Entrou na gastronomia portuguesa há mais de cinco séculos e assumiu tal importância que se tornou um símbolo da própria identidade nacional. Dizem que há 1001 maneiras de o preparar e os números comprovam a paixão portuguesa pelo bacalhau.
Cada português consome, em média, 6,5 quilos de bacalhau por ano, o valor mais elevado por habitante em termos mundiais.
No total, são cerca de 65 mil toneladas de bacalhau que entram anualmente nos lares portugueses.
Na noite de Natal, estima-se que sejam consumidos mais de um milhão de quilos, já que oito em cada dez famílias portuguesas elegem o bacalhau para a refeição da Consoada.
A tradição terá nascido na Idade Média para respeitar os períodos de jejum imposto pelas regras católicas.
“Na Idade Média Portugal seria obrigado a um jejum de carnes, imposto pela Igreja, que obrigava a cento e trinta e dois dias por ano”, conta o investigador em História da Alimentação, Virgílio Nogueiro Gomes. Os mais ricos compravam bulas que os dispensavam da abstinência de carne, mas a maioria da população, que era pobre, aceitava as imposições da Igreja.
Ora como no Inverno, os barcos não tinham condições para o abastecimento quotidiano de pescado, o bacalhau, que tinha um período de conservação mais longo, tornou-se uma solução fácil e barata.
“A salga e seca do peixe eram uma fórmula para a conservação e, portanto, acessível durante todo o ano”, justifica Virgílio Nogueiro Gomes, lembrando que o jejum não era só quaresmal e estendia-se ao período que antecede o Natal.
A proximidade com os portugueses é também evidente quando se transforma em apelido, na designação carinhosa de ‘fiel amigo’, ou quando dá azo a expressões coloquiais como “ficar em águas de bacalhau”, “para quem é bacalhau basta” ou apertar o bacalhau”.
O principal fornecedor de bacalhau a Portugal é a Noruega, que gere um ‘stock’ de pesca sustentável do Mar da Noruega e do Mar de Barents (Atlântico Nordeste).
Cerca de 80% do bacalhau consumido pelos portugueses é oriundo das águas gélidas e cristalinas destes mares ricos em biodiversidade, onde o bacalhau beneficia de ótimas condições ambientais e de uma alimentação natural composta essencialmente por camarões, arenque e outros peixes, que lhe conferem um sabor e textura únicos.
A pesca é regulamentada e segue as recomendações científicas do Conselho Internacional para a Exploração dos Mares (ICES), sendo fundamental para o equilíbrio do ecossistema já que o bacalhau é uma espécie que se alimenta de outros peixes.
Sabe escolher um bom bacalhau?
Apesar de todos o conhecerem, provavelmente nem todos os portugueses saberiam identificar um bacalhau no mar, já que este tem pouco a ver com o formato triangular e cor amarelada a que estamos habituados.
O Gadus morhua, denominação científica do genuíno bacalhau do Atlântico, é um peixe de dimensão média, de pele acastanhada e pintalgada, que apresenta uma distintiva barbela no maxilar inferior.
Quando seco e salgado, tal como é habitualmente consumido em Portugal, apresenta uma coloração palha e uniforme e forma lascas bem definidas depois de cozinhado.
O tradicional bacalhau de cura portuguesa tem um teor de sal igual ou superior a 16% e humidade inferior ou igual a 47%. Depois de ser escalado e salgado, este bacalhau passa por um processo de cura de três meses, podendo estender-se até um ano.
O bacalhau salgado verde (apenas salgado, e não seco) apresenta um teor de sal igual ou superior a 16% e entre 51 a 58% de humidade, sendo normalmente vendido à indústria de transformação e secagem.
O bacalhau fresco, de carne branca e firme, só recentemente começou a ser divulgado em Portugal. Entre janeiro e abril dá pelo nome de ‘skrei’ (caminhante, na língua norueguesa), o que significa que migrou milhares de quilómetros através do Ártico para ir desovar junto à costa norueguesa, atingindo a sua máxima qualidade nesta altura.
O bacalhau é dividido em várias categorias consoante o seu peso, diferenciando-se também em termos de preço.
O bacalhau Especial pesa mais de três quilos, o Graúdo entre dois e três quilos, o Crescido varia entre um e dois quilos e o Corrente apresenta um peso igual ou inferior a um quilo e superior a 500 gramas.
Tão importante como a escolha de um bacalhau de boa qualidade é a demolha, que lhe permite ganhar até mais 35% de peso.
O bacalhau deve ser passado por água, para retirar o excesso de sal, sendo a seguir colocado num recipiente com água fria, com a pele voltada para cima.
O tempo necessário varia consoante o peso: 36 horas para o bacalhau Corrente, 48 horas para o Crescido, 55 horas para o Graúdo e 72 horas para o Especial.
Sendo um peixe versátil e fácil de preparar, o bacalhau tem ainda a vantagem de se poder usar todas as partes, dos lombos às bexigas natatórias, conhecidas como “samos” e consideradas uma iguaria particularmente apreciada em Ílhavo, uma região com ligações históricas à faina do bacalhau.
Em termos nutricionais, o bacalhau apresenta-se com um teor de gordura inferior a 3% e quase sem hidratos de carbono, já que 96% das calorias de cada porção de bacalhau são proteínas de elevado valor biológico.
É rico em vitaminas A, E, B6 e B12, bem como sódio, cálcio, fósforo, magnésio e Ómega 3, o que se traduz em vários benefícios para a saúde como a melhoria da concentração, diminuição da pressão sanguínea, aumento da fluidez do sangue, melhoria da visão e oxigenação das células, aumento da energia muscular, reforço do sistema imunitário, formação óssea, regulação do metabolismo, etc.
Por: Johnny Thomassen
Diretor do Conselho Norueguês das Pescas em Portugal (Norwegian Seafood Council)
































