Óbidos celebra a Semana Santa com vários eventos religiosos e culturais até ao próximo domingo, dia de Páscoa. As cerimónias começaram no passado fim-de-semana e tiveram um dos pontos altos no domingo, com as procissões dos Ramos e dos Passos do Senhor, que percorreram toda a vila e envolveram largas centenas de pessoas.
Hoje, 14 de Abril, à noite, será realizada a procissão do Enterro do Senhor, com um cortejo, em silêncio e apenas iluminado pelas luzes de archotes, por dentro do recinto muralhado.

A procissão dos Ramos, onde se comemora a entrada do Senhor em Jerusalém, segue pela Rua Direita rumo à Igreja de Santa Maria, onde é celebrada a eucaristia. Cá fora, são muitos os fiéis e curiosos que vão ocupando os muros da Praça de Santa Maria e os lugares à sombra, à espera da procissão dos Passos, que sairá daquele templo e percorrerá, durante mais de duas horas, algumas das ruas calcetadas, dentro e fora das muralhas de Óbidos.
O cortejo é encabeçado pela figura do “gafaú”, que tem a cabeça coberta com um pano e transporta nas mãos um “serpentão” que anuncia à multidão a aproximação do condenado. Um cortejo simbólico do caminho que Jesus fez até ao calvário.
Seguem-se perto de uma centena de homens e mulheres de capas roxas que transportam as bandeiras, quadros, lanternas e alguns objectos religiosos, assim como o andor de Cristo com a cruz. A segurá-lo vão seis homens que, com uma cadência certa, calcorreiam as acidentadas ruelas. O presidente da União de Freguesias de Santa Maria, S. Pedro e Sobral da Lagoa, João Rodrigues é um desses seis.
Actualmente com 47 anos, há cerca de 35 que participa nas celebrações da Semana Santa. Recorda que começou como acólito, a acompanhar o padre, mais tarde interpretou o personagem de S. João e há meia dúzia de anos surgiu uma vaga e começou a carregar o andor.
O peso é muito e o segredo está em “ter sempre muito cuidado com o passo”, diz, especificando que este tem que ser certo e equilibrado entre os seis homens. Hoje, Sexta-feira Santa, vai participar à noite na procissão do Enterro, carregando a cruz com o pano.
Católico praticante, João Rodrigues participa nestas cerimónias por fé, mas também reconhece a sua importância cultural para a vila.
Uma procissão com mais de 450 anos
Ao final da Rua Direita (junto à cerca do castelo) dá-se o encontro de Jesus com a sua mãe, ou seja, o andor do Senhor dos Passos fica em frente ao de Nossa Senhora das Dores, que entra pela porta da Cerca. A carregá-lo vêm quatro homens, acompanhados por mais quatro a segurar as lanternas.
Este andor, que sai em todas as procissões, é coordenado por Bruno Duarte, um obidense de 42 anos. Participa nas celebrações há cerca de 20 anos, altura em que um dos homens teve que sair e ele ocupou o seu lugar.
Actualmente é o mais antigo dos quatro a levar o andor, mas já estão juntos há cerca de uma década. As subidas são a parte mais difícil para os elementos que vão atrás, enquanto que as descidas castigam mais os da frente, diz o voluntário que se posiciona na frente do andor e o carrega no braço direito. As “dicas” para se fazer melhor o percurso passam por evitar solas que escorreguem e levar calçado de borracha.
Bruno Duarte reconhece que antigamente havia mais interessados em participar e considera que esta é uma tradição cultural que é importante preservar. Cada um sabe a sua tarefa e por isso basta que alguns dias antes o coordenador envie uma mensagem para se encontrarem momentos antes das procissões.
“Gostaria de um dia passar o testemunho a um filho”, conta, acrescentando que se trata de “uma responsabilidade boa” e que se sente bem por participar.
As celebrações da Semana Santa são organizadas pela Santa Casa da Misericórdia de Óbidos (que é detentora do património), em colaboração com a paróquia, autarquia, associações locais, GNR, Bombeiros e escuteiros de Óbidos. Um evento que assume cada vez mais a sua índole turística, atraindo bastantes espanhóis, traduz também o dinamismo da comunidade.
Carlos Orlando, provedor da Santa Casa da Misericórdia, explica que os preparativos têm início quando começa a Quaresma e que envolvem muitos voluntários, entre eles jovens que colaboram na preparação dos andores e das capas e senhoras que organizam as roupas e ajudam a vestir os figurantes.
As cerimónias da Semana Santa começaram a ser instituídas em Portugal nos anos 80 do século XVI. Um arquivo da Misericórdia de Óbidos, datado de 1604 e assinado pelo então patriarca de Lisboa, D. Miguel de Castro, dá conta da sua autorização que se realize “mais uma vez a procissão do Senhor dos Passos na vila de Óbidos”, diz o provedor, o que mostra que esta já se realiza há mais de 450 anos.
Este responsável destaca ainda que, entre as cerimónias da quadra, uma das mais importantes é a procissão do Enterro, prevista para hoje às 21h30. “Desenrola-se dentro do recinto muralhado e, por tradição dos obidenses, é mantido silêncio e um ambiente escuro, propício à reflexão interior dos participantes”, revela. Carlos Orlando acrescenta ainda que, depois da procissão os bares e restaurantes voltam a abrir as portas e que “é muito agradável ver as pessoas a conviver”.
No sábado de manhã decorre o Ofício de Leituras e Laudes e à noite a vigília pascal, na Igreja de S. Pedro. As cerimónias pascais terminam no domingo, com a celebração da missa da Ressurreição no mesmo templo.


































