Se passar por Salir do Porto e, por acaso, se deparar com burros parados numa rotunda ou a passear pelas dunas não fique surpreendido. São os animais de estimação de Ton Nieuwland, um holandês que veio viver para Portugal e que trata os seus quatro burros com tanto carinho como trata os humanos. Fleur e Rosa foram as duas primeiras, em 2011, mas já estavam grávidas de Ijor e Jasmine
Solarenga tarde de segunda-feira, junto à linha ferroviária e perto do apeadeiro de Salir do Porto, uma bonita casa, com um estábulo moderno e… uma escultura de uma cabeça de burro pendurada numa parede, painéis de azulejos com imagens referentes a burros noutra, não há que enganar. É aqui! Quinta Nova Terra.
Recebe-nos Ton Nieuwland (apelido que, em português, se traduz no nome que deu à sua propriedade), um holandês nascido a 25 de Abril de 1947, que veio viver para Portugal em 2008. Simpático, com um aperto de mão forte e energético, não perde tempo para começar a falar dos seus quatro “amigos”, enquanto limpa uma das zonas onde os burros se encontram.
Com um chapéu (com uma imagem de um burro, claro!), e ao som da música clássica que ecoa ao fundo vinda de um rádio, o holandês explica que faz a limpeza duas vezes por dia, até porque “é muito importante para todos os animais, e para os burros em particular, sentirem-se higiénicos”.
Nascido em Zeist (Utrecht), no centro da Holanda, trabalhou no seu país, na Bélgica e em Londres sempre para a mesma companhia. Foram 32 anos em várias funções desempenhadas na LEGO.
Em 2008 estava a trabalhar na Antuérpia e procurava um local para a aposentação. “O tempo bom, o país bonito e as pessoas simpáticas foram muito importantes na decisão por Portugal. Além disso, aqui vive-se uma mentalidade menos stressante”, explica.
Veio de carro e inicialmente a ideia até passava por ficar no Norte ou no Sul, mas lá em cima era demasiado frio e lá em baixo muito quente. “Ainda pensei arrendar casa na Nazaré, mas não foi possível e então surgiu Salir do Porto, que fascinou porque ainda tem muita natureza, apesar de ter a praia e as dunas”.
O facto de ter um terreno disponível, aliado ao seu amor pelos animais acabou por levar à compra dos burros. Inicialmente tinha pensado em colocar palmeiras no terreno, mas mudou de ideias porque nessa equação não entrava o gosto por animais. “Já tinha tido uma quinta com ovelhas e sempre tive galinhas, como ainda tenho hoje, pelo que pensei em cavalos, mas são maiores e é mais difícil montar”, conta. Surgiu, então, a ideia dos burros, um animal que sempre gostara e que está ligado ao passado de muitas famílias deste país. “Em Portugal havia muitos burros, era normal as famílias terem um burro, mas sempre numa lógica de ferramenta de trabalho”, lembra.
Ainda na Holanda pesquisou negócios que envolvessem burros e tomou conhecimento de empresas que os alugam para passeios. “Fiz um passeio turístico numa quinta e foi lindo”, recorda. Estava decidido, só faltava construir um estábulo. “Construí um espaço confortável para eles, bonito e fácil de limpar, porque tem de estar sempre limpo”, diz.
Depois acabou por encontrar um comerciante de gado em São Martinho do Porto, e comprou duas burras. Fleur, com quatro anos, e Rosa, dois anos mais nova, foram as primeiras, em Novembro de 2011. Pagou 1700 euros pelas duas e “sabia que a Fleur estava grávida porque estava muito barriguda, mas não fazia ideia que a Rosa também estava”, conta.
Em Maio de 2012 nasceu Ijor, um nome inspirado num burro em desenho animado da Disney. “Era o bebé mais bonito que já vi!”, exclama, ternurento. Em Março do ano seguinte veio a filha de Rosa, Jasmine, também ela com nome inspirado na Disney, neste caso numa das princesas.
“Inicialmente pensei em ter sete burros, mas quatro já dão muito trabalho!”, admite. Todos os burros têm passaporte e chip e são vacinados. Além da palha, dá-lhes duas vezes por dia (de manhã e ao fim do dia) um reforço alimentar. “Uma guloseima com vitaminas”, explica. De quando em vez, podem ir comer erva fresca, noutra das zonas do seu terreno.
Depois há que tratar os cascos, que têm que ser cortados quatro a cinco vezes por ano para estarem direitos, é preciso medicamentos, desparasitações, produtos para afastar as moscas, e até uma ida ao dentista (sim, dentista!) uma vez por ano.
Junto ao estábulo está uma zona aberta para onde o grupo sai a correr livremente. “Às vezes saem a correr e a zurrar e é muito bonito e, quando chego a casa, eles vêm dizer-me olá!”. Ton Nieuwland nota que cada um dos seus “amigos” tem uma personalidade muito própria e que querem sempre andar em grupo.
Quando pensou nos burros, o holandês pensou em montar um pequeno negócio, mas hoje em dia não é bem assim. “O que gosto mesmo é de os levar a passear”, afirma. Aluga-os duas a quatro vezes por ano, e quase só a turistas da Bélgica e da Holanda, porque “a maioria dos portugueses considera 25 euros por um passeio de uma manhã caro”.
Estes famosos quatro burros também já participaram numa das recriações históricas do agrupamento de escolas Bordalo Pinheiro, a carregar gelo. Noutra ocasião Ton Nieuwland, de 72 anos, já recebeu um grupo de escuteiros de Lisboa, a quem acabou por não cobrar nada.
Quando passeia os seus burros pela vila, leva sempre na mochila uma pá para limpar as necessidades que estes possam fazer na via pública.
Enquanto conversamos, Ijor e Fleur roem a madeira das vedações. “É normal, fazem-no para afiar os dentes”, esclarece.
Teimosos, sim! Burros, não!
O holandês elogia as capacidades dos animais que adoptou. “Dizem que quando os burros páram, não andam mais, mas quando não avançam é porque identificam algum perigo, temos de olhar para onde os olhos deles estão a olhar, identificar o que eles consideram perigoso e falar com eles, sempre com calma, sem puxar ou gritar”, nota. É que “os burros são donos do seu caminho”, daí que nem sempre uma conversa funcione. “Também depende da confiança que têm na pessoa e da forma como são tratados, por exemplo, na ponte por cima do rio de Salir, nos passadiços, só a Jasmine é que confia em mim para passar”, conta.
Ou seja, teimosos, sim! Burros (no sentido de pouco inteligentes), não! Sobem e descem escadas e são muito calmos. Os carros não os assustam e, por onde passam, chamam a atenção. “A burrinha está boa?”, pergunta uma vizinha quando vê Rosa passar à porta. “Esta é a Rosa?”, questiona outra, enquanto as crianças querem fazer-lhe uma festinha. São autênticas celebridades de Salir.
Num desses passeios Ton deu a conhecer o mar aos seus burros. Levou-os num percurso com vista para a baía e para o oceano Atlântico e “foi como se vissem fogo, porque desconheciam, não sabiam o que era”. Daí resultaram bonitas fotografias, que replicamos. Noutra ocasião levou-os a experimentar a água. “Estranharam, mas gostaram”, conta.
Os burros podem viver 35 anos ou mais, pelo que estes serão os companheiros de uma vida deste holandês que tem uma paixão tal que juntou uma biblioteca com mais de 300 livros sobre estes animais. No seu escritório não faltam também dezenas de objectos decorativos que remetem para esta espécie. Actualmente Ton não coloca a hipótese de regressar à Holanda. “Quero viver o resto da minha vida em Portugal, que é o meu novo país”.
































