Menos riscos de infecção e um tratamento em ambiente familiar, mais humanizado, são alguns dos pontos fortes da hospitalização domiciliária, um modelo de prestação de cuidados em casa, que é uma alternativa ao internamento convencional.
No CHO este serviço funciona há quatro meses, com duas equipas, uma nas Caldas da Rainha e outra em Torres Vedras, que já trataram de 107 doentes. Os bons indicadores e índice de satisfação dos doentes levam a que a administração do centro hospitalar queira alargar o serviço, mas a isso precisa de mais recursos.
Gazeta das Caldas acompanhou uma visita dos profissionais de saúde da equipa das Caldas da Rainha a um doente que se encontra hospitalizado em casa e que garante que, “com estes cuidados recuperamos mais rápido”.
Segunda-feira (14 de Outubro), pouco passava do meio dia quando a equipa da Unidade de Hospitalização Domiciliária (UHD) caldense, composta pelo enfermeiro Rui Silva e a médica Ana Marques, toca à campainha da porta de Luís Gomes, na Encosta do Sol. Do veículo (novo) afecto ao serviço é retirado o material médico e os profissionais entram em casa do doente para ver como está a evoluir o problema que tem na perna, potenciado pela diabetes. Um caso simples, explica a médica Ana Marques, referindo-se ao paciente que chegou ao hospital dias antes com febre, uma perna vermelha e infecção elevada, que ditava o seu internamento hospitalar por cinco a sete dias e administração de terapêutica endovenosa.
Após verificar que o doente reunia condições para ser tratado fora do hospital, e com o seu consentimento, foi para casa para ser tratado pela equipa da UHD. “Aqui em casa é outra coisa. Com estes cuidados acho que recuperamos mais rápido porque estamos ao pé da família e é outro ambiente”, disse Luís Gomes, não poupando elogios aos profissionais que diariamente o tratam. “São fabulosos, é do melhor”, reitera, enquanto a médica realiza um exame físico, com auscultação cardíaca e pulmonar e observa a ferida na pele da perna, que já está numa fase de resolução.
Nesta visita foi-lhe ainda colhido sangue que foi para análise para verificar se há descida dos parâmetros infecciosos, mas “à partida faz os sete dias de antibiótico e terá alta”, conta a médica.
Durante o tratamento, o doente também tem que ajudar, sendo-lhe dadas explicações sobre os procedimentos e material (como compressas e adesivos) para aplicar em caso de necessidade. Além disso, têm em casa um equipamento electrónico, semelhante a um intercomunicador para, em caso de sinais de alerta, contactarem os profissionais de saúde.
“Isso também permite que eles sejam mais autónomos”, explica o enfermeiro Rui Silva, destacando a vertente de empowerment, ou seja, dar conhecimento ao doente que, em casa, pode ser feito de forma mais eficaz porque é adequado às suas condições. E o tempo que, no hospital, têm disponível para cada paciente é menor do que no domicílio.
No caso de doentes diabéticos que tenham que estar sujeitos a dieta, ou doentes desnutridos, a nutricionista avalia o caso e fornece os suplementos. No fundo, trata-se de doentes com um tratamento “cinco estrelas”, que contam com os serviços do hospital dentro da sua própria casa.
Entre Junho (altura em que começou o serviço) e Outubro, a equipa caldense já admitiu 70 doentes em regime domiciliário.
Serviço assegurado 24 horas por dia
Luís Gomes era o último doente a ser visto da parte da manhã, mas ainda iria receber a visita do enfermeiro Rui Silva à tarde. O trabalho desta equipa começou no Bairro da Senhora da Luz, com um doente com uma artrite céptica. Depois médica e enfermeira foram ao Arelho tratar um homem com uma infecção urinária, seguiram para o Carvalhal (Bombarral) e depois Nadadouro. A médica acompanha sempre o enfermeiro no período da manhã e à tarde as visitas são feitas apenas pelo enfermeiro ou juntamente com técnicas do Serviço Social ou com a dietista.
Os quatro enfermeiros dedicam-se em exclusivo à hospitalização domiciliária, enquanto que os médicos têm que assegurar outras funções no hospital. No caso de Ana Marques o tempo dedicado ao internamento é exclusivo para a hospitalização domiciliária, mas depois tem as horas de urgência e as de consulta.
O serviço é assegurado 24 horas por dia. A enfermagem está de prevenção da meia noite às 8h00 da manhã e a prevenção médica começa às 16h00 e termina às 8h00. Durante o fim de semana são as 24 horas da prevenção médica.
O enfermeiro está sempre com o telefone ligado e, caso surja um problema durante a noite, este tenta resolvê-lo. Se precisar de apoio médico liga para o médico de prevenção.
“Temos um contacto directo, que disponibilizamos a todos os doentes, e a viatura, que está estacionada no hospital”, explica o enfermeiro, adiantando que conseguem fazer electrocardiogramas em casa dos doentes, monitorizá-los, e colher sangue, que levam para o hospital para ser analisado.
A médica Ana Marques tem no seu computador portátil acesso à informação clínica do doente que existe. Cada doente tem um processo onde vão descrevendo a evolução do seu estado. Como o doente está no domicílio, isso implica ter um processo informatizado e outro em papel.
No dossier está também a lista de problemas do doente, de forma a que, se houver uma emergência, quem lhe prestar socorro tenha toda a informação disponível. Há também uma folha de registo dos sinais vitais, que é feito diariamente e, no final, tem as folhas de avaliação do grau de satisfação para o próprio e para o cuidador familiar.
“Há um reconhecimento do próprio doente”
O enfermeiro Rui Silva trabalhava em internamento desde 1992, uma área completamente diferente daquela a que agora se dedica. Mas não sente saudades e diz que abraçou esta nova experiência de corpo e alma.
“O bom feedback dos doentes dá-nos alento no trabalho e um reconhecimento que, por vezes, no internamento não é tão fácil de conseguir”, explica.
Já a médica Ana Marques também assegura a emergência médica, que diz tratar-se de uma abordagem muito diferente. “Em situação de emergência entramos na casa das pessoas de rompante, enquanto que aqui [na hospitalização domiciliária] há tranquilidade. É uma abordagem muito mais calma, tentamos fazer uma leitura do meio envolvente a e reconciliação terapêutica”, explica, adiantando que há tempo para cumprimentar e conversar com o doente. Há até um reconhecimento do próprio doente, enquanto que no internamento, por vezes, os profissionais fazem tudo o que podem mas como as condições não são as melhores, às vezes não têm esse reconhecimento.
“Estes doentes são especiais, são mais estáveis clinicamente e também são mais planeados do que no internamento”, explica a médica, especificando que, como estão fora do ambiente hospitalar, os profissionais têm que ter as coisas melhor preparadas para conseguir dar uma resposta eficaz.
Para o enfermeiro Rui Silva esta é uma forma nova de pensar os cuidados. “Os hospitais cada vez mais têm que ser hospitais de doenças agudas, mas graves, tudo o que se puder tratar em casa deve sê-lo feito”, defende, reconhecendo que ainda há que trabalhar um pouco ao nível da mentalidade das pessoas. Nem todos querem ser tratados em casa, mas o profissional afiança que há vantagens, desde logo porque estão livres de apanhar outras infecções e estão no seu meio natural. “No internamento durante a noite há doentes que já estão desorientados e fazem barulho, enquanto que em casa estão na sua rotina e conseguem descansar melhor”, exemplifica.
Serviço deverá crescer no futuro
As situações que podem ser tratadas em domicílio são muito bem selecionadas. Os doentes podem vir directamente de uma consulta externa, dos cuidados de saúde primários, dos serviços de internamento do hospital e de uma urgência, como tem sido mais comum. Para ser admitida neste serviço a pessoa tem que residir num raio de 30 quilómetros do hospital ou a uma distância de tempo inferior a 30 minutos. Para além disso, tem que ter autonomia total ou possuir um cuidador que garanta apoio 24 horas por dia.
“São doentes que têm que ter estabilidade clínica. Pode haver esta vigilância à distância, não carecem que os estejamos sempre a monitorizar”, explica a médica Ana Marques, acrescentando que as patologias mais frequentes são as infecções urinárias, pneumonias e infecções na pele.
Rosa Amorim, coordenadora da Unidade de Hospitalização Domiciliária do CHO, considera que com a experiência adquirida e o passar do tempo, é provável que venham a ter “doentes mais complexos internados em casa”. A médica salienta que, por vezes, ainda há alguma confusão entre este serviço e o de apoio domiciliário, realçando que no caso da hospitalização tratam de pessoas que, se não houvesse esta alternativa ao internamento convencional, estariam internados numa enfermaria de Medicina.
Rosa Amorim destaca a “humanização” que se consegue com este serviço. “Aquele tempo é só dedicado àquele doente, daí ser diferente da enfermaria. Às vezes identificam-se pequenas coisas que aqui no hospital, no bulício do dia a dia, não conseguimos ver”, salienta a médica, acrescentando que os inquéritos de satisfação que distribuem têm sido 100% positivos.
Também a presidente do conselho de administração do CHO, Elsa Baião, considera que este tem sido um trabalho “gratificante e com muito bons resultados”. A lotação de 10 camas no domicílio (cinco nas Caldas e cinco em Torres Vedras) tem estado sempre preenchida. A responsável destaca que o serviço é para continuar e espera que possa crescer, com mais camas disponíveis. Mas, para que isso aconteça, são necessários mais recursos. “Vamos aumentar de acordo com os recursos que tivermos disponíveis”, diz Elsa Baião, fazendo notar que a dispersão deste centro hospitalar obriga, desde logo, à existência de duas equipas, uma em Torres Vedras e outra nas Caldas.
A responsável destaca também a colaboração da comunidade, empresas e até da Câmara de Torres Vedras, que ofereceu equipamento para este serviço.
Assistentes sociais partilharam experiências nas Caldas
Partilhar experiências e instrumentos de forma a fortalecer o trabalho deste novo serviço esteve na base da primeira reunião de trabalho das assistentes sociais afectas às equipas de Hospitalização Domiciliária. O encontro decorreu no Museu do Hospital caldense no passado dia 11 de Outubro e juntou profissionais de 24 hospitais localizados entre o Minho e o Alentejo.
De acordo com Helena Mendes, assistente social do CHO, a experiência tem sido positiva e não têm sentido grandes dificuldades, porque a “equipa está bem organizada e as colegas que estão no terreno fazem a triagem e os problemas já nos chegam detectados”. Contudo, com o aumento do número de camas e a complexidade das situações a tratar, outras dificuldades irão surgir no futuro.
Helena Mendes salienta que os doentes, por vezes, têm uma perspectiva dos seus próprios meios diferente da dos técnicos. “Há situações em que doente acha que tem muito boas condições e às vezes não é assim, quando a equipa chega lá vê isso mesmo”, conta, acrescentando que nesses casos têm que intervir, accionando meios da comunidade ou falando com outros colegas, de modo a que sejam garantidas as condições mínimas.
“Estes doentes acabam por ser privilegiados porque acabam por ter uma atenção completamente dirigida e sem interferência das outras pessoas”, conta a assistente social.
Também Fátima Clérigo, coordenadora do serviço de Assistência Social das Caldas e Peniche, considera que pessoas em ambiente hospitalar não se aceitam muito bem, há sempre alguns anticorpos. “A grande máxima que vale para todos é o cuidar em casa”, sustenta.
Também presente no encontro, a presidente do Conselho de Administração do CHO, Elsa Baião, realçou que as assistentes sociais são elementos fundamentais para fazer a ponte entre os cuidados de saúde e o apoio social que os doentes da hospitalização domiciliária precisam. “Esta partilha de experiências é fundamental porque estas técnicas têm um papel muito importante também na relação com o cuidador, uma vez qu o doente está em casa, e é preciso adicionar vários recursos”, concluiu.































