
O Grupo Desportivo e Recreativo de A-dos-Negros promoveu uma tertúlia sobre os tempos que antecederam e se sucederam ao 25 de Abril de 1974
“Nesse dia, 7 de julho de 1974, a freguesia de A-dos-Negros elegeu para a Câmara de Óbidos o presidente e o vice-presidente, José Gomes Capinha, presidente, ficou em primeiro lugar na lista, e eu em segundo lugar, vice-presidente”, recordou Frederico Saramago, natural de A-dos-Negros, no âmbito da tertúlia “Abril Maior: A-dos-Negros na Primeira Pessoa”.
O segundo presidente da Câmara de Óbidos, eleito a seguir ao 25 de Abril, pelo PS, e que cumpriu mandato duplo, explicou que começou por integrar a Comissão Administrativa da Câmara de Óbidos, constituída após a derrocada do Estado Novo. Aquela comissão era composta, por sua vez, por cinco elementos de cada uma das sete freguesias do concelho, eleitos pela população numa reunião coordenada por um capitão das Forças Armadas destacado para cada concelho do país.
Mas, chegando à Câmara Municipal, foi constituída uma lista com cinco elementos dos 35 integrantes da comissão supra-referida, eleitos democraticamente, entre os quais se elegeram os representantes do executivo municipal, num plenário decorrido no Largo de Santa Maria, a que acorreram 760 pessoas.
Frederico Saramago recorda-se que, quando chegou à Câmara, esta detinha apenas “14 funcionários (e meio, com a mulher a dias), um burro, uma carroça para tirar o lixo de dentro da vila e um Jipe Land Rover a cair aos pedaços, que era dos eletricistas”. Havia muito trabalho a fazer no concelho, no qual apenas as sedes de freguesia tinham estrada asfaltada, e em que eram residuais as casas com água, luz e saneamento, e a população não dava tréguas e “exigia tudo”, depois de “tantos anos de boca fechada”.
A situação conduz à exaustão do presidente, José Gomes Capinha, que, após um mês do início do mandato, decide demitir-se, convidando o seu camarada e amigo, então com 27 anos, agricultor, a substituí-lo. Surpreendido e avesso à ideia, num primeiro momento, acaba por aceitar o desafio, depois de receber um telefonema do governador, que lhe bradou: “Tem de assumir a presidência da Câmara! Vai entregá-la a três comunistas [que completavam o grupo do executivo municipal]?”.
O obidense cumpriu dois mandatos enquanto presidente do executivo (entre outros enquanto presidente da Assembleia Municipal e vereador) e, no final daqueles anos na frente de combate, deixou 27 veículos motorizados e 116 empregados ao serviço da instituição, a par dos 22.000 contos no cofre.
Esta foi uma das histórias conhecidas na tertúlia “Abril Maior: A-dos-Negros na Primeira Pessoa”, integrada nas comemorações do 59.º aniversário do Grupo Desportivo e Recreativo de A-dos-Negros (GDRAN), que contou com um painel de sete oradores naturais ou residentes em A-dos-Negros: Ângela Oliveira, Frederico Saramago, Manuel Freire, Humberto Lé, Victor Duarte, José Blanc Capinha e Victor Mata, e moderado por Ricardo Santos, presidente da Assembleia Geral do GDRAN.
Durante mais de três horas, partilharam-se testemunhos na primeira pessoa dos anos que precederam a revolução de Abril, da aventura de se formar um grupo desportivo e recreativo em pleno Estado Novo, houve ainda quem contasse das suas experiências na Guerra do Ultramar, na participação nas primeiras eleições para a Assembleia Constituinte, em 1975, ou na formação da CoopArnoia.
Música de intervenção
Mas não só de Óbidos vieram as histórias. Manuel Freire, cantor de intervenção residente em A-dos-Negros, contou algumas das suas peripécias com os mecanismos de censura (mas não sem antes cantar), como quando, num programa de televisão que estava a gravar, contou com três censores na primeira fila da plateia da sala de espetáculos, que iam verificando se as letras entoadas correspondiam às presentes nas suas folhas, que tinham sido autorizadas.
“Enviava-se, por exemplo, dez cantigas, e passavam duas ou três. Tudo o que falasse de emigração, guerra, fome, era cortado”, explicou, acrescentando que “nunca mais hei de esquecer esse episódio, porque achei tão ridículo, estava a cantar para uns milhares, porque o programa havia de passar na televisão, mas tinha ali três homens à frente, com os papéis”.
No mês em que se celebra igualmente o nascimento do GDRAN, Frederico Saramago recordou ainda a forma como a população se mobilizou para recuperar as dinâmicas culturais e recreativas apresentadas à aldeia pelo padre Armando Delgado, após a partida do mesmo, dando vida àquele que era, segundo ele, “na altura, o melhor salão de uma aldeia no distrito de Leiria”. O então tesoureiro da associação relembrou a importância da mesma como polo cultural de uma freguesia que teve a primeira televisão no início dos anos 1960, graças ao padre supramencionado, que construiu o primeiro salão da aldeia, posteriormente encerrado pelo padre que lhe sucedeu.
Ricardo Santos, presidente da Assembleia Geral do GDRAN, partilhou o seu “gosto para que haja memória”, que o motivou a organizar esta primeira tertúlia sobre o 25 de Abril, que, afirmou, “não sei se vai ser a única, mas com este tema porventura será”, salientando ainda o “papel agitador” que está no ADN da coletividade. ■






























