Uma das razões para fundir os hospitais das Caldas, Torres e Peniche num único centro hospitalar (CHO) foi a criação de economias de escala – os custos unitários seriam mais baixos perante os mesmos níveis de prestação de serviços de saúde. Mas cinco anos depois os hospitais das Caldas da Rainha e de Torres Vedras pagam preços diferentes pela realização de exames de anatomia patológica num laboratório do Porto porque os contratos nunca foram revistos.
Mas há mais: os preços pagos pelos hospitais do CHO chegam a ser quase três vezes superiores ao que paga o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa pelos mesmíssimos exames.
Um teste de HPV (utilizado para rastrear o cancro do colo do útero) enviado pelo hospital das Caldas para o Hicislab (laboratório do Porto que presta serviços de anatomia patológica) custa 100 euros, mas se for enviado pelo hospital de Torres Vedras o mesmo laboratório só cobra 60 euros. Contudo, o mesmo exame, enviado pelos hospitais de Amarante ou de Penafiel só lhes custa 37 euros.
O mesmo acontece com um citologia vaginal, se bem que neste caso o preço cobrado ao CHO se for enviado pelo hospital de Torres é mais caro do que se for enviado pelo das Caldas. O Hicislab cobra 10 euros se a origem do pedido for do hospital caldense e 17,50 euros se vier de Torres. Se for do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa (que engloba os hospitais de Penafiel e Amarante) custa apenas 3,40 euros. A diferença chega a ser cinco vezes superior.
Isto acontece porque, embora o CHO tenha sido criado em 1 de Outubro de 2012, nunca foram revistos os contratos que existiam com o Hicislab – Laboratório Anatomia Patológica por partes dos hospitais das Caldas e de Torres. Cada um continuou com os seus contratos e durante os últimos cinco anos, apesar do CHO ser uma só identidade e de o número de contribuinte ser o mesmo, o laboratório do Porto continuou a facturar com preços diferentes pelos mesmos exames.
Aparentemente, a administração de Carlos Sá não se deu conta destas diferenças (ou se deu, não quis saber) porque nada foi feito para uniformizar a tabela, supostamente pelo preço mais baixo. A fusão dos serviços, pelos vistos, não redundou nas almejadas reduções de custos.
Mas o grau de desorganização no CHO é tão grande que em Maio deste ano este centro hospitalar enviou um e-mail ao Hicislab a pedir o envio dos preços dos dois hospitais porque desconhecia o paradeiro dos contratos.
Os números em causa não são irrelevantes. O hospital de Torres Vedras realiza por mês cerca de mil exames no laboratório do Porto e o das Caldas da Rainha quase 700. No total isto representa 450 mil euros que o CHO paga por ano ao Hicislab. A revisão dos preços pouparia certamente muito dinheiro ao Estado.
Por sua vez, o CHO representa para o Hicislab 43% da sua facturação total.
Gazeta das Caldas contactou este laboratório, tendo obtido resposta através do advogado da empresa, Alexandre Choupina, que esclarece previamente ter havido uma “substantiva alteração da estrutura accionista e administração” do Hicislab – Dr. Rodrigues Pereira – Laboratório de Anatomia Patológica, SA. “Os termos do relacionamento comercial com o CHO remontam à anterior estrutura accionista e administração, limitando-se a actual administração a prossegui-lo”, diz, acrescentando que “é propósito da actual administração introduzir alterações nesse relacionamento, logo que se afigure possível”.
Temos assim que os preços em vigor pertencem todos ao passado: a um passado anterior à constituição do CHO e a um passado anterior à actual administração do Hicislab. A tabela de preços, contudo, vigora no presente.
PROTOCOLOS MANTÊM-SE
Fonte oficial deste centro hospitalar diz que “os protocolos que existiam individualmente com cada centro hospitalar [Caldas e Torres] mantêm-se, estando o CHO a desenvolver os processos para Acordo Quadro na área dos Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica e, para esta situação específica, a elaborar protocolos com Instituições do SNS, de forma a internalizar recursos”. Ainda assim, esclarece que os preços em vigor “estão abaixo do que está indicado na Portaria 234/2015 de 7 de Agosto”.
A mesma fonte refere também que “a necessidade de instalar um Laboratório de Anatomia Patológica no Centro Hospitalar do Oeste tem sido defendida por este Conselho de Administração desde a sua tomada de posse”, mas não esclarece que medidas foram tomadas para o executar.
Em relação ao Hicislab o CHO diz ainda que “a qualidade dos serviços prestados reconhecida pelos médicos requisitantes das referidas análises, tanto no que diz respeito aos resultados, como à rapidez de resposta”.
Mas em Julho de 2016 o mesmo centro hospitalar enviou um e-mail aquele laboratório reclamando por atrasos no envio de resultados. Uma queixa que não é exclusiva do CHO porque em Janeiro deste ano o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa exigia ao Hicislab o pagamento de penalizações devido a atrasos nas respostas aos exames.
O mesmo laboratório esteve já envolvido em duas questões, no mínimo, controversas. Em Março de 2006 um homem de 68 anos, de Mirandela, foi sujeito indevidamente a tratamentos do cancro da próstata. “Sofreu alterações hormonais como o crescimento do peito, acrescidas da impotência sexual com a qual se deparou e que se arrastou por três a quatro meses após o fim do tratamento”, diz o Correio da Manhã de 10/11/2015 citando o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte que obrigou o laboratório a pagar uma indemnização de 71 mil euros ao paciente. É que o Hicislab tinha trocado os resultados das biopsias e quem tinha cancro era um outro doente que à data tinha 88 anos.
Mais recentemente, um diagnóstico errado, também neste laboratório, levou a que um homem de 62 anos fosse operado à próstata tendo-se descoberto, após a cirurgia de extracção, que afinal não tinha cancro.
É o mercado, estúpido!
A concorrência entre laboratórios no âmbito de concursos públicos promove a baixa de preços generalizada face às tabelas de referência, sendo que o preço acaba por ser a variável decisiva nas adjudicações por parte do Estado, sem olhar à qualidade do serviço prestado.
Os laboratórios, por sua vez, oferecem tabelas com preços muito diversos nos quais assumem prejuízos em alguns exames que são compensados por outros exames cujos preços são mais elevados.
Daí que os preços do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa não sejam iguais aos do CHO. Mas há casos onde a disparidade de preços é maior. Por exemplo, o exame Histológico Peça Grande custa ao Hospital das Caldas 22 euros, ao de Torres Vedras 17,50 euros, ao de Santarém 29,50 euros, ao de Évora 55,20 euros, ao Centro Hospitalar do Médio Tejo 18 euros e ao Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa 10 euros.
Ou seja, os hospitais públicos abdicam de algumas valências – anatomia patológica – passando a comprar esses serviços aos privados. A heterogeneidade de preços – onde se pode ver que os contribuintes pagam mais nuns hospitais do que noutros – resulta, simplesmente, do funcionamento do mercado.































