própria investigação enaltece as vantagens da utilização de múltiplas estratégias e instrumentos de avaliação”, pode ler-se no relatório, que também se apoia na obra “Avaliação e Aprendizagens: Desafios às Teorias, Práticas e Políticas”, do professor Domingos Fernandes. Este autor afirma que “a avaliação tradicional, quase exclusivamente baseada em testes de papel e lápis, é insuficiente e até desajustada, pois tende a ignorar todas as competências que vão para além da aquisição de conhecimentos”.
INGLÊS POUCO EXIGENTE
No caso da disciplina de Direito, confirmou-se que os alunos também foram avaliados pela sua participação em projectos, como a organização do processo eleitoral para a Associação de Estudantes, a realização de sessões de cinema, o envolvimento na iniciativa Parlamento dos Jovens e a organização de uma conferência sobre igualdade de género.
Mas houve um instrumento de avaliação “alternativo” que não viu a aprovação do IGEC. Trata-se do “ensino do inglês na educação pré-escolar”, um projecto inserido na disciplina de Inglês em que os alunos do 12º ano dão apoio a crianças do pré-escolar daquela escola e da Santa Casa da Misericórdia. De frisar que, apesar da maioria dos estudantes ouvidos realçarem a exigência dos docentes às disciplinas opcionais, verificava-se uma excepção à unidade de Inglês, classificada pelos alunos como “pouco exigente”.
Para avaliar a pertinência do projecto, o IGEC nomeou uma perita. A docente Ana Xavier descreveu-o como “redutor em termos de criação de oportunidades de aprendizagem”, acrescentando que “não permite o uso apropriado e fluente da língua inglesa nem aborda na dimensão necessária os conteúdos previstos no programa”. No próprio relatório da inspecção, o IGEC recomenda que se suspenda este projecto à disciplina de Inglês.
CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO NÃO CUMPRIDOS
Uma das questões levantadas nas queixas apresentadas ao IGEC é se o Colégio cumpria ou não os critérios de avaliação. A inspecção concluiu que nem sempre. Nomeadamente à disciplina de Biologia, em que a componente experimental tem um peso de 30% na classificação final, mas à qual os alunos quase não realizaram experiências.
“O docente confirmou o facto de se ter limitado à implementação de actividades de demonstração e, por essa razão, não ter solicitado os relatórios das actividades experimentais previstos nos critérios”, refere o IGEC. Situações semelhantes foram verificadas às disciplinas de Química e Física e, também a Inglês, na componente da avaliação oral.
O relatório da investigação diz também que “verificou-se que a classificação final atribuída aos alunos é diferente daquela que resulta do cumprimento estrito das ponderações, quase sempre no sentido beneficiar os estudantes”. Em vários casos as “bonificações são superiores a um valor (2,6 num deles)”, com o argumento de que os docentes “pretendem valorizar o empenho dos alunos e a sua evolução ao longo do ano lectivo”. Uma justificação que o IGEC considera pouco pertinente, uma vez que os critérios de avaliação já consideram a evolução dos alunos nas diferentes ponderações que são dadas a cada um dos períodos do ano.
Outra das acusações feitas pelos queixosos ao IGEC é que o Colégio Rainha D. Leonor não cumpria o calendário escolar no que respeita às disciplinas de 12º ano sem exame. Os depoimentos de vários alunos e docentes deste estabelecimento confirmam que, a partir do dia 23 Maio de 2016, as aulas de Biologia, Química, Direito, Sociologia e Inglês foram cedidas a outras com exame para que se prestasse apoio aos estudantes na preparação para as provas nacionais.
Contudo, esta medida é legal. “O Colégio cumpre as cargas horárias das disciplinas anuais de 12º ano, ao atribuir a cada uma delas 180 minutos semanais, 30 minutos além da carga prevista, pelo que aquelas duas semanas em que são substituídas por apoios não comprometem o cumprimento da carga curricular”, menciona o relatório do IGEC.
No seguimento desta inspecção, o Colégio Rainha D. Leonor procedeu à revisão do seu projecto educativo. Duas alterações foram a abolição do conceito de “mini-teste” dos critérios de avaliação e a inclusão de informações respeitantes aos momentos de avaliação das disciplinas de 12º ano sem exame no calendário anual de avaliações. Neste sentido, “não pode deixar de ser mencionado o esforço empreendido pela direcção pedagógica na correcção e aperfeiçoamento de muitas das situações que foram sendo depreendidas pelas diligências tomadas”, concluiu o IGEC.
Em declarações à Gazeta das Caldas, Sandra Santos, da direcção pedagógica do Colégio, disse que para a escola este assunto está encerrado. “Respondemos ao que tínhamos que responder e colaborámos sempre com a investigação. Agora encontramo-nos num ambiente de tranquilidade e é assim que queremos continuar, sem alaridos”.






























