Viveu – intensamente – na primeira metade do século XX. Algarvia de nascimento, passou parte da sua infância nas Caldas da Rainha, onde fez tratamentos no Hospital Termal. Viveu em Lisboa e no Brasil e quis mesmo comprar casa nas Caldas, acabando por se instalar nas Lamas, na serra do Montejunto, onde viveu os seus últimos dias.
Foi escritora, poetisa, editora e provavelmente amante de um rico armador lisboeta, de quem herdaria fortuna. Chamava-se Hermínia dos Reis Tello de Novaes, mas assinava como Hermínia Telles da Gama.
A sua vida ainda está por contar com maior detalhe, mas um investigador e mergulhador aquático, Nuno Ribeiro, dedica-lhe um capítulo num livro dedicado ao naufrágio de um navio.
A história conta-se em poucas palavras: Nuno Ribeiro investigava o naufrágio do “Praia da Vitória”, que em 29 de Novembro de 1935 naufragou no Tejo. O armador desse navio, Arthur Cília morreria – solteiro e muito rico – quatro anos depois, oferecendo a sua fortuna a inúmeras instituições de beneficência. Mas deixaria um prédio em Lisboa, com todos os seus rendimentos, a Maria Telles da Gama.
Escreve Nuno Ribeiro: “Durante muito tempo o que mais me intrigou era a forma como o referido prédio, da Avenida Praia da Vitória, teria passado para a posse de Hermínia dos Reis Teles da Gama. Quem era esta senhora que aparecia no meio desta história? Como é que uma filha de lavradores acabava por ser dona de tão valioso prédio?” E conclui que Arthur Cília o terá deixado em herança porque Hermínia era sua “Teúda e Manteúda”, isto é, sua amante.
O fascínio que esta mulher lhe provoca leva-o a escrever um capítulo que aqui reproduzimos.

Hermínia dos Reis Tello de Novaes
Professora, Escritora e Poetisa, natural de Aljezur, nasceu em 1887, filha legítima do segundo matrimónio de Manuel Joaquim de Novais, lavrador, e do primeiro de Maria João dos Reis Gonçalves de Novais, proprietária. Segunda filha do casal, sendo suas irmãs Maria Manuela e Leonor. Neta paterna de José Joaquim de Novais e Custódia Maria, e materna de José João Gonçalves e Maria dos Reis Gonçalves. Literariamente, assinava como Hermínia Telles da Gama.
O seu primeiro casamento com Francisco Alvarez Iglesias, mais velho 28 anos e Revolucionário Civil no 14 de Maio de 1915, durou quase 6 anos terminando em divórcio por mútuo consentimento. Partilhavam a mesma morada na Rua de Santa Marta nº 114 e a sua profissão era dada como doméstica.
No ano seguinte, novo casamento com o Alferes Francisco José da Silva Santos Júnior, natural e residente em Braga. Residia no 4º Andar de um prédio da Rua Andrade Corvo e era Professora. O casamento durou 8 anos acabando novamente em divórcio pelos motivos de adultério do marido e abandono completo do domicílio conjugal por tempo igual ou superior a 3 anos.
Em ambos os casamentos deu como seu nome Hermínia Tello de Novaes e Hermínia dos Reis Tello de Novaes, o seu verdadeiro nome de Baptismo.
Em 1926 era directora de uma revista ilustrada, exclusivamente de assuntos femininos, que se publicava em Lisboa. Seguindo as pegadas dos seus antepassados e confiante na amenidade do clima e do meio, é levada para o Rio de Janeiro, pela mão do Sr. Ruy Chianca.
Embarca no paquete “Werra” da companhia Norddeutscher Lloyd, proveniente de Bremen, levando uma bagagem de 8 volumes, e chega ao Rio de Janeiro no dia 26 de Dezembro de 1926. A viagem, feita de cariz baixo, com uma enorme mágoa e questionando-se sobre “Que valeria a vida se ela era só sofrer?”, termina com a esperança de uma nova vida.
Rui Chianca, militar e letrado, era director literário da revista ilustrada “Portugal”, publicada quinzenalmente no Rio de Janeiro. As quadras populares de D. Hermínia tinham-lhe despertado o entusiasmo e a admiração, de tal forma que viria a colaborar na referida publicação.
Em Portugal, um distinto bacharel de Lisboa lembra-lhe uma viagem e sugere-lhe a elaboração de um livro, ao qual ela se desculpa, com modéstia, mas fica a pensar no assunto. Com a chegada e sendo assediada por novas instâncias, acaba por colocar as mãos à obra. Não foi apenas a fragante natureza que a deslumbrou e lhe afervorou a veia poética, foi também a história e os artistas.
O seu primeiro livro, ”Docel de Lágrimas, bela promessa”, colecção de poesias, é editado no Rio de Janeiro e prefaciado pelo Sr. Chianca. Falava de coisas simples de Portugal, como o trabalho dos animais ao serviço dos moleiros de Braga, a procissão da Senhora do Sameiro e o problema da emigração de seus patrícios. Eram versos de uma encantadora emotividade e mesmo quando se estendiam em longas descrições, sentia-se que tinham sido escritos mais com o coração do que com a inteligência. Os temas abordados levam à conclusão de que conhecia bem a região, em virtude do seu segundo marido ser de Braga.
A crítica, numa comparação dos valores poéticos, colocava D. Hermínia entre os melhores poetas, considerando-a a melhor poetisa portuguesa. Docel de Lágrimas foi classificado de “Jóia Literária e Obra de Arte”. Os versos apresentavam uma pronunciada tendência para certos assuntos suaves e melancólicos, os crepúsculos, acentuada dor dos ciúmes, a saudade, a tristeza dos que viviam e desapareciam sem terem sido compreendidos e a solidão das almas.
Dadas as afinidades existentes entre brasileiros e portugueses, o seu livro podia ser lido por uns e por outros indistintamente, com o mesmo agrado. Encontrando-se à venda nas livrarias, era considerado de “Leitura sã para as Moças”, sendo emocionalmente leitura moral, filosófica e religiosa. Inicialmente, 10% da venda do livro revertia em benefício dos pobres e das obras de caridade brasileiras, mas logo de seguida o valor subiria para os 15%.
Embora contasse fixar residência no Rio, regressou muito rapidamente a Portugal, no dia 8 de Fevereiro de 1928, a bordo do paquete francês “Formose” da companhia Chargeurs Réunis.
Desde essa altura e até 1935, colaborou com a Gazeta das Caldas, periódico regional cuja publicação teve início em 1922.
No ano de 1935, escreve “Quasi romance… ou… – Paixão dum crítico!…”, pequena obra, prefaciada pelo jornalista Acurcio Pereira e cujo produto total da venda se destinava para obras de beneficiência.
Dois anos mais tarde é lançado o seu livro de contos e crónicas, “Flocos ao Vento”. Faz referência à sua infância passada na praia da Foz do Arelho, à passagem pelo Brasil, à utilização do Hospital Termal das Caldas da Rainha quando esteve doente, à admiração pela Rainha D. Leonor e do dia-a-dia passado nas Caldas da Rainha.
Deste seu livro, foi extraído um artigo publicado quando do início da ideia da subscrição para a estátua a erigir à Rainha D. Leonor.
Costumava apanhar o Comboio no Rossio com destino às Caldas da Rainha, viajando em primeira classe. Adorava viajar sozinha para poder libertar o seu pensamento. Sentia um certo distanciamento em relação às mulheres de Lisboa e ao ritmo de vida e como turista, deslocava-se para o campo para tonificar o organismo.
Na década de 50, pretendia comprar uma casa a Manuel Lobo Pereira Caldas, que este possuía nas Caldas da Rainha, em virtude de gostar imenso do local. No entanto e dado que a mesma precisava de grandes obras, a transacção não se realizou. Ficou acordado entre ambos que caso o primeiro encontrasse comprador para a sua casa de Lisboa, esta dar-lhe-ia 20.000$00 para a realização das obras e nesse caso ela talvez lha comprasse ou arrendasse. Mais tarde acabaria por arrepender-se e inclusive quebrar o negócio. Este facto levou a uma disputa entre ambos até à data da sua morte.
D. Hermínia terá encontrado uma outra pela qual terá ficado fascinada. Situada no Lugar do Charco, Freguesia de Lamas, Concelho de Cadaval, na encosta da Serra de Montejunto. A casa propriedade de Manuel Figueiredo da Silva e de sua mulher D. Dotilia da Conceição Nogueira da Silva, residentes em Lisboa, é então adquirida em Novembro de 1955, pelo valor de 8.000$00.
Loira e de elevada estatura, era conhecida na zona pela “Madame”. Pensavam que a senhora era de nacionalidade francesa e diziam que era uma pessoa importante, pela sua maneira de viver e de falar. Como Cleópatra e Pompeia que utilizavam Leite de Burra fresco, tinha por hábito tomar banho em Leite e Vinho. A sua utilização permitia hidratar e preservar a juventude da sua pele.
Pela orientação da referida casa dá para entender o cuidado que teve na escolha do lugar, a tentativa de aproveitar ao máximo a beleza do local e a luz. A escolha demonstra bem a sua sensibilidade. O ar da serra terá sido outro dos factores a influenciar a escolha face aos problemas de saúde de que padecia.
Passava longos períodos a olhar para a fantástica vista que se podia avistar das suas janelas: de um dos lados, a serra, dos outros, o nascer e pôr-do-sol.
Havia quem pensasse que a sua casa era uma ermida, dado o local onde se encontrava, a sua forma e ser frequentada por diversos elementos do clero.
Conhecida na zona como sendo muito católica, tinha ao seu serviço uma pessoa que a levava, de charrete, à missa na aldeia vizinha de Pragança.
Problemas de saúde levaram a que se tornasse paciente do Dr. José António Leandro Júnior, médico do Cadaval. Uma doença cardíaca grave acabaria por a impedir de sair de casa e seria a causa da sua morte aos 71 anos de idade.
Pelo seu testamento, e considerando a data em que o mesmo foi redigido, dá para entender que teve a noção que iria morrer, abandonando a sua casa de Lisboa e ido para a de Lamas. Deste modo, pretendia morrer de uma forma simples e longe dos luxos. Deixou à Igreja as suas jóias, um Prédio na Rua Cesário Verde, na Penha de França, o Prédio da Avenida Praia da Vitória e a casa de Lamas. Pretendia que o seu funeral fosse católico e que nesse dia fosse dada uma esmola de 20$00 a cada um dos pobres inscrito na “Sopa dos Pobres”, da sua freguesia, e que fossem paroquianos da mesma. No 1º Andar da casa de Lisboa deveria ser instalado um recolhimento com o nome “Lar D. Maria João dos Reis”, em memória da sua saudosa mãe, destinado exclusivamente a receber senhoras pobres ou indigentes, mas selectas e de boa educação. Uma parte dos rendimentos do Prédio da Rua Cesário Verde deveria ser distribuído pelos pobres e indigentes. Pretendia ser sepultada em Lisboa e que o seu corpo fosse depositado em Jazigo perpétuo. No final, acaba por entregar a sua alma a Deus, perdoando a todos que a possam ter ofendido e pedindo perdão para si própria.
São ainda de sua autoria algumas cantigas e poemas.
Um livro onde as Caldas é Rainha
Editado em 1937, Flocos ao Vento é um livro onde Hermínia Telles da Gama reúne 38 textos, escritos num tom coloquial muito próprio da época e onde Caldas da Rainha, as suas termas, o Parque e a Foz do Arelho são abundantemente citados. O estilo é moralista e tem uma matriz vincadamente católica onde se exortam as virtudes da pobreza e da caridade. Na verdade, um livro perfeitamente enquadrado no discurso ideológico do Estado Novo em plenos anos 30, mas que traz retratos muito interessantes do quotidiano das Caldas da Rainha naquela época.
C.C.
Nuno Ribeiro
in O Naufrágio do “Praia da Victória”





































