Entidade assinala um século de vida. Aquela que começou por ser conhecida como a Banda do Barrete é uma marca cultural da terra. A aposta é cada vez maior na formação diferenciada dos elementos
Em pequena, Catarina Correia ia com os pais passar os fins de semana a Alvorninha e começou a frequentar também a escola de música. Tinha 10 anos quando entrou e, atualmente com 40, continua a tocar trombone e é, simultaneamente, presidente da Direção da Sociedade Filarmónica. A sua história confunde-se com a de muitos outros músicos que, entre si, consideram-se “família” e vão mantendo viva a instituição que este ano passa a centenária.
Em 1921 a banda nascia por vontade das individualidades da terra e foi intitulada de Banda do Barrete, uma alusão ao facto de, na primeira atuação, na Benedita, os músicos não terem farda e atuarem com o fato civil e com um barrete na cabeça. Não mais deixaria de tocar – apenas um curto período na conturbada década de 1970 – e foi-se adaptando aos tempos. Se inicialmente era composta exclusivamente por homens, algumas décadas depois começou a acolher mulheres e agora há mesmo casais e pais e filhos a tocar na banda.

Atualmente são 43 os elementos deste agrupamento musical, com idades compreendidas entre os 12 e os 66 anos. “É uma banda de gente jovem”, conta a presidente, Catarina Correia, destacando que o mesmo se passa na Direção, também ela quase toda composta por músicos. A dirigente faz questão de integrar nos orgãos sociais músicos mais novos para os envolver na entidade, tal como um antigo diretor fez com ela, quando era adolescente. “Lembro-me que tinha uma lambreta e ia, juntamente com uma amiga, cobrar as quotas da banda aos sócios, de porta em porta”, diz, notando que esta instituição tem um grande peso numa localidade rural como é o caso de Alvorninha.
Dos cerca de 100 alunos que frequentam o Centro Escolar, metade anda também na escola de música e antes de cada ano letivo arrancar é feita uma reunião com os responsáveis da igreja, dos escuteiros e do futsal, para que as crianças possam integrar as várias atividades. E se antigamente um maestro ensinava o solfejo e a tocar os instrumentos, a exigência dos tempos leva a que a Filarmónica tenha uma professora de iniciação musical, que ensina as crianças dos 3 aos 6 anos, e mais duas professoras de formação musical com
“Passamos o verão todo o tocar, são os músicos que trabalham para sustentar a banda”
Catarina Correia, presidente da Direção da Sociedade Filarmónica de Alvorninha
cinco turmas, incluindo uma de adultos, e vários professores de instrumento, quase todos a lecionar também em academias de música.
O investimento com a formação é pago com o subsídio atribuído pela Câmara Municipal das Caldas e, sobretudo, com as atuações que fazem. “Passamos o verão todo a tocar, são os músicos que trabalham para sustentar a banda”, conta Catarina Correia, realçando que estes não recebem qualquer contribuição. Desde há dois anos que os alunos pagam 10 euros por mês para frequentar a escola de música, que lhes dá direito, semanalmente, a uma aula de música e outra de instrumento.

A aposta na formação e diferenciação vai continuar e, logo que tenham as obras de remodelação da sede finalizadas, o objetivo é conseguir ter uma turma de música para bebés.
Também as parcerias são uma das apostas bem-sucedidas, quer com o rancho folclórico, como com outras bandas e, mais recentemente, com a Osso – Associação Cultural, sediada em S. Gregório, em que pretendem proporcionar experiências diferentes, como a possibilidade de ter uma aula de música experimental, de improviso ou fazer recolha de sons.

No ano passado, a banda tinha prevista uma ida aos Açores, mas a pandemia veio adiar este sonho de atuação fora da região para 2022.
Um CD, um livro e um website
A sociedade filarmónica está a trabalhar em vários projetos para assinalar o centenário, ainda que, com a pandemia, estes tenham sofrido algumas adaptações. Com os músicos impedidos de se juntar para ensaiar, as atividades da banda centram-se agora na formação, que decorre on-line.
O último ensaio foi feito antes do confinamento e, desde então, o contacto com os músicos tem sido feito através dos vídeos postados no Facebook da filarmónica com mensagens de felicitações pelo aniversário.
A Filarmónica prepara o primeiro CD, com músicas que percorrem o último século e um original
Entretanto, começaram já a preparar a gravação de um CD, o primeiro da Filarmónica e que está a ser realizado em parceria com a Osso. Inclusivamente, um dos seus elementos, o compositor Diogo Alvim, está a compor uma peça original e está a ser preparado um vídeo, com imagens de Alvorninha e sugeridas pelos músicos, que será projetado quando a banda estiver a tocar aquela peça.
Também está prevista a criação de um livro e do website da sociedade filarmónica, a par de uma obra da autoria do cartonista Bruno Prates e de um mural cerâmico alusivo à instituição, feito pela ceramista Paula Violante e que será colocado na base do coreto que existe no centro da localidade. Como prenda de centenário, os músicos gostariam ainda de ver a sua sede remodelada e que Catarina Correia espera que possa vir a acontecer ainda este ano.
O aniversário será assinalado a 9 de abril com uma pequena celebração para os músicos e direção. A 11 de Abril haverá uma cerimónia de abertura das comemorações, com a presença de entidades, onde será feita a apresentação da história do CD, do livro e do website, com a atuação de pequenos grupos musicais. ■
Um repertório eclético: da música sacra ao jazz
O repertório da Filarmónica de Alvorninha é responsabilidade do maestro e Renato Tomás, que está sempre atento ao que pode fazer de original e o tipo de programa a adequar. “A orquestração de banda, com a diversidade de instrumentos que tem, possui um poder tímbrico e sonoro incrível”, descreve o maestro, reconhecendo que é possível fazer diferente saindo da zona de conforto.
Renato Tomás dá o exemplo da incursão da Sociedade Filarmónica de Alvorninha na música sacra, em parceria com coros da região. A estreia decorreu na igreja da terra, seguindo-se um concerto na Igreja de Nossa Senhora do Pópulo com a participação do coro do Conservatório das Caldas da Rainha e um terceiro na Benedita, que juntou mais de mil pessoas na igreja da vila. Neste último caso, como o templo tem um órgão, foram compostas duas peças para órgão e banda, interpretadas com o coro da Academia de Música de Alcobaça. Há agora o objetivo de levar o concerto ao Santuário de Nossa Senhora da Nazaré.
Outra experiência recente da banda deu-se com o Caldas nice Jazz, em que interpretaram temas inspirados nas bandas da New Orleans, no terminal da Rodoviária. O maestro lembra, também, os concertos realizados na praça, durante o verão, em que num deles convidou os Cottas Club Jazz Band a interpretar alguns temas com a banda, e noutro juntou as artes performativas de rua.
“Em Alvorninha tenho um grupo muito aberto a estas experiências diferenciadas, tem sido muito enriquecedor”, referiu o responsável, dando nota que estão a preparar o CD da banda, com um repertório muito eclético, dos compositores Miguel Oliveira (do ano em que a filarmónica foi criada), Lopes Graça, Nelson Jesus e um original de Diogo Alvim.
“O desafio é criar motivação e permitir que a música, por um lado os enriqueça do ponto de vista pessoal e cultural e, por outro, que lhes dê um escape à vida social e profissional”, salienta o maestro. Renato Tomás entende que as bandas também têm a responsabilidade de potenciar a formação dos jovens e não se cingirem a uma atividade funcional e recreativa. Defendeu ainda a necessidade das suas direções serem compostas por pessoas com conhecimentos, de modo a poder aproveitar as candidaturas, concursos e oportunidades de financiamento, tão necessários à manutenção e continuidade na vida cultural da comunidade. ■































