Bacalhau: uma paixão portuguesa

0
1671

Entrou na gastronomia portuguesa há mais de cinco séculos e assumiu tal importância que se tornou um símbolo da própria identidade nacional. Dizem que há 1001 maneiras de o preparar e os números comprovam a paixão portuguesa pelo bacalhau.

 

- publicidade -

Cada português consome, em média, 6,5 quilos de bacalhau por ano, o valor mais elevado por habitante em termos mundiais.
No total, são cerca de 65 mil toneladas de bacalhau que entram anualmente nos lares portugueses.
Na noite de Natal, estima-se que sejam consumidos mais de um milhão de quilos, já que oito em cada dez famílias portuguesas elegem o bacalhau para a refeição da Consoada.
A tradição terá nascido na Idade Média para respeitar os períodos de jejum imposto pelas regras católicas.
“Na Idade Média Portugal seria obrigado a um jejum de carnes, imposto pela Igreja, que obrigava a cento e trinta e dois dias por ano”, conta o investigador em História da Alimentação, Virgílio Nogueiro Gomes. Os mais ricos compravam bulas que os dispensavam da abstinência de carne, mas a maioria da população, que era pobre, aceitava as imposições da Igreja.
Ora como no Inverno, os barcos não tinham condições para o abastecimento quotidiano de pescado, o bacalhau, que tinha um período de conservação mais longo, tornou-se uma solução fácil e barata.
“A salga e seca do peixe eram uma fórmula para a conservação e, portanto, acessível durante todo o ano”, justifica Virgílio Nogueiro Gomes, lembrando que o jejum não era só quaresmal e estendia-se ao período que antecede o Natal.
A proximidade com os portugueses é também evidente quando se transforma em apelido, na designação carinhosa de ‘fiel amigo’, ou quando dá azo a expressões coloquiais como “ficar em águas de bacalhau”, “para quem é bacalhau basta” ou apertar o bacalhau”.
O principal fornecedor de bacalhau a Portugal é a Noruega, que gere um ‘stock’ de pesca sustentável do Mar da Noruega e do Mar de Barents (Atlântico Nordeste).
Cerca de 80% do bacalhau consumido pelos portugueses é oriundo das águas gélidas e cristalinas destes mares ricos em biodiversidade, onde o bacalhau beneficia de ótimas condições ambientais e de uma alimentação natural composta essencialmente por camarões, arenque e outros peixes, que lhe conferem um sabor e textura únicos.
A pesca é regulamentada e segue as recomendações científicas do Conselho Internacional para a Exploração dos Mares (ICES), sendo fundamental para o equilíbrio do ecossistema já que o bacalhau é uma espécie que se alimenta de outros peixes.

Sabe escolher um bom bacalhau?

Apesar de todos o conhecerem, provavelmente nem todos os portugueses saberiam identificar um bacalhau no mar, já que este tem pouco a ver com o formato triangular e cor amarelada a que estamos habituados.
O Gadus morhua, denominação científica do genuíno bacalhau do Atlântico, é um peixe de dimensão média, de pele acastanhada e pintalgada, que apresenta uma distintiva barbela no maxilar inferior.
Quando seco e salgado, tal como é habitualmente consumido em Portugal, apresenta uma coloração palha e uniforme e forma lascas bem definidas depois de cozinhado.
O tradicional bacalhau de cura portuguesa tem um teor de sal igual ou superior a 16% e humidade inferior ou igual a 47%.  Depois de ser escalado e salgado, este bacalhau passa por um processo de cura de três meses, podendo estender-se até um ano.
O bacalhau salgado verde (apenas salgado, e não seco) apresenta um teor de sal igual ou superior a 16% e entre 51 a 58% de humidade, sendo normalmente vendido à indústria de transformação e secagem.
O bacalhau fresco, de carne branca e firme, só recentemente começou a ser divulgado em Portugal. Entre janeiro e abril dá pelo nome de ‘skrei’ (caminhante, na língua norueguesa), o que significa que migrou milhares de quilómetros através do Ártico para ir desovar junto à costa norueguesa, atingindo a sua máxima qualidade nesta altura.
O bacalhau é dividido em várias categorias consoante o seu peso, diferenciando-se também em termos de preço.
O bacalhau Especial pesa mais de três quilos, o Graúdo entre dois e três quilos, o Crescido varia entre um e dois quilos e o Corrente apresenta um peso igual ou inferior a um quilo e superior a 500 gramas.
Tão importante como a escolha de um bacalhau de boa qualidade é a demolha, que lhe permite ganhar até mais 35% de peso.
O bacalhau deve ser passado por água, para retirar o excesso de sal, sendo a seguir colocado num recipiente com água fria, com a pele voltada para cima.
O tempo necessário varia consoante o peso: 36 horas para o bacalhau Corrente, 48 horas para o Crescido, 55 horas para o Graúdo e 72 horas para o Especial.
Sendo um peixe versátil e fácil de preparar, o bacalhau tem ainda a vantagem de se poder usar todas as partes, dos lombos às bexigas natatórias, conhecidas como “samos” e consideradas uma iguaria particularmente apreciada em Ílhavo, uma região com ligações históricas à faina do bacalhau.
Em termos nutricionais, o bacalhau apresenta-se com um teor de gordura inferior a 3% e quase sem hidratos de carbono, já que 96% das calorias de cada porção de bacalhau são proteínas de elevado valor biológico.
É rico em vitaminas A, E, B6 e B12, bem como sódio, cálcio, fósforo, magnésio e Ómega 3, o que se traduz em vários benefícios para a saúde como a melhoria da concentração, diminuição da pressão sanguínea, aumento da fluidez do sangue, melhoria da visão e oxigenação das células, aumento da energia muscular, reforço do sistema imunitário, formação óssea, regulação do metabolismo, etc.

Por: Johnny Thomassen
Diretor do Conselho Norueguês das Pescas em Portugal (Norwegian Seafood Council)

 

 

Quase metade do bacalhau pescado na Noruega acaba na mesa dos portugueses
Quase metade do bacalhau pescado na Noruega acaba na mesa dos portugueses
- publicidade -