Vinhos do Oeste – Um passado e um futuro

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Luís da Silva Reis

Com um património vitivinícola interessante e muito diferenciado, a região da Estremadura tem vindo a apostar na dinamização e reafirmação do sector. Subsistem porém muitos desafios e algumas perplexidades.

Tempos houve em que os vinhos do Oeste não eram para muitos consumidores, e sobretudo apreciadores, uma particular referência, sendo muitas vezes vítimas de uma perspectiva demasiado genérica e redutora, muito conotada com o vinho a granel e o chamado ”vinho leve”, que marcaram e continuam a marcar muito a região da Estremadura. Mas se isso é um facto, também é verdade que até no caso dos brancos leves, de fraco teor alcoólico e consumo mais “fácil”, a óptica produtiva é hoje muito mais focada e criteriosa  sabendo já privilegiar mais a qualidade do que o volume, o que tem permitido revitalizar  e reafirmar o vinho regional, viabilizando uma crescente tendência para a certificação de alguns produtos. O que a nível vitivinícola a região Oeste proporciona, estando hoje integrada na denominação Vinhos de Lisboa, é sobretudo uma assombrosa variedade e uma notável complexidade, fruto dessa tão diversa componente geológica e orográfica, social e de distribuição agrícola, também dos microclimas que conferem a este território, caracterizado à vez pela exposição a brumas e ventos atlânticos, e pela maior amplitude climática das zonas  interiores, uma especificidade que dificilmente encontraremos no panorama dos vinhos nacionais. Tudo isto se traduz numa oferta bastante ampla que se estende dos já referidos vinhos leves, aos vinhos de mesa e regionais, aos licorosos, ao próprio espumante, às aguardentes bagaceiras e vínicas, de que cumpre naturalmente destacar a aguardente da Lourinhã – uma das únicas três regiões do mundo com Denominação de Origem, a par das celebradas Cognac e Armagnac, em França.

Nove denominações de origem 

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É neste complexo quadro que o apreciador de vinho deve tentar encontrar resposta às suas expetativas de consumidor. Não sendo difícil, também não é de todo simples fazer escolhas informadas: há inúmeros vinhos bons ou excelentes e a região de Lisboa tem o maior número de denominações de origem em Portugal, nada menos que nove – Colares, Carcavelos, Bucelas, Encostas d’Aire, Alenquer, Arruda, Torres Vedras, Lourinhã e Óbidos – todas elas com personalidade própria, algumas com singular relevância histórica, que não de mercado, como é o caso dos vinhos licorosos de Carcavelos, a mais pequena região vinícola de Portugal, cuja sobrevivência permanece ameaçada, ou os vinhos de Colares, outra região minúscula, fortemente individualizada pelos vigorosos taninos da casta Ramisco, até hoje imune à filoxera.
Esqueçamos um pouco por hoje os excelentes brancos de Bucelas, sobejamente conhecidos e muito ligados à casta Arinto mas cujo volume de produção é muito reduzido, e também os  característicos “palhetos” das Encostas d’Aire, de que só uma pequena percentagem de vinhas está cadastrada para VQPRD, e rumemos mais ao “núcleo” desta região estremenha, aproximando-nos da nossa cidade das Caldas da Rainha e da zona envolvente.
A área central dos Vinhos de Lisboa, de Arruda a Óbidos, foi aliás a que mais beneficiou das estratégias de  modernização e requalificação concentrando grande parte dos investimentos no sector, sendo actualmente a que oferece os melhores vinhos DOC, numa multiplicidade de castas a casar  admiravelmente com as condicionantes do terroir: da concentração e maturação muito presentes nos prestigiados Alenquer, sobretudo nos tintos, à cítrica elegância  de alguns brancos de Óbidos complementada pela frescura frutada dos tintos, de boa persistência e guarda, onde muitas vezes a prevalência da casta Castelão se harmoniza perfeitamente com castas nobres exteriores à área, como a Touriga Nacional por exemplo. Foi aliás a adopção de castas externas, de origem nacional e estrangeira, que permitiu em larga medida redimensionar as estratégias de produção.

Migração de castas

Houve desde logo necessidade de rever os encepamentos. Aquando da criação das denominações de origem, muitas castas não se coadunavam com uma produção de qualidade, estando muito mais vocacionadas para o grande volume. Além do mais, das múltiplas castas que sobretudo o vinho regional permite, grande número está hoje extinto ou em processo de extinção, com interesse diria quase “arqueológico” como a Preto Cardana ou a Tintinha, entre tantas outras. Era pois premente, e à imagem do que acontece noutras regiões a nível interno e externo, que houvesse migração de castas para criar vinhos bem estruturados  – e destaquemos aqui o Syrah, com perfeita adaptação ao território, a Tinta Roriz, a Touriga Nacional, também o Alicante Bouschet… –   com real potencial no posicionamento de mercado: vinhos sobretudo mais modernos, beneficiando do cuidado de enólogos capacitados e de visão abrangente que permitissem criar uma nova imagem do sector no Oeste. Isto poderia gerar, aparentemente, problemas identitários, “roubando” o carácter próprio do vinho de uma região…
Mas a premissa é falsa: o que está em causa é tão-só uma mudança de perfil, propiciando combinações de castas de grande interesse capazes de revigorar e potenciar as qualidades de um terroir.  Isto não significa, de todo, que se esqueçam castas tradicionais como a Vital, o Castelão ou a Tinta Miúda – tão característica da Arruda. Elas são afinal um importante factor de diferenciação, e deverão ser seguramente predominantes, mas o concurso de outros encepamentos não só abre caminho a outros estilos de vinho, como permite manter e destacar as qualidades enológicas.

O problema dos preços

Vemos em resumo que muitos vinhos da região estremenha têm vindo a redefinir estratégias e enquadramento, apostando mais na qualidade e menos nos produtos de gama baixa, reinventando-se num novo e informado recurso à tecnologia, sendo enologicamente mais sólidos –  o que não significa porém que a região, em bloco, não continue muito ligada à produção de vinhos de baixo preço e grande volume. E é exatamente a questão dos preços que motiva uma última reflexão, constituindo na opinião de muitos um forte óbice à plena afirmação destes vinhos no mercado. Com efeito, os preços praticados são muito baixos, sobretudo na óptica do espaço de exportação para o qual grande parte da produção é direcionada. E se isto torna obviamente os vinhos da região claramente apetecíveis no binómio qualidade/preço, quantas vezes excelente, inviabiliza de algum modo a sua plena afirmação no exterior, mantendo-os fortemente encurralados nesse velho arquétipo, nessa percepção geral de região vinícola de menor expressão e personalidade. É isso que urge evitar, não só repensando a política de preços mas também  investindo num marketing mais apelativo e incisivo, mais dinâmico e bem coordenado entre instituições e agentes, sobretudo na variável da  promoção turística.

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