Maria dos Prazeres: “Ser cozinheira é escolher uma profissão que nos desafia todos os dias”

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Maria dos Prazeres é cozinheira há 37 anos e confessa que à volta dos tachos prefere que a deixem trabalhar sozinha

Chama-se Maria dos Prazeres e tem 56 anos. Gosta que a tratem apenas por Maria. Natural de Monção (Viana do Castelo), veio parar às Caldas “raptada” pelo marido, José Fialho, que é também o seu braço direito na cozinha. Coincidência das coincidências, o casal conheceu-se num restaurante. Depois de terem trabalhado em várias casas, há nove anos que Maria e José são os proprietários do restaurante O Recanto.

 

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São 15h15 e ainda há mesas por levantar. Só quando a sala está completamente arrumada é que os funcionários do Recanto se sentam para almoçar. São seis pessoas e normalmente servem-se do que sobrou da ementa diária do almoço. Mas hoje vendeu-se tudo, por isso a Dona Maria improvisou umas travessas para o pessoal da casa.
Não queremos atrapalhar, mas convidam-nos a sentar. Há quem diga que as melhores histórias se contam à refeição, por isso talvez esta seja uma boa altura para que Maria dos Prazeres nos conte a sua.
“Comecei a cozinhar com a minha mãe em casa, foi ela quem me ensinou os primeiros pratos: o frango guisado, o peixe frito, o arroz de polvo e de cabidela. Mas fazia-o mais por obrigação do que por gosto”, conta.
Aos 19 anos, Maria foi para Lisboa trabalhar pela primeira vez num restaurante. Não começou logo no fogão, mas sim por fazer limpezas, depois foi lavar a louça. Até que passou a ajudar o cozinheiro principal. Trabalhou no Celta durante seis anos e também foi neste restaurante que conheceu o marido, José Fialho, que lá foi empregado 15 meses. “Depois ele raptou-me para as Caldas”, brinca Maria dos Prazeres.
Nas Caldas, a cozinheira chegou a trabalhar no restaurante A Lareira, mas depois estabeleceu-se por conta própria com o marido. Foram gerentes do Príncipe Perfeito, da Lanterna e do Recanto e construíram um restaurante de raiz no Coto – o Val Velho – que seria vendido sete anos depois. Maria dos Prazeres e José Fialho decidiram então regressar ao Recanto, o restaurante que tem sido a sua casa nos últimos nove anos.

“PREFIRO TRABALHAR SOZINHA”

Falar de Maria é falar também do marido José. Ele é o seu braço direito há mais de 30 anos e quando o movimento do restaurante o exige, também dá uma ajuda na cozinha. “Basta-me ver o pedido que sei aquilo que tenho que fazer para ajudar a Maria… por exemplo, que carnes tenho que cortar para ela cozinhar”, diz José Fialho, acrescentando que o casal nem precisa de falar um com o outro para comunicarem.
Aliás, conversa a mais atrapalha quem está ao fogão. “É que é preciso muita concentração, não tanto ao nível da execução dos pratos, mas para gerir os pedidos de uma mesa, saber que pratos fazer em primeiro lugar para depois saírem todos ao mesmo tempo”, afirma Maria dos Prazeres, que admite, prefere trabalhar sozinha.
“O tempo que perco a ensinar uma pessoa a confeccionar um prato posso gastá-lo eu a fazer esse prato… Prefiro fazer as coisas à minha maneira e sem perguntas”, explica a cozinheira, que não gosta que lhe chamem de chefe. Um chefe é alguém que lidera uma equipa, que prova e aprova, mas que não passa o tempo todo à volta dos tachos.
As carnes de caça, como o gamo (da família do veado) e o javali, são a grande especialidade do Recanto. São também pratos que não necessitam de grandes truques para ficarem deliciosos, porque é a qualidade da própria carne que lhes dá o sabor. Só importa deixá-los no ponto. Da ementa destacam-se também o arroz de tamboril, o cabrito assado à padeiro, o bacalhau à minhota e o ensopado de enguias.
Há 37 anos a trabalhar como cozinheira, Maria dos Prazeres tem noção que hoje a gastronomia é cada vez mais elaborada e o gourmet está na moda. Mesmo assim, tem a certeza que as pessoas continuam a valorizar um prato típico português bem feito e afirma convicta que “a comida gourmet nunca irá tirar o lugar à tradicional portuguesa”.

“SÓ TIVEMOS UM FILHO POR CAUSA DESTA PROFISSÃO”

Nesta profissão há coisas boas e coisas más. Como tudo. “O que me dá mais gosto é chegar ao final do serviço e ter a sensação de dever cumprido, saber que todos os clientes foram servidos dentro do tempo”, conta Maria, realçando que as horas do almoço são mais stressantes que os jantares porque os clientes vêm com os minutos contados para comerem.
E o lado mau? “O facto de só termos tido um filho, porque sabemos que isso aconteceu devido à profissão que ambos escolhemos”, dizem Maria e José, acrescentando que não ponderaram ter mais filhos porque sabiam que seriam as avós a criá-los. Mas há mais. O desgaste de trabalhar 16 horas por dia e as mazelas físicas, como as varizes, os derrames, as queimadelas e o peso nos ombros por se fazerem sempre os mesmos movimentos.
Quando lhe perguntam, Maria tem dúvidas. “Se escolhia a mesma profissão sabendo o que sei hoje? Se calhar até experimentava outro emprego, mas gosto tanto disto que provavelmente acabaria por voltar à cozinha”.

 

 

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