
O fado, património imaterial da humanidade, é a grande bandeira da música portuguesa além fronteiras. Mas, e se não existisse fado? Não haveria música em Portugal digna de ser reconhecida internacionalmente? Foi esta premissa, ou mesmo um preconceito, que o belga Geert Brabant se propôs desmistificar com um trabalho que apresentou no passado dia 21 às 21h00 em mais uma iniciativa do MVC – Movimento Viver o Concelho.
O auditório da União de Freguesias de Nª Sra. Pópulo, Coto o São Gregório não encheu, até porque se tratava de uma quinta-feira, mas compôs-se a meias com portugueses e uma comunidade belga. Geert Brabant falou em flamengo (o holandês falado na Bélgica) e logo de início advertiu os portugueses que se iriam sentir como se sentem os emigrantes na Bélgica. Para que os portugueses pudessem seguir a apresentação, havia uma projeção de slides com a tradução em português.
Intérpretes como Amália, Dulce Pontes, Marisa ou Ana Moura são algumas das ‘culpadas’ da boa fama do fado um pouco por todo o mundo, e também por ser este o estilo musical que os estrangeiros mais associam a Portugal. A ponto de pensarem que não existe mais nada para lá do fado, quando na realidade há.
“Na Bélgica sempre que se fala de música portuguesa fala-se de fado, e como conheço os outros estilos, zanguei-me há dois anos por causa de uma destas conversas e fiz esta apresentação”, relatou Geert Brabant à Gazeta das Caldas.
A apresentação dá a conhecer vários tipos de música e vários artistas, através da projecção de videoclips, com uma explicação sobre os ritmos, a inspiração e o próprio contextos histórico e social de cada música. Geert Brabant começa logo por falar de um conjunto de estilos de música popular portuguesa – como as marchas, as tunas académica, ou os ranchos – cuja combinação com “meios modernos resulta em música de alta qualidade”.
A própria capital portuguesa, definida como “um caldeirão de culturas”, proporciona que os estilos tradicionais se mesclem com outros muitos diferentes, mas que se complementam. Estilos como o semba angolano e o afrobeat, que se unem ao fado no projecto Kaya e no tema Fangolê, o primeiro com que brinda a plateia. Já Luiz Caracol mistura os sons portugueses aos brasileiros, guineenses e cabo-verdianos na música Samba do Bairro. A mistura nasce pelas raízes do artista no ultramar e também nos sons de Lisboa em que se inspira.
Mas não só destas misturas lisboetas se faz a música portuguesa além do fado. Do Rio Tejo saíram caravelas e naus para Portugal dar novos mundos ao mundo. Ainda hoje esses feitos ecoam na voz dos cantores portugueses, no trabalho dos Boémia (Peregrinos do Mar), ou de Fausto (E fomos pela água do rio).
Hoje não é de barco que os portugueses dão novos mundos ao mundo, também o fazem pela música. São exemplo os Dead Combo, dueto que ao som do jazz, blues, rock, e do próprio fado chegou múltiplas vezes ao top 10 do iTunes norte-americano. Geert Brabant apresentou-os num dueto com Márcia ao som de Visões Ficções, um tema original de António Variações.
Na apresentação, o belga mostra vários duetos para optimizar o tempo – António Zabujo e Inês Sobral (Inês), Miguel Araújo e Inês Viterbo (Balada Astral), ou Jorge Palma e Sérgio Godinho (Dá-me Lume). Exemplo do sucesso português além fronteiras é também Rodrigo Leão, considerado por Geert Brabant como um dos melhores compositores portugueses, e por Pedro Almodóvar um dos mais inspirados do mundo. A música que o comprova é o tema principal do filme O Mordomo, The Buttler.
De Pedro Barroso, um dos últimos trovadores da época do Estado Novo no activo, ouviu-se In Nominae, do álbum Cantos da Paixão e da Revolta.
A música representou um papel importante na busca pela liberdade antes da revolução dos cravos e hoje volta a servir a intervenção na voz de Tiago Bettencourt (Aquilo que eu não fiz), dos Deolinda (Parva que sou), de Sérgio Romano e os Ar de Kota (Alguém me enganou) ou ainda de Pedro Abrunhosa e Camané. Estes dois fazem dueto no tema Para os Braços da Minha Mãe, que se aplica à vaga de jovens que saíram do país à procura de uma vida melhor.
Lá por fora lutou toda a vida Fernando Lameirinhas, “provavelmente mais conhecido do que pensam”, adverte. Foi o autor de alguns hits na Bélgica, os singles Move e Amesterdão, adaptado depois por um artista belga. Nos anos 90 aliou o fado aos blues, ao jazz, à morna e à música brasileira. Desse trabalho resultou o álbum Pessoa, no qual dá música aos poemas de Fernando Pessoa. A música apresentada foi Pessoana, cantada em dueto com Mafalda Arnaud.
A sessão fechou com o regresso ao fado, ainda que adaptado pelo pianista Júlio Resende, num dueto póstumo com a diva Amália Rodrigues em Medo.
Este estudo foi antes apresentado em várias salas na Bélgica, incluindo no Festival Música do Mundo e “tem sido bem acolhido”, acrescenta. Nas Caldas não foi diferente e mesmo entre os portugueses houve surpresa quanto à qualidade de alguns dos projectos menos conhecidos. “Por vezes quem está por fora vê melhor do que quem está dentro, por vezes encontra-se uma coisa que não tem muita popularidade, mas tem qualidade e eu gostei de fazer a apresentação”, disse.
Geert Braban é belga, da zona de Brugge, e tem casa em Portugal. Actualmente divide o seu tempo pelos dois países. Foi a música que o trouxe a Portugal, mas acabou por se apaixonar pelo país e pela sua cultura em geral. Dedica ainda o seu tempo à escultura, esculpindo palavras e frases em pedra. No seu blog (stonedletters.blogspot.pt) costuma publicar o seu trabalho e também músicas e poemas portugueses que traduz para flamengo.
Se também ficou curioso em relação a algumas das propostas apresentadas por este belga apaixonado pela música portuguesa, basta pesquisar e ouvir estas propostas.






























